quinta-feira, 6 de julho de 2023

MÁQUINA DE PANQUECAS

 

Alguns jovens protestantes ficam apaixonados pelo tomismo. O que torna o tomismo tão atraente?

1. Uma motivação é o apelo das redes sociais. Uma comunidade virtual na qual se pode alcançar status social fazendo comentários para impressionar outros. O tomismo permite ser um exibicionista intelectual nas redes sociais.

2. Numa frente diferente, o tomismo é atraente para alguns porque é muito enciclopédico. Ele tem respostas prontas para uma série de questões, desde metafísica e epistemologia até à ética. O protestantismo não desenvolveu nada equivalente.

O tomismo tem estas categorias expeditas, gavetas em que se pode meter coisas e sai a resposta, a saber, forma/matéria, essência/existência, substância/acidente, eficiente/formal/material, causas finais.

Como uma máquina de panquecas. Despeja-se a massa dentro e saem panquecas. A máquina determina o formato que a massa terá.

Claro, isso é apenas uma virtude se a realidade for em formato de panqueca.

3. Tomás de Aquino foi um grande teólogo filosófico, um grande teólogo sistemático, bem como um influente eticista, teórico político, etc. Portanto, há alguma justificação para o interesse nele. Dito isso, o interesse por Tomás de Aquino muitas vezes torna-se míope. E isso traz problemas. Por exemplo:

i) A filosofia e a teologia filosófica não terminaram com Tomás de Aquino, logo não há nenhuma boa razão para que ele seja o paradigma padrão. Isso leva à negligência de filósofos posteriores e teólogos filosóficos fora da tradição tomista. Especialmente para os protestantes, não deve haver nenhuma presunção de que a ética, a metafísica e a epistemologia tomista seja o melhor sistema. Por exemplo, a filosofia frequentemente usa modelos e analogias alicerçados na lógica, na matemática e na ciência. Avanços na lógica, na matemática e na ciência podem levar a avanços na análise filosófica. Neste aspecto, o tomismo tem recursos conceptuais antiquados e anacrónicos.

É certo que o tomismo tem sido atualizado, mas, como a adaptação de um carro antigo, chega um ponto em que tem que se parar de ajustar a tecnologia do carburador e criar algo do zero.

ii) Quando deixado por sua conta, Tomás de Aquino é um pensador bastante claro. No entanto, ele é antes de tudo um clérigo leal. Seu dever é defender o dogma católico medieval.

Isso significa que ele está preso a coisas que são difíceis de defender. Ele tem que apresentar defesas engenhosas do dogma recebido. Isso resulta em falta de clareza. Ele torna-se pouco claro porque traça distinções ad hoc para defender tudo o que seja dogma. Ele não dá as cartas. Ele joga com as cartas que recebeu.

iii) Outro problema diz respeito à gestão do tempo: a vida é curta, os livros são caros, o dia tem apenas 24 horas. O tempo investido no tomismo é tempo retirado de outros estudos. Isso não significa que quem tem interesse por filosofia deva ignorar o tomismo, mas há, igualmente, outras coisas que não devem ignorar-se. Trata-se de uma questão de prioridades.

Por exemplo, há um lugar importante para a cristologia filosófica. Mas esse não é o ponto de partida adequado. O que sabemos sobre Jesus é baseado na revelação histórica. O ponto de partida adequado é a teologia exegética, não a teologia filosófica ou a teologia histórica. Dito de outra forma, a teologia filosófica deverá partir da teologia exegética. No caso da cristologia, a cristologia do NT é o fundamento.

Se alguém pretende ler boas obras sobre cristologia, comece com monografias exegéticas de estudiosos como Richard Bauckham, Gordon Fee, Simon Gathercole, Larry Hurtado e Sigurd Grindheim. Isso fornece a matéria-prima para a análise e modelação filosófica.

A cristologia filosófica que não está firmemente fundamentada na cristologia do NT é apenas uma incursão na história das ideias, brincar com ideias, como algumas ideias se relacionam com outras ideias. Nada disso tem qualquer base na realidade de quem Jesus realmente é. Ela torna-se idolatria intelectual: adoração das nossas próprias mentes.

4. Faz sentido para um católico piedoso começar com o dogma da igreja. Ele acha que a Madre Igreja tem a interpretação correta do NT da pessoa e da obra de Cristo. Então esse é o ponto de partida dele. E isso é lógico, dado a premissa incorreta.

Mas essa não é uma premissa dos protestantes. A menos que comecemos com verdades reveladas sobre Jesus, o que acreditamos é apenas encenação.

Por exemplo, se alguém começar com Tomás de Aquino, fica a entender as duas naturezas de Cristo em termos de antropologia tomista (p. ex. hilomorfismo) e teologia tomista (p. ex. simplicidade divina, actus purus, trinitarianismo latino). Dessa forma, o que faz é substituir a cristologia do NT por um simulacro.

Ironicamente, alguns jovens protestantes são mais católicos do que o catolicismo. Existem filósofos católicos como Nicholas Rescher, Bas van Fraassen, Michael Dummett e Dagfinn Føllesdal que não compartilham a paixão deles pelo tomismo. Sem falar em ordens religiosas inteiras (jesuíta, franciscana) que estão em desacordo com o tomismo.

O cardeal Newman adotou uma abordagem muito diferente da epistemologia religiosa de Aquino. Da mesma forma, Bento XVI estava, pelo que sei, muito mais sintonizado com os seus padres da igreja favoritos do que com Aquino. Aliás, quão central foi Tomás de Aquino para a filosofia/teologia de João Paulo II? Urs von Balthasar não era o seu teólogo favorito?

Há também filósofos católicos, como Alexander Pruss, que são bastante ecléticos. Ele defende o argumento cosmológico leibniziano e não tem problemas em combinar insights aristotélicos e leibnizianos sobre mundos possíveis.

O facto é: os verdadeiros filósofos fazem algum juízo independente na sua avaliação do tomismo. É isso que os torna pensadores críticos. Mesmo quando se apropriam do tomismo, eles o peneiram e qualificam.

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