sábado, 12 de agosto de 2023

A IGREJA É UMA DEMOCRACIA CONSTITUCIONAL


A igreja é uma democracia constitucional. A sua constituição é a Bíblia, a Palavra de Deus. Ela é a lei fundamental, a regra da fé, o princípio da unidade que regula e pacifica os conflitos dentro da sociedade que é a igreja. 

De acordo com Gálatas 3:28, na igreja deve vigorar o princípio da igualdade, isto é, ninguém deve ser considerado superior a ninguém, todos foram salvos por graça e devem manter a humildade. O único chefe é Cristo. Por isso, na Igreja de Deus não há hierarquia. 

Quem na igreja ocupa os diferentes ministérios e cargos de autoridade deve ser eleito, legitimado, reconhecido por todo o povo de Deus. Não imposto por uma minoria à igreja contra a sua vontade ou sem o seu consentimento. 

Quem exerce um ministério deve exercê-lo dentro das funções atribuídas sem as extravasar. A função de um pastor/ancião é vigiar e zelar pelo bem da igreja local, e presidir à igreja local, não é dominar ou senhorear o povo de Deus como um tirano. 

Confissões de fé e regras internas da igreja devem ser aprovadas pela maioria dos membros da igreja.

Os bens da igreja local são de todos os seus membros. A compra e a venda de imóveis deve ser aprovado por toda a igreja, não por uma minoria.

Fuja-se, portanto, de todos os "papas" e "vaticanos", inclusive evangélicos, que querem impor os seus bispos, a sua vontade e as suas ideias às igrejas contra a vontade e sem o consentimento destas.

Como ensinou Jesus: Quem quiser ser o maior, seja servo de todos.

terça-feira, 8 de agosto de 2023

A GEOGRAFIA DO CATOLICISMO

 

Recentemente, a Igreja católica romana convocou de todo o mundo adolescentes da catequese, catequistas, escoteiros e seminaristas para confluírem todos num mesmo local do planeta. Uma espécie de cruzada medieval pacífica, a que se dá o nome de Jornada Mundial da Juventude. Conseguiu assim, com a ajuda do Estado português, invadir a cidade de Lisboa com 500 mil pessoas, cujo nome oficial é “peregrinos”, que não vieram fazer mais do que turismo religioso com a atração principal a ser o papa Francisco. 

Conseguiu também colocar as televisões portuguesas a concorrer com a TV Canção Nova em histeria coletiva, como se tivessem a cobrir a sétima aparição de Fátima, resultando isso numa enorme campanha publicitária gratuita em favor da Igreja católica romana. 

No entanto, metade dos peregrinos presentes, eram oriundos de apenas 4 países. Espanha com o maior contingente, Itália, Portugal e França. E 70% dos presentes eram oriundos de apenas 6 países se acrescentarmos os norte-americanos e os brasileiros.

Tendo em conta que metade dos católicos norte-americanos são hispânicos, pode concluir-se que o catolicismo é uma religião essencialmente latina e para latinos.


P.S. Ainda pensei que iria acontecer algo verdadeiramente surpreendente quando Francisco, no seu estilo de coach, ensinou que o único momento em que é lícito olhar alguém de cima para baixo é para o ajudar a levantar, ou seja, que ninguém se deve considerar superior a ninguém, e para dar o exemplo, Francisco iria anunciar o fim do cargo de Papa e do sistema hierárquico piramidal, um sistema de castas, que existe dentro da Igreja de Roma, mas parece que passar das palavras aos atos é que é mais difícil. 

sexta-feira, 4 de agosto de 2023

A COMUNHÃO VERDADEIRA E A UNIDADE PERFEITA

Somente na luz e na verdade a comunhão é verdadeira e a unidade é perfeita porque tudo se faz com um propósito que prescinde e transcende os interesses e objetivos pessoais.

sábado, 15 de julho de 2023

O gnosticismo era tolerante e inclusivo? Desmistificando alguns mitos sobre cristianismos “alternativos”

 

Por Michael J. Kruger

No mundo dos estudos bíblicos, pelo menos entre alguns académicos críticos, o gnosticismo tem sido o menino-bonito de há algum tempo a esta parte. Especialmente desde a descoberta dos chamados "Evangelhos Gnósticos" em Nag Hammadi em 1945, há académicos que têm cantado louvores a esta versão alternativa do cristianismo.

O gnosticismo era uma versão herética do cristianismo que entrou em cena principalmente no segundo século e que tentou competir com os cristãos ortodoxos. E parece que alguns académicos olham para trás e desejam que os gnósticos tivessem prevalecido.

Afinal de contas, argumenta-se, o cristianismo tradicional era tacanho, dogmático, intolerante, elitista e mesquinho, enquanto o gnosticismo era aberto, acolhedor, tolerante e amoroso. Se pudesse escolher, qual escolheria?

Embora esta narrativa sobre o gnosticismo de espírito livre sendo duramente oprimido pelos cristãos ortodoxos malvados e intolerantes possa soar retoricamente convincente, isso simplesmente não é confirmado pelos factos. Eis aqui cinco afirmações feitas frequentemente sobre o gnosticismo que comprovadamente são mais mito do que realidade:

Mito 1: O gnosticismo era mais popular do que o cristianismo tradicional.

É dito repetidamente que os gnósticos estavam tão difundidos quanto os cristãos ortodoxos, e que os seus livros também eram tão populares (senão mais). A razão pela qual eles não prevaleceram é porque foram oprimidos e reprimidos à força pelo partido ortodoxo que ganhou poder por meio de Constantino.

Mas, isso simplesmente não é verdade. Todas as evidências sugerem que foi “a Grande Igreja” (na linguagem do crítico pagão Celso) que dominou os primeiros séculos cristãos, muito antes de Constantino. Além disso, os escritos gnósticos não eram tão populares quanto aqueles que se tornaram canónicos, como pode ser visto pelo número de manuscritos que deixaram. Por exemplo, temos mais cópias apenas do Evangelho de João dos primeiros séculos do que de todas as obras apócrifas juntas.

Mito 2: O gnosticismo era mais inclusivo e de mente aberta do que o cristianismo tradicional.

Uma perceção popular dos gnósticos é que eles não tinham a mentalidade elitista do cristianismo tradicional. É dito que eles eram os que aceitavam os outros.

Mas, novamente, parece que a realidade era o oposto. A maioria das pessoas não sabe que os gnósticos não estavam interessados na salvação de todos. Pelo contrário, eles consideravam a salvação algo apenas para a “elite espiritual”.

Como Hultgren afirma: “A atitude destes gnósticos era extremamente elitista, pois eles sustentavam que apenas um em mil ou dois em dez mil são capazes de conhecer os segredos [da salvação]” (Normative Christianity, 99).

Mito 3: O gnosticismo reflete com mais precisão os ensinamentos do Jesus histórico do que o cristianismo tradicional.

Alguns têm argumentado que, se quisermos conhecer o Jesus real, o Jesus histórico, os escritos gnósticos (como o Evangelho de Tomé) fornecem uma imagem mais confiável.

Os problemas com tal afirmação são múltiplos, mas vou mencionar apenas um: os gnósticos não estavam muito interessados no Jesus histórico. Para os gnósticos, o que importava não era a tradição apostólica transmitida, mas sim a sua experiência religiosa atual com o Jesus ressuscitado (Jonathan Cahana, “None of Them Knew Me or My Brothers: Gnostic Anti-Traditionalism and Gnosticism as a Cultural Phenomenon,” Journal of Religion, 94 [2014]: 49-73).

Em outras palavras, os gnósticos se preocupavam muito menos com o passado e muito mais com o presente.

Este tipo de abordagem “existencial” da religião pode ser popular na nossa cultura moderna, onde a experiência comanda a vida e a religião é vista como totalmente privada. Mas não ajuda a recuperar o que realmente aconteceu na história. Se quisermos saber o que aconteceu na história, os Evangelhos canónicos sempre foram as melhores fontes.

Mito 4: O gnosticismo era mais favorável às mulheres do que o cristianismo tradicional.

Este é um grande problema. A perceção popular é que os cristãos ortodoxos oprimiram as mulheres, mas os gnósticos as libertaram. Mas, novamente, a verdade não é tão simples.

Pelo contrário, a evidência histórica sugere que as mulheres se juntaram ao cristianismo tradicional em massa. Na verdade, elas podem ter superado os homens quase em dois para um. Rodney Stark no seu livro The Triumph of Christianity defende que isso ocorreu porque o Cristianismo demonstrou ser um ambiente muito acolhedor, saudável e positivo para as mulheres.

Também abordo essa questão no meu último livro, Christianity at the Crossroads: How the Second Century Shaped the Future of the Church (IVP Academic, 2018).

Também vale a pena notar que a postura supostamente pró-mulher de alguns dos líderes gnósticos não é o que parece. O gnóstico valentiniano Marcus era na verdade conhecido por trazer mulheres para o movimento para que ele pudesse seduzi-las sexualmente (Ireneu, Adv. haer. 1.13.5).

Além disso, a visão gnóstica das mulheres parecia particularmente negativa se considerarmos o versículo final do Evangelho de Tomé: “Pois toda a mulher que se fizer homem entrará no Reino dos Céus” (logion 114). É difícil ver isso como um apoio às mulheres!

Mito 5: O gnosticismo era mais positivo em relação à sexualidade humana do que o cristianismo tradicional.

Um mito final sobre o gnosticismo é que ele era pró-sexo e que o cristianismo tradicional era anti-sexo. Em outras palavras, os gnósticos celebravam a sexualidade e os cristãos tradicionais eram pudicos puritanos.

Mais uma vez, a realidade é muito diferente. Enquanto alguns gnósticos eram sexualmente licenciosos (como observado acima com Marcus), uma grande parte do movimento era totalmente contra o sexo. De facto, grande parte do movimento defendia um severo ascetismo e o celibato.

Por exemplo, o Livro de Tomé afirma: “Ai de vocês que quereis relações sexuais que pertencem à feminilidade e a sua coabitação imunda. E ai de vocês que sois dominados pelas autoridades de vossos corpos; porque eles vos afligirão.

Enquanto alguns cristãos ortodoxos seguiram um caminho mais ascético, a maioria via o celibato como voluntário. O casamento, e o sexo dentro do casamento, era celebrado e visto como um dom de Deus.

Em suma, as perceções populares sobre o gnosticismo são apenas isso, perceções populares. E, portanto, elas não têm necessariamente uma base na história. Como vimos aqui, o gnosticismo real era muito diferente. E isso nos faz pensar que o gnosticismo falhou não porque foi politicamente oprimido pelos ortodoxos astutos, mas porque simplesmente demonstrou ser menos atraente para as pessoas dos primeiros séculos que procuravam seguir a Cristo.

Ou, como F. F. Bruce espirituosamente observou: “As escolas gnósticas perderam porque mereciam perder” (Canon of Scripture, 277).

sexta-feira, 7 de julho de 2023

ESCOLASTICISMO REFORMADO

 

A teologia reformada é suposto estar fundamentada na teologia exegética. Somente verdades reveladas merecem o status de artigos de fé. Isso inclui interpretações corretas de verdades reveladas, bem como inferências válidas das verdades reveladas. Isso é baseado no princípio da sola scriptura.

Mesmo a esse nível, as interpretações reformadas devem permanecer abertas ao escrutínio exegético. Precisamos ser capazes de defender as nossas interpretações.

A teologia reformada é bastante estável. No entanto, é necessário distinguir entre a teologia reformada e as escolas filosóficas de pensamento que são utilizadas para expor e defender a teologia reformada.

O problema é quando a teologia reformada se alinha com um paradigma filosófico particular, como o tomismo, de modo que a afirmação da teologia reformada se torna inseparável da afirmação da tradição filosófica que a patrocina.

O tomismo nunca deve ser elevado a um artigo de fé. Isso idolatra a filosofia. A teologia filosófica deve permanecer sujeita ao escrutínio racional, na medida em que a teologia filosófica antes de tudo assenta na razão natural.

A teologia filosófica deveria ser mais eclética e criteriosa. Não formar uma aliança exclusiva com nenhum filósofo em particular ou escola filosófica de pensamento.

quinta-feira, 6 de julho de 2023

MÁQUINA DE PANQUECAS

 

Alguns jovens protestantes ficam apaixonados pelo tomismo. O que torna o tomismo tão atraente?

1. Uma motivação é o apelo das redes sociais. Uma comunidade virtual na qual se pode alcançar status social fazendo comentários para impressionar outros. O tomismo permite ser um exibicionista intelectual nas redes sociais.

2. Numa frente diferente, o tomismo é atraente para alguns porque é muito enciclopédico. Ele tem respostas prontas para uma série de questões, desde metafísica e epistemologia até à ética. O protestantismo não desenvolveu nada equivalente.

O tomismo tem estas categorias expeditas, gavetas em que se pode meter coisas e sai a resposta, a saber, forma/matéria, essência/existência, substância/acidente, eficiente/formal/material, causas finais.

Como uma máquina de panquecas. Despeja-se a massa dentro e saem panquecas. A máquina determina o formato que a massa terá.

Claro, isso é apenas uma virtude se a realidade for em formato de panqueca.

3. Tomás de Aquino foi um grande teólogo filosófico, um grande teólogo sistemático, bem como um influente eticista, teórico político, etc. Portanto, há alguma justificação para o interesse nele. Dito isso, o interesse por Tomás de Aquino muitas vezes torna-se míope. E isso traz problemas. Por exemplo:

i) A filosofia e a teologia filosófica não terminaram com Tomás de Aquino, logo não há nenhuma boa razão para que ele seja o paradigma padrão. Isso leva à negligência de filósofos posteriores e teólogos filosóficos fora da tradição tomista. Especialmente para os protestantes, não deve haver nenhuma presunção de que a ética, a metafísica e a epistemologia tomista seja o melhor sistema. Por exemplo, a filosofia frequentemente usa modelos e analogias alicerçados na lógica, na matemática e na ciência. Avanços na lógica, na matemática e na ciência podem levar a avanços na análise filosófica. Neste aspecto, o tomismo tem recursos conceptuais antiquados e anacrónicos.

É certo que o tomismo tem sido atualizado, mas, como a adaptação de um carro antigo, chega um ponto em que tem que se parar de ajustar a tecnologia do carburador e criar algo do zero.

ii) Quando deixado por sua conta, Tomás de Aquino é um pensador bastante claro. No entanto, ele é antes de tudo um clérigo leal. Seu dever é defender o dogma católico medieval.

Isso significa que ele está preso a coisas que são difíceis de defender. Ele tem que apresentar defesas engenhosas do dogma recebido. Isso resulta em falta de clareza. Ele torna-se pouco claro porque traça distinções ad hoc para defender tudo o que seja dogma. Ele não dá as cartas. Ele joga com as cartas que recebeu.

iii) Outro problema diz respeito à gestão do tempo: a vida é curta, os livros são caros, o dia tem apenas 24 horas. O tempo investido no tomismo é tempo retirado de outros estudos. Isso não significa que quem tem interesse por filosofia deva ignorar o tomismo, mas há, igualmente, outras coisas que não devem ignorar-se. Trata-se de uma questão de prioridades.

Por exemplo, há um lugar importante para a cristologia filosófica. Mas esse não é o ponto de partida adequado. O que sabemos sobre Jesus é baseado na revelação histórica. O ponto de partida adequado é a teologia exegética, não a teologia filosófica ou a teologia histórica. Dito de outra forma, a teologia filosófica deverá partir da teologia exegética. No caso da cristologia, a cristologia do NT é o fundamento.

Se alguém pretende ler boas obras sobre cristologia, comece com monografias exegéticas de estudiosos como Richard Bauckham, Gordon Fee, Simon Gathercole, Larry Hurtado e Sigurd Grindheim. Isso fornece a matéria-prima para a análise e modelação filosófica.

A cristologia filosófica que não está firmemente fundamentada na cristologia do NT é apenas uma incursão na história das ideias, brincar com ideias, como algumas ideias se relacionam com outras ideias. Nada disso tem qualquer base na realidade de quem Jesus realmente é. Ela torna-se idolatria intelectual: adoração das nossas próprias mentes.

4. Faz sentido para um católico piedoso começar com o dogma da igreja. Ele acha que a Madre Igreja tem a interpretação correta do NT da pessoa e da obra de Cristo. Então esse é o ponto de partida dele. E isso é lógico, dado a premissa incorreta.

Mas essa não é uma premissa dos protestantes. A menos que comecemos com verdades reveladas sobre Jesus, o que acreditamos é apenas encenação.

Por exemplo, se alguém começar com Tomás de Aquino, fica a entender as duas naturezas de Cristo em termos de antropologia tomista (p. ex. hilomorfismo) e teologia tomista (p. ex. simplicidade divina, actus purus, trinitarianismo latino). Dessa forma, o que faz é substituir a cristologia do NT por um simulacro.

Ironicamente, alguns jovens protestantes são mais católicos do que o catolicismo. Existem filósofos católicos como Nicholas Rescher, Bas van Fraassen, Michael Dummett e Dagfinn Føllesdal que não compartilham a paixão deles pelo tomismo. Sem falar em ordens religiosas inteiras (jesuíta, franciscana) que estão em desacordo com o tomismo.

O cardeal Newman adotou uma abordagem muito diferente da epistemologia religiosa de Aquino. Da mesma forma, Bento XVI estava, pelo que sei, muito mais sintonizado com os seus padres da igreja favoritos do que com Aquino. Aliás, quão central foi Tomás de Aquino para a filosofia/teologia de João Paulo II? Urs von Balthasar não era o seu teólogo favorito?

Há também filósofos católicos, como Alexander Pruss, que são bastante ecléticos. Ele defende o argumento cosmológico leibniziano e não tem problemas em combinar insights aristotélicos e leibnizianos sobre mundos possíveis.

O facto é: os verdadeiros filósofos fazem algum juízo independente na sua avaliação do tomismo. É isso que os torna pensadores críticos. Mesmo quando se apropriam do tomismo, eles o peneiram e qualificam.

quarta-feira, 5 de julho de 2023

PEÇA DE MUSEU

Uma das razões para não se ser tomista é que o tomismo é uma peça de museu. Tomás de Aquino foi um apologista da teologia católica medieval. O que mais ele poderia ser?

Mas já ninguém acredita na teologia católica medieval (além dos sedevacantistas). Esse paradigma teológico está extinto.

Isso não significa que não se possa salvar alguns elementos duradouros do tomismo, mas o sucesso da operação de resgate depende em parte de se se é católico ou protestante. Há menos continuidade entre o tomismo e o evangelicalismo do que entre o tomismo e o catolicismo moderno.

É necessário desmontar o pacote tomista para aproveitar peças reutilizáveis. É sempre possível conseguir-se algumas peças reutilizáveis numa sucata de carros desmantelados.

terça-feira, 20 de junho de 2023

O cânon da Bíblia e a força da gravidade


“Em relação à abordagem católica mais rígida da relação igreja-cânon, a ideia de que o cânon é “derivado” da igreja ou “causado” pela igreja também levanta uma série de problemas:

(1) Embora o Novo Testamento não tenha sido concluído de uma só vez, o ensino apostólico foi a substância do que mais tarde se tornou o Novo Testamento. E foi esse ensino apostólico, juntamente com os profetas, que constituiu o fundamento da igreja, e não o contrário. Como afirma Efésios 2:20, a igreja foi “edificada sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas”. A igreja é sempre a creatura verbi (“criação da Palavra”). Chapman resume: “O cânon bíblico não é uma criação da igreja, antes a igreja é uma criação do cânon bíblico”.

(2) Os primeiros cristãos tinham um cânon, a saber, o Antigo Testamento (Rom. 15:4; 1 Cor. 10:6; 2 Tim. 3:15-16), que parece ter existido bem antes da fundação da igreja. Não há nenhuma razão para pensar que o Israel dos dias de Jesus teve alguma revelação infalível de Deus que o ajudou a escolher os livros do cânon do Antigo Testamento.

(3) Desde os primeiros dias, os crentes receberam as cartas de Paulo como Escritura (1 Tessalonicenses 2:13), Paulo claramente pretendia que fossem recebidas como Escritura (Gálatas 1:1–24), e até outros escritores pensaram que eram Escritura (2 Pedro 3:16). Assim, as próprias Escrituras nunca dão a impressão de que a sua autoridade era “derivada” da igreja ou de alguma futura decisão eclesiástica.

(4) Foi apenas no Concílio de Trento em 1546 que a Igreja Católica Romana fez uma declaração formal e oficial sobre o cânon da Bíblia, particularmente sobre os Apócrifos. À luz deste cenário, o que dizer da afirmação católica romana de que “sem a Igreja não haveria Novo Testamento”? Devemos acreditar que a igreja não teve nenhum cânon por mais de 1500 anos, até o Concílio de Trento? A história da igreja deixa claro que a igreja tinha, de facto, um cânon funcional muito antes do Concílio de Trento (ou mesmo dos concílios do século IV). J. I. Packer resume bem: “A Igreja não nos deu o cânon do Novo Testamento mais do que Sir Isaac Newton nos deu a força da gravidade. Deus deu-nos a gravidade... Newton não criou a gravidade, mas a reconheceu.”

Michael J. Kruger, Canon Revisited: Establishing the Origins and Authority of the New Testament Books (Wheaton: Crossway, 2012), p. 44-45.

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