sábado, 20 de novembro de 2021

QUEM CRIOU DEUS?

 

Alguns ateístas pensam que podem descartar argumentos cosmológicos simplesmente com a pergunta: "Quem criou Deus?" Aqui estão algumas observações que são pertinentes para essa resposta:

«Todos os seres que observamos parecem ser seres contingentes; alguns deles certamente são. Parece razoável, portanto, supor que a seguinte afirmação é verdadeira:

   Existem alguns seres contingentes.

Ora, se o Princípio da Razão Suficiente está correto, há alguma explicação para a verdade desta afirmação, alguma resposta à pergunta "Por que existem seres contingentes?". Mas como seria uma explicação para a existência de seres contingentes? Uma possível explicação para este estado de coisas é a seguinte:

  Algo necessariamente existente, algum ser necessário, é de alguma forma responsável pelo facto de existirem coisas contingentes.

Esta não é, obviamente, uma explicação muito detalhada, mas parece ser uma explicação perfeitamente satisfatória até onde vai. É concebível que alguém se oponha a ela com o fundamento de que "apenas empurra o problema da existência das coisas um passo atrás". A preocupação aqui é mais ou menos assim: "Tudo bem, o ser necessário explica a existência de seres contingentes, mas o que explica a sua existência? Por que ele existe?" Mas dizer isso é negligenciar o facto de que um ser necessário é um ser cuja inexistência é impossível. Assim, para qualquer ser necessário, há por definição uma razão suficiente para a sua existência: dificilmente poderia haver uma explicação melhor para a existência de uma coisa do que a sua inexistência ser impossível.

Quanto ao facto de que a explicação é quase totalmente carente de detalhes, devemos notar que há poucas ou nenhuma explicação que não possa ser dada em maiores detalhes. A explicação poderia ser "preenchida" de várias maneiras...» (Peter van Inwagen, Metaphysics, (Westview Press 2015), 160-61).

i) Alguns ateístas podem objetar que definir Deus como um ser necessário é circular. Isso é definir a existência de Deus. Verdade por definição.

ii) Mas essa objeção é mal concebida. Para começar, um debate sobre a existência de Deus é, em primeira instância, um debate acerca da ideia de Deus. O que "Deus" representa? Nessa etapa do argumento, não há nada de errado com uma definição estipulativa. Definir Deus como um ser necessário não significa necessariamente que Deus exista, mas que, se Deus existe, ele existe por necessidade. Em outras palavras, esta é uma declaração sobre o conceito de Deus em análise. Se existe uma realidade correspondente a esse conceito é outra etapa do argumento, mas a ideia de Deus é a ideia de um ser necessário.

E refere-se à ideia de Deus no teísmo clássico, uma vez que esse é o alvo típico dos ateus ocidentais, bem como o que seus opositores cristãos normalmente defendem. Claro, se este fosse um debate sobre o hinduísmo, então a definição seria diferente.

iii) Adicionalmente, este não é um princípio arbitrário. O que torna entidades contingentes contingentes é a sua dependência de outra coisa para a sua existência. É possível que elas não existam. Elas nem sempre existiram e algumas delas deixam de existir.

Isso, por sua vez, levanta a questão de saber se é possível que tudo seja contingente ou se deve haver algo necessário para fundamentar entidades contingentes? Pode ser tudo contingência? Ou deve haver algo que não pode deixar de existir que suporta tudo o resto? Essa, é claro, uma questão calorosamente debatida. Mas possamos ou não provar que coisas possíveis exigem algo necessário, essa é, no mínimo, uma explicação razoável. Se há algo necessário de que entidades contingentes dependem, então essa é uma explicação simples de por que razão elas existem, já que não há nada em si mesmas que exija a sua existência.

iv) Da mesma forma, não é irrazoável pensar que a regressão explicativa deve terminar em algum ponto. Na verdade, esse é um pressuposto da ciência. Mas a questão é onde traçar a linha. Alguns pontos de paragem são arbitrários ou prematuros. Os meus pais não são a fonte última da minha existência, pois eles têm pais e avós. Além disso, a sua existência física é contingente, não apenas dos seus pais, mas da Terra e do Universo.

v) Isto elimina contraexemplos fáceis como o Bule de Russell e "um deus a menos". O Bule de Russell, se existisse, seria um objeto contingente. Portanto, não tem o mesmo poder explicativo que um ser necessário como Deus. Da mesma forma, divindades pagãs são seres contingentes.

terça-feira, 16 de novembro de 2021

Tribalismo na teologia católica tradicional

 

"No passado, quando um teólogo praticava teologia como membro de uma ordem religiosa, isto é, como membro de uma congregação formada segundo um certo espírito distinto daquele de outras ordens, essa teologia trazia a marca distinta e tangível da teologia dessa ordem. As ordens principais, como os beneditinos, os dominicanos, os franciscanos e os jesuítas, cada uma tinha o seu próprio estilo de teologia, um facto que era então reconhecido. Cada ordem cultivava a sua própria teologia específica e cada uma distinguia a sua teologia daquela de outras ordens religiosas. Elas se orgulhavam das suas respetivas tradições teológicas e até tinham os seus próprios doutores da Igreja oficialmente reconhecidos, bem como figuras centrais nas várias “escolas” teológicas. Em tudo isso, não há nada censurável, desde, é claro, que essas diferenças não degeneram em conflitos obstinados entre as linhas partidárias - algo que ocorreu com bastante frequência no passado. Hoje em dia acho que não é mais assim. No que diz respeito à legislação da minha ordem, devo ensinar, por exemplo, a chamada scientia media e, consequentemente, me opor e rejeitar a teologia tomista da graça como exposta na era barroca".

Karl Rahner, S.J. "Experiences of a Catholic Theologian", Theological Studies 61 (2000), 10.

Por exemplo, a imaculada conceição de Maria foi durante séculos uma causa de luta entre franciscanos e dominicanos.

Os franciscanos eram a favor e os dominicanos contra. Um famoso dominicano que rejeitou essa doutrina foi o próprio Tomás de Aquino.

quarta-feira, 10 de novembro de 2021

Casos em que há uma contradição entre o tomismo e o teísmo bíblico – hilomorfismo e simplicidade divina

 

Há casos em que há uma contradição genuína entre o tomismo e o teísmo bíblico. Por exemplo, é realmente difícil enquadrar a teoria tomista da alma com o estado intermediário. O hilomorfismo é um tipo de fisicalismo, onde a "alma é a forma do corpo" no sentido de matéria estruturada. Mas muitos tomistas admitem que esta antropologia não dá espaço para o estado intermediário. Além de ser filosoficamente problemática.

Da mesma forma, é extremamente difícil conciliar a doutrina da simplicidade divina tomista com arbítrio divino indeterminado, a Trindade, e distinções teologicamente cruciais como justiça e misericórdia.

Há vários modelos da simplicidade divina. Segundo a simplicidade divina tomista Deus é uma unidade indiferenciada. Não há complexidade metafísica em Deus. Os seus atributos são redutivelmente equivalentes. Nós apenas os distinguimos por conveniência ou facilidade de referência. As distinções existem na mente humana, não em Deus.

Eu subscrevo a simplicidade mereológica de Deus. Se Deus é imaterial, então ele não é composto da mesma forma que objetos ou processos materiais por partes físicas. Deus não é composto por “partes” independentes dele e mais fundamentais do que ele. Deus não é, por exemplo, como um carro composto por partes mais básicas como o chassi, os pneus, os pedais, o volante, os assentos etc. Isso, no entanto, é diferente da simplicidade tomista em que os atributos de Deus são intercambiáveis ou em que a vontade de Deus em fazer o mundo não tem nenhum elemento de contingência ou potencialidade. 

Os atributos essenciais de Deus têm a sua origem em Deus e constituem a natureza imutável de Deus. Deus é o exemplar dos seus atributos que podem ser exemplificados noutras instâncias. Por exemplo, o amor é um atributo constitutivo de Deus. Deus é o exemplar ou a fonte do amor que é exemplificado nos seres humanos. Podemos concordar que Deus é idêntico à sua natureza no sentido que não exemplifica nenhuma natureza genérica além ou acima do próprio Deus. Mas cada atributo divino não é idêntico a todos os outros atributos. A justiça de Deus não é idêntica à misericórdia de Deus. 

Assim, o primeiro problema com a simplicidade tomista é que não é compatível com distinções teologicamente cruciais.

Não havendo distinção real entre os atributos divinos, de modo que justiça e misericórdia são equivalentes (para dar um exemplo), as distinções entre os atributos divinos, portanto, desaparecem em Deus. Deus simplesmente é a sua justiça, misericórdia, etc. e se Ele é todas essas coisas, então elas não podem ser verdadeiramente distintas.

Mas se essas distinções "desaparecem" numa realidade indiferenciada, então Deus é igualmente misericordioso para com todos, o que torna absurda a graça discriminativa de Deus.

Na Escritura, misericórdia e justiça divinas, graça e juízo, muitas vezes se contrastam: onde alguns pecadores são objetos de justiça (ou seja, reprovação, condenação), enquanto outros pecadores são objetos de misericórdia (ou seja, eleição, salvação eterna). Não se pode colapsar os dois atributos sem colapsar os destinos escatológicos representados pela expressão temporal dos dois atributos distintos.

Quando se diz que os atributos divinos "desaparecem" numa unidade indiferenciada, então "Deus" torna-se indistinguível de Brahma, o vazio inefável e indiferenciado do Hinduísmo.

O segundo problema na simplicidade tomista é que as escolhas divinas estão absolutamente autodeterminadas.

Segundo a simplicidade tomista a vontade de Deus é idêntica à natureza de Deus, e se a natureza de Deus é necessária, então tudo o que Deus deseja é necessário por sua natureza. Por exemplo, a criação é um ato da vontade divina. Mas segundo a simplicidade tomista, Deus não podia escolher atualizar um mundo diferente do atual ou de não criar absolutamente nada. A sua vontade de fazer o mundo não tem nenhum elemento de contingência ou potencialidade. Deus não pode escolher entre mundos possíveis, só há um mundo possível que é o que Deus deseja.

Se, entretanto, não há contingência no conhecimento, vontade ou ações de Deus, então tudo o que acontece é absolutamente inexorável. Não poderia ser diferente, nem mesmo para Deus. Em contraste, o teísmo bíblico tipicamente afirma a necessidade condicional em vez da necessidade absoluta. Colocado de outra forma, se Deus faz coisas diferentes em diferentes mundos possíveis, então Deus não pode ser simples - neste sentido radical.

É certo que Deus não pode escolher fazer coisas contrárias à sua natureza, por exemplo fazer coisas más porque ser Bom é um atributo de Deus, mas é possível que ele escolha entre uma gama de coisas boas. Deus podia criar um mundo diferente do atual ou não criar nenhum mundo sem que isso “violasse” a sua natureza, pois nenhuma dessas escolhas seria uma maldade. Deus pode ser o mesmo Deus em diferentes mundos possíveis porque a vontade criativa ou decreto criativo de Deus para mundos diferentes não é igual à natureza de Deus. Portanto, ao contrário do que implica a simplicidade tomista, o arbítrio de Deus não está absolutamente autodeterminado.

O terceiro problema é que a simplicidade tomista aniquila a doutrina da Trindade.

A simplicidade divina é unitária e não trinitária. Para que haja três pessoas distintas na Divindade, cada pessoa deve ter pelo menos uma propriedade única que a individualize e a diferencie das outras duas. Mas se todas as propriedades de Deus são redutíveis e intercambiáveis, então não há propriedade diferencial distinguindo uma pessoa da outra.

De maneira mais geral, se natureza, pessoa e relação são estritamente idênticas na Divindade, então Deus é uma pessoa em vez de três.

Subjacente à doutrina da simplicidade tomista parece haver um preconceito monádico sobre a ultimidade de um sobre muitos. Essa realidade última é simples ou estritamente unitária. Parece seguir a intuição de que coisas grandes são feitas de coisas menores, então, à medida que se desce na escala, há cada vez menos constituintes até que, no fundo de tudo, só resta uma coisa. Mas e se a realidade última for um complexo irredutível?

segunda-feira, 8 de novembro de 2021

Evolução naturalística e niilismo moral


Se a evolução naturalística for verdadeira, nós sofremos uma lavagem cerebral para valorizar o altruísmo de parentesco, mas essa é uma projeção que não mapeia a realidade. Nada é realmente bom ou mau, certo ou errado. É assim que os nossos cérebros foram programados pela evolução cega. A valoração é arbitrária. Nós poderíamos muito bem ser reconfigurados para valorizar o canibalismo.

quarta-feira, 3 de novembro de 2021

Newman nunca se converteu ao catolicismo


cardeal Newman aprofundou-se na história da igreja e descobriu que não conseguia encontrar o catolicismo romano nos primeiros séculos da igreja, então redefiniu o catolicismo ao inventar a teoria do desenvolvimento. Ele não se converteu ao catolicismo; converteu foi o catolicismo a ele mesmo.

O Desenvolvimento da Doutrina vs A Tradição Católica Romana

terça-feira, 2 de novembro de 2021

A Senhora de Fátima detonou todo o sistema de indulgências

Nas supostas conversas de Lúcia com a "Nossa Senhora" de Fátima, a certa altura Lúcia pergunta-lhe:

A Maria das Neves já está no Céu?

Nossa Senhora: Sim, está.

Lúcia: E a Amélia?

Nossa Senhora: Estará no Purgatório até ao fim do mundo. 

(Aparição de 13 de maio de 1917. Em: Memórias da Irmã Lúcia. 13.ª ed. Fátima: Secretariado dos Pastorinhos, 2007, p. 173).

Segundo a Senhora de Fátima, a Amélia estará no Purgatório até ao fim do mundo. É a palavra de honra da Senhora de Fátima. Por que haveria de descer à terra para contar uma mentira? Portanto, não há indulgência, plenária ou parcial, sacrifício, oração ou oferta que possa tirar a Amélia do Purgatório.

Se isto pode acontecer com a Amélia, não há nenhuma presunção que não possa acontecer com outras pessoas. A Senhora de Fátima descredibilizou assim todo o sistema de indulgências e sufrágios que garantem a antecipação da saída das almas do purgatório em direção ao céu.

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