Há casos em que há uma contradição genuína entre o tomismo e
o teísmo bíblico. Por exemplo, é realmente difícil enquadrar a teoria tomista
da alma com o estado intermediário. O hilomorfismo é um tipo de fisicalismo,
onde a "alma é a forma do corpo" no sentido de matéria estruturada.
Mas muitos tomistas admitem que esta antropologia não dá espaço para o estado
intermediário. Além de ser filosoficamente problemática.
Da mesma forma, é extremamente difícil conciliar a doutrina
da simplicidade divina tomista com arbítrio divino indeterminado, a Trindade, e
distinções teologicamente cruciais como justiça e misericórdia.
Há vários modelos da simplicidade divina. Segundo a simplicidade divina tomista Deus é
uma unidade indiferenciada. Não há complexidade metafísica em Deus. Os seus
atributos são redutivelmente equivalentes. Nós apenas os distinguimos por
conveniência ou facilidade de referência. As distinções existem na mente
humana, não em Deus.
Eu subscrevo a
simplicidade mereológica de Deus. Se Deus é imaterial, então ele não é composto
da mesma forma que objetos ou processos materiais por partes físicas. Deus não
é composto por “partes” independentes dele e mais fundamentais do que ele. Deus
não é, por exemplo, como um carro composto por partes mais básicas como o
chassi, os pneus, os pedais, o volante, os assentos etc. Isso, no entanto, é
diferente da simplicidade tomista em que os atributos de Deus são
intercambiáveis ou em que a vontade de Deus em fazer o mundo não tem nenhum
elemento de contingência ou potencialidade.
Os atributos essenciais de Deus têm a sua origem em Deus e
constituem a natureza imutável de Deus. Deus é o exemplar dos seus atributos
que podem ser exemplificados noutras instâncias. Por exemplo, o amor é um
atributo constitutivo de Deus. Deus é o exemplar ou a fonte do amor que é
exemplificado nos seres humanos. Podemos concordar que Deus é idêntico à sua
natureza no sentido que não exemplifica nenhuma natureza genérica além ou acima
do próprio Deus. Mas cada atributo divino não é idêntico a todos os outros
atributos. A justiça de Deus não é idêntica à misericórdia de Deus.
Assim, o primeiro problema com a simplicidade tomista é que
não é compatível com distinções teologicamente cruciais.
Não havendo distinção real entre os atributos divinos, de
modo que justiça e misericórdia são equivalentes (para dar um exemplo), as
distinções entre os atributos divinos, portanto, desaparecem em Deus. Deus
simplesmente é a sua justiça, misericórdia, etc. e se Ele é todas essas coisas,
então elas não podem ser verdadeiramente distintas.
Mas se essas distinções "desaparecem" numa
realidade indiferenciada, então Deus é igualmente misericordioso para com
todos, o que torna absurda a graça discriminativa de Deus.
Na Escritura, misericórdia e justiça divinas, graça e juízo,
muitas vezes se contrastam: onde alguns pecadores são objetos de justiça (ou
seja, reprovação, condenação), enquanto outros pecadores são objetos de
misericórdia (ou seja, eleição, salvação eterna). Não se pode colapsar os dois
atributos sem colapsar os destinos escatológicos representados pela expressão
temporal dos dois atributos distintos.
Quando se diz que os atributos divinos
"desaparecem" numa unidade indiferenciada, então "Deus"
torna-se indistinguível de Brahma, o vazio inefável e indiferenciado do
Hinduísmo.
O segundo problema na simplicidade tomista é que as escolhas
divinas estão absolutamente autodeterminadas.
Segundo a simplicidade tomista a vontade de Deus é idêntica
à natureza de Deus, e se a natureza de Deus é necessária, então tudo o que Deus
deseja é necessário por sua natureza. Por exemplo, a criação é um ato da
vontade divina. Mas segundo a simplicidade tomista, Deus não podia escolher
atualizar um mundo diferente do atual ou de não criar absolutamente nada. A sua
vontade de fazer o mundo não tem nenhum elemento de contingência ou
potencialidade. Deus não pode escolher entre mundos possíveis, só há um mundo
possível que é o que Deus deseja.
Se, entretanto, não há contingência no conhecimento, vontade
ou ações de Deus, então tudo o que acontece é absolutamente inexorável. Não
poderia ser diferente, nem mesmo para Deus. Em contraste, o teísmo bíblico
tipicamente afirma a necessidade condicional em vez da necessidade absoluta.
Colocado de outra forma, se Deus faz coisas diferentes em diferentes mundos
possíveis, então Deus não pode ser simples - neste sentido radical.
É certo que Deus não pode escolher fazer coisas contrárias à
sua natureza, por exemplo fazer coisas más porque ser Bom é um atributo de
Deus, mas é possível que ele escolha entre uma gama de coisas boas. Deus podia
criar um mundo diferente do atual ou não criar nenhum mundo sem que isso
“violasse” a sua natureza, pois nenhuma dessas escolhas seria uma maldade. Deus pode ser
o mesmo Deus em diferentes mundos possíveis porque a vontade criativa ou
decreto criativo de Deus para mundos diferentes não é igual à natureza de Deus.
Portanto, ao contrário do que implica a simplicidade tomista, o arbítrio de
Deus não está absolutamente autodeterminado.
O terceiro problema é que a simplicidade tomista aniquila a
doutrina da Trindade.
A simplicidade divina é unitária e não trinitária. Para que
haja três pessoas distintas na Divindade, cada pessoa deve ter pelo menos uma
propriedade única que a individualize e a diferencie das outras duas. Mas se
todas as propriedades de Deus são redutíveis e intercambiáveis, então não há nenhuma propriedade diferencial distinguindo uma pessoa da outra.
De maneira mais geral, se natureza, pessoa e relação são
estritamente idênticas na Divindade, então Deus é uma pessoa em vez de três.
Subjacente à doutrina da simplicidade tomista parece haver
um preconceito monádico sobre a ultimidade de um sobre muitos. Essa
realidade última é simples ou estritamente unitária. Parece seguir a intuição
de que coisas grandes são feitas de coisas menores, então, à medida que se
desce na escala, há cada vez menos constituintes até que, no fundo de tudo, só
resta uma coisa. Mas e se a realidade última for um complexo irredutível?