terça-feira, 18 de maio de 2021

A arte como camuflagem

 

O interior das igrejas reformadas/evangélicas é tradicionalmente espartano. A simplicidade e ausência de luxos é uma das suas imagens de marca. Quem está acostumado a isso e entra numa catedral gótica ou numa basílica bizantina pela primeira vez pode ter um choque. O contraste é avassalador.

Esse impacto pode ter consequências diferentes em pessoas diferentes. Alguém com uma fé principalmente intelectual e teórica, que adere ao cristianismo pelo sentido estético da coisa, pode ficar fascinado e sentir-se atraído por toda a parafernália artística dessas igrejas. Essa é uma das razões pelas quais é um erro os evangélicos serem gratuitamente espartanos quando se trata de serviço de culto. Isso convida ao abandono de certas pessoas. 

Não estou a apelar para a ostentação nem para encher as igrejas com imagens ou pinturas. Isso certamente não seria boa arte, mas mau gosto disfarçado de piedade. Nada pior do que igrejas que mais parecem lojas de bugigangas. Porém, não custa nada ter um maior cuidado com os espaços do culto, a seleção da música sacra, a reverência no culto etc.

Mas a arte majestosa pode ser vista por um prisma diferente: é uma ótima maneira de camuflar o vazio. Se não se tem nada, faz-se com que pareça que há alguma coisa por meio de elementos externos. Se o vinho é apenas vinho, isso é disfarçado usando um cálice esplendoroso. Se a hóstia é apenas um pedaço de pão seco, dissimula-se isso colocando-a dentro de um tabernáculo magnificente, num altar magnificente, com muitos outros adornos cintilantes. Se o sacerdote na verdade não tem poderes transformativos, mas é apenas um homem como outro qualquer, mascara-se isso envolvendo-o com vestes extravagantes. Quanto menos se tem, mais se tem que compensar.

Os elementos externos, a sobrecarga sensorial, desviam a atenção do facto de que não há nada ali. Camadas sobre camadas para esconder o vazio no âmago. Arrebatar os sentidos é uma tática sagaz para desarmar as faculdades críticas.

Ou, para colocar isso ao contrário, se realmente houvesse alguma coisa ali, algo manifestamente sobrenatural, então toda a arte vistosa, arquitetura, música, ouro e brocado seria desnecessário. Na verdade, se realmente houvesse algo ali, todos os embrulhos faustosos o obscureceriam.

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