Mostrar mensagens com a etiqueta tomismo. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta tomismo. Mostrar todas as mensagens

4 de abril de 2025

DORMINDO COM O INIMIGO

 

Arthur Lovejoy está certamente correto ao dizer que o Deus austero da metafísica aristotélico-tomista não tem quase nada em comum com o Deus do Sermão do Monte — contudo, por um dos mais estranhos e marcantes paradoxos da história ocidental, a teologia filosófica da cristandade identificou um com o outro” (Arthur Lovejoy, The Great Chain of Being (Harvard, 1936), p. 5).

Os ‘incrédulos’ contra cujo ‘ridículo’ [Aquino] desejava proteger a causa cristã ao não tentar oferecer provas racionais para a Trindade eram, sem dúvida, os filósofos muçulmanos e judeus, cuja abordagem ele tanto admirava e imitava. O que ele provavelmente não percebeu é que os seus argumentos para a simplicidade divina que ele adotou, e que eram o fundamento para o ‘ridículo’ deles, não tinham de forma alguma surgido num contexto neutro, mas tinham sido forjados como armas numa batalha contra a doutrina da Trindade... Ironicamente, então, Tomás aceitou como os resultados do raciocínio natural autêntico uma tradição que tinha sido formada especificamente para se opor ao teísmo trinitário no qual ele acreditava. (Robert M. Burns, “The Divine Simplicity in St. Thomas”, Religious Studies 25/3 (1989), p. 287).

14 de agosto de 2024

DESAMBIGUAÇÃO DA PRESENÇA REAL E TRANSUBSTANCIAÇÃO


Enquanto a crença na presença real de Cristo na Eucaristia é comum a todas as tradições cristãs, uma vez que uma presença simbólica ou espiritual não é menos real que uma presença física, a transubstanciação como formulada por Aquino e sancionada em Trento é uma doutrina exclusiva da Igreja de Roma.

Por exemplo, as interpretações católica, luterana, ortodoxa e calvinista têm em comum a aceitação da presença real, mas também diferem entre si em relação a como é produzida.

Segundo o dogma católico da transubstanciação, em virtude das palavras da consagração o pão e o vinho tornam-se o corpo, o sangue, a alma e a divindade de Cristo, embora persistam os “acidentes” (forma, cor, odor, sabor e composição química) do pão e do vinho. Esta mudança é permanente, o que torna a hóstia em objeto de culto de adoração (latria).

O Luteranismo aceita a distinção aristotélica entre substância e acidente, mas não que o pão deixa de ser pão e o vinho deixa de ser vinho, mas que pelas palavras da consagração Cristo se faz verdadeiramente presente “em, com e sob” as espécies (consubstanciação).

Por seu lado os ortodoxos orientais rejeitam as controvérsias ocidentais e afirmam a presença real como símbolo (“pôr junto com”) e mistério, sem tentar explicar a forma em que é produzida; segundo uma página ortodoxa, “São o pão e o vinho molecularmente alterados para tornar-se carne e sangue físicos? É claro que não. Mas como o pão e o vinho, quando são ingeridos, se convertem como alimento na nossa própria carne e sangue de um modo desconhecido para nós, assim o pão e o vinho da Eucaristia tornam-se (também de um modo desconhecido para nós) o real corpo e sangue de Cristo na aparência e forma de pão e vinho.”

O Calvinismo ensina que Cristo está verdadeiramente presente na Eucaristia, mas de maneira espiritual – em oposição a uma presença física - e que portanto o pão e o vinho são fontes de poder e santidade para aqueles que participam dignamente deles.

A maioria das Igrejas cristãs evangélicas sustentam que o pão e o vinho são exclusivamente símbolos e, portanto, uma presença simbólica do corpo e sangue de Cristo nos elementos Eucarísticos, mas nem por isso menos real.

Portanto, a menos que se esteja a utilizar a expressão "presença real" como um termo técnico para presença física, todos os cristãos acreditam na presença real de Cristo na Eucaristia.

12 de agosto de 2024

SACRAMENTALISMO ANTI-ENCARNACIONAL

 

O Luteranismo, o Catolicismo e a Ortodoxia, cada um à sua maneira, enfatizam a “Presença Real”. Mas um problema básico da “Presença Real” é a forma como este dogma atinge a raiz da Encarnação – bem como da Ressurreição. É uma visão fundamentalmente anti-encarnacional da Eucaristia.

Jesus tinha um corpo. Um corpo de verdade. Um corpo físico. Isto fica claro nos Evangelhos. Ele tinha um corpo visível e tangível. Um corpo com altura e peso normal, comparável ao de outros seres humanos com quem interagia.

Isto era verdade antes da sua Ressurreição, e isto era igualmente verdade depois da sua Ressurreição. Na verdade, tanto Lucas (Lc 24) como João (Jo 20-21) esforçam-se por acentuar o caráter visível e tangível do corpo glorificado de Cristo. Embora Cristo pudesse aparecer e desaparecer à vontade, quando estava presente, estava presente de uma forma localmente tangível e definível. Localidade, não ubiquidade. O seu corpo glorificado tinha propriedades empíricas.

Isso é essencial para a teologia lucana da Ressurreição, como também para a teologia joanina da Ressurreição. O corpo de Cristo Ressuscitado é algo que era possível aos observadores ver e sentir.

Mas para defender a “Presença Real” em relação aos elementos da comunhão, é necessário redefinir radicalmente um corpo. E, no processo, é necessário redefinir radicalmente tanto a Encarnação como a Ressurreição.

O fisicalista sacramental despedaça a Encarnação e a Ressurreição em prol do seu dogma eucarístico. Para salvar a doutrina, a corporalidade do corpo é despojada das suas propriedades corporais.

Com efeito, o fisicalista sacramental reduz o corpo de Cristo a um corpo astral ou a uma matéria subtil. Ele tem que assumir uma "forte" sacramentologia à custa de uma fraca cristologia.

7 de julho de 2023

ESCOLASTICISMO REFORMADO

 

A teologia reformada é suposto estar fundamentada na teologia exegética. Somente verdades reveladas merecem o status de artigos de fé. Isso inclui interpretações corretas de verdades reveladas, bem como inferências válidas das verdades reveladas. Isso é baseado no princípio da sola scriptura.

Mesmo a esse nível, as interpretações reformadas devem permanecer abertas ao escrutínio exegético. Precisamos ser capazes de defender as nossas interpretações.

A teologia reformada é bastante estável. No entanto, é necessário distinguir entre a teologia reformada e as escolas filosóficas de pensamento que são utilizadas para expor e defender a teologia reformada.

O problema é quando a teologia reformada se alinha com um paradigma filosófico particular, como o tomismo, de modo que a afirmação da teologia reformada se torna inseparável da afirmação da tradição filosófica que a patrocina.

O tomismo nunca deve ser elevado a um artigo de fé. Isso idolatra a filosofia. A teologia filosófica deve permanecer sujeita ao escrutínio racional, na medida em que a teologia filosófica antes de tudo assenta na razão natural.

A teologia filosófica deveria ser mais eclética e criteriosa. Não formar uma aliança exclusiva com nenhum filósofo em particular ou escola filosófica de pensamento.

6 de julho de 2023

MÁQUINA DE PANQUECAS

 

Alguns jovens protestantes ficam apaixonados pelo tomismo. O que torna o tomismo tão atraente?

1. Uma motivação é o apelo das redes sociais. Uma comunidade virtual na qual se pode alcançar status social fazendo comentários para impressionar outros. O tomismo permite ser um exibicionista intelectual nas redes sociais.

2. Numa frente diferente, o tomismo é atraente para alguns porque é muito enciclopédico. Ele tem respostas prontas para uma série de questões, desde metafísica e epistemologia até à ética. O protestantismo não desenvolveu nada equivalente.

O tomismo tem estas categorias expeditas, gavetas em que se pode meter coisas e sai a resposta, a saber, forma/matéria, essência/existência, substância/acidente, eficiente/formal/material, causas finais.

Como uma máquina de panquecas. Despeja-se a massa dentro e saem panquecas. A máquina determina o formato que a massa terá.

Claro, isso é apenas uma virtude se a realidade for em formato de panqueca.

3. Tomás de Aquino foi um grande teólogo filosófico, um grande teólogo sistemático, bem como um influente eticista, teórico político, etc. Portanto, há alguma justificação para o interesse nele. Dito isso, o interesse por Tomás de Aquino muitas vezes torna-se míope. E isso traz problemas. Por exemplo:

i) A filosofia e a teologia filosófica não terminaram com Tomás de Aquino, logo não há nenhuma boa razão para que ele seja o paradigma padrão. Isso leva à negligência de filósofos posteriores e teólogos filosóficos fora da tradição tomista. Especialmente para os protestantes, não deve haver nenhuma presunção de que a ética, a metafísica e a epistemologia tomista seja o melhor sistema. Por exemplo, a filosofia frequentemente usa modelos e analogias alicerçados na lógica, na matemática e na ciência. Avanços na lógica, na matemática e na ciência podem levar a avanços na análise filosófica. Neste aspecto, o tomismo tem recursos conceptuais antiquados e anacrónicos.

É certo que o tomismo tem sido atualizado, mas, como a adaptação de um carro antigo, chega um ponto em que tem que se parar de ajustar a tecnologia do carburador e criar algo do zero.

ii) Quando deixado por sua conta, Tomás de Aquino é um pensador bastante claro. No entanto, ele é antes de tudo um clérigo leal. Seu dever é defender o dogma católico medieval.

Isso significa que ele está preso a coisas que são difíceis de defender. Ele tem que apresentar defesas engenhosas do dogma recebido. Isso resulta em falta de clareza. Ele torna-se pouco claro porque traça distinções ad hoc para defender tudo o que seja dogma. Ele não dá as cartas. Ele joga com as cartas que recebeu.

iii) Outro problema diz respeito à gestão do tempo: a vida é curta, os livros são caros, o dia tem apenas 24 horas. O tempo investido no tomismo é tempo retirado de outros estudos. Isso não significa que quem tem interesse por filosofia deva ignorar o tomismo, mas há, igualmente, outras coisas que não devem ignorar-se. Trata-se de uma questão de prioridades.

Por exemplo, há um lugar importante para a cristologia filosófica. Mas esse não é o ponto de partida adequado. O que sabemos sobre Jesus é baseado na revelação histórica. O ponto de partida adequado é a teologia exegética, não a teologia filosófica ou a teologia histórica. Dito de outra forma, a teologia filosófica deverá partir da teologia exegética. No caso da cristologia, a cristologia do NT é o fundamento.

Se alguém pretende ler boas obras sobre cristologia, comece com monografias exegéticas de estudiosos como Richard Bauckham, Gordon Fee, Simon Gathercole, Larry Hurtado e Sigurd Grindheim. Isso fornece a matéria-prima para a análise e modelação filosófica.

A cristologia filosófica que não está firmemente fundamentada na cristologia do NT é apenas uma incursão na história das ideias, brincar com ideias, como algumas ideias se relacionam com outras ideias. Nada disso tem qualquer base na realidade de quem Jesus realmente é. Ela torna-se idolatria intelectual: adoração das nossas próprias mentes.

4. Faz sentido para um católico piedoso começar com o dogma da igreja. Ele acha que a Madre Igreja tem a interpretação correta do NT da pessoa e da obra de Cristo. Então esse é o ponto de partida dele. E isso é lógico, dado a premissa incorreta.

Mas essa não é uma premissa dos protestantes. A menos que comecemos com verdades reveladas sobre Jesus, o que acreditamos é apenas encenação.

Por exemplo, se alguém começar com Tomás de Aquino, fica a entender as duas naturezas de Cristo em termos de antropologia tomista (p. ex. hilomorfismo) e teologia tomista (p. ex. simplicidade divina, actus purus, trinitarianismo latino). Dessa forma, o que faz é substituir a cristologia do NT por um simulacro.

Ironicamente, alguns jovens protestantes são mais católicos do que o catolicismo. Existem filósofos católicos como Nicholas Rescher, Bas van Fraassen, Michael Dummett e Dagfinn Føllesdal que não compartilham a paixão deles pelo tomismo. Sem falar em ordens religiosas inteiras (jesuíta, franciscana) que estão em desacordo com o tomismo.

O cardeal Newman adotou uma abordagem muito diferente da epistemologia religiosa de Aquino. Da mesma forma, Bento XVI estava, pelo que sei, muito mais sintonizado com os seus padres da igreja favoritos do que com Aquino. Aliás, quão central foi Tomás de Aquino para a filosofia/teologia de João Paulo II? Urs von Balthasar não era o seu teólogo favorito?

Há também filósofos católicos, como Alexander Pruss, que são bastante ecléticos. Ele defende o argumento cosmológico leibniziano e não tem problemas em combinar insights aristotélicos e leibnizianos sobre mundos possíveis.

O facto é: os verdadeiros filósofos fazem algum juízo independente na sua avaliação do tomismo. É isso que os torna pensadores críticos. Mesmo quando se apropriam do tomismo, eles o peneiram e qualificam.

5 de julho de 2023

PEÇA DE MUSEU

Uma das razões para não se ser tomista é que o tomismo é uma peça de museu. Tomás de Aquino foi um apologista da teologia católica medieval. O que mais ele poderia ser?

Mas já ninguém acredita na teologia católica medieval (além dos sedevacantistas). Esse paradigma teológico está extinto.

Isso não significa que não se possa salvar alguns elementos duradouros do tomismo, mas o sucesso da operação de resgate depende em parte de se se é católico ou protestante. Há menos continuidade entre o tomismo e o evangelicalismo do que entre o tomismo e o catolicismo moderno.

É necessário desmontar o pacote tomista para aproveitar peças reutilizáveis. É sempre possível conseguir-se algumas peças reutilizáveis numa sucata de carros desmantelados.

16 de novembro de 2021

Tribalismo na teologia católica tradicional

 

"No passado, quando um teólogo praticava teologia como membro de uma ordem religiosa, isto é, como membro de uma congregação formada segundo um certo espírito distinto daquele de outras ordens, essa teologia trazia a marca distinta e tangível da teologia dessa ordem. As ordens principais, como os beneditinos, os dominicanos, os franciscanos e os jesuítas, cada uma tinha o seu próprio estilo de teologia, um facto que era então reconhecido. Cada ordem cultivava a sua própria teologia específica e cada uma distinguia a sua teologia daquela de outras ordens religiosas. Elas se orgulhavam das suas respetivas tradições teológicas e até tinham os seus próprios doutores da Igreja oficialmente reconhecidos, bem como figuras centrais nas várias “escolas” teológicas. Em tudo isso, não há nada censurável, desde, é claro, que essas diferenças não degeneram em conflitos obstinados entre as linhas partidárias - algo que ocorreu com bastante frequência no passado. Hoje em dia acho que não é mais assim. No que diz respeito à legislação da minha ordem, devo ensinar, por exemplo, a chamada scientia media e, consequentemente, me opor e rejeitar a teologia tomista da graça como exposta na era barroca".

Karl Rahner, S.J. "Experiences of a Catholic Theologian", Theological Studies 61 (2000), 10.

Por exemplo, a imaculada conceição de Maria foi durante séculos uma causa de luta entre franciscanos e dominicanos.

Os franciscanos eram a favor e os dominicanos contra. Um famoso dominicano que rejeitou essa doutrina foi o próprio Tomás de Aquino.

10 de novembro de 2021

Casos em que há uma contradição entre o tomismo e o teísmo bíblico – hilomorfismo e simplicidade divina

 

Há casos em que há uma contradição genuína entre o tomismo e o teísmo bíblico. Por exemplo, é realmente difícil enquadrar a teoria tomista da alma com o estado intermediário. O hilomorfismo é um tipo de fisicalismo, onde a "alma é a forma do corpo" no sentido de matéria estruturada. Mas muitos tomistas admitem que esta antropologia não dá espaço para o estado intermediário. Além de ser filosoficamente problemática.

Da mesma forma, é extremamente difícil conciliar a doutrina da simplicidade divina tomista com arbítrio divino indeterminado, a Trindade, e distinções teologicamente cruciais como justiça e misericórdia.

Há vários modelos da simplicidade divina. Segundo a simplicidade divina tomista Deus é uma unidade indiferenciada. Não há complexidade metafísica em Deus. Os seus atributos são redutivelmente equivalentes. Nós apenas os distinguimos por conveniência ou facilidade de referência. As distinções existem na mente humana, não em Deus.

Eu subscrevo a simplicidade mereológica de Deus. Se Deus é imaterial, então ele não é composto da mesma forma que objetos ou processos materiais por partes físicas. Deus não é composto por “partes” independentes dele e mais fundamentais do que ele. Deus não é, por exemplo, como um carro composto por partes mais básicas como o chassi, os pneus, os pedais, o volante, os assentos etc. Isso, no entanto, é diferente da simplicidade tomista em que os atributos de Deus são intercambiáveis ou em que a vontade de Deus em fazer o mundo não tem nenhum elemento de contingência ou potencialidade. 

Os atributos essenciais de Deus têm a sua origem em Deus e constituem a natureza imutável de Deus. Deus é o exemplar dos seus atributos que podem ser exemplificados noutras instâncias. Por exemplo, o amor é um atributo constitutivo de Deus. Deus é o exemplar ou a fonte do amor que é exemplificado nos seres humanos. Podemos concordar que Deus é idêntico à sua natureza no sentido que não exemplifica nenhuma natureza genérica além ou acima do próprio Deus. Mas cada atributo divino não é idêntico a todos os outros atributos. A justiça de Deus não é idêntica à misericórdia de Deus. 

Assim, o primeiro problema com a simplicidade tomista é que não é compatível com distinções teologicamente cruciais.

Não havendo distinção real entre os atributos divinos, de modo que justiça e misericórdia são equivalentes (para dar um exemplo), as distinções entre os atributos divinos, portanto, desaparecem em Deus. Deus simplesmente é a sua justiça, misericórdia, etc. e se Ele é todas essas coisas, então elas não podem ser verdadeiramente distintas.

Mas se essas distinções "desaparecem" numa realidade indiferenciada, então Deus é igualmente misericordioso para com todos, o que torna absurda a graça discriminativa de Deus.

Na Escritura, misericórdia e justiça divinas, graça e juízo, muitas vezes se contrastam: onde alguns pecadores são objetos de justiça (ou seja, reprovação, condenação), enquanto outros pecadores são objetos de misericórdia (ou seja, eleição, salvação eterna). Não se pode colapsar os dois atributos sem colapsar os destinos escatológicos representados pela expressão temporal dos dois atributos distintos.

Quando se diz que os atributos divinos "desaparecem" numa unidade indiferenciada, então "Deus" torna-se indistinguível de Brahma, o vazio inefável e indiferenciado do Hinduísmo.

O segundo problema na simplicidade tomista é que as escolhas divinas estão absolutamente autodeterminadas.

Segundo a simplicidade tomista a vontade de Deus é idêntica à natureza de Deus, e se a natureza de Deus é necessária, então tudo o que Deus deseja é necessário por sua natureza. Por exemplo, a criação é um ato da vontade divina. Mas segundo a simplicidade tomista, Deus não podia escolher atualizar um mundo diferente do atual ou de não criar absolutamente nada. A sua vontade de fazer o mundo não tem nenhum elemento de contingência ou potencialidade. Deus não pode escolher entre mundos possíveis, só há um mundo possível que é o que Deus deseja.

Se, entretanto, não há contingência no conhecimento, vontade ou ações de Deus, então tudo o que acontece é absolutamente inexorável. Não poderia ser diferente, nem mesmo para Deus. Em contraste, o teísmo bíblico tipicamente afirma a necessidade condicional em vez da necessidade absoluta. Colocado de outra forma, se Deus faz coisas diferentes em diferentes mundos possíveis, então Deus não pode ser simples - neste sentido radical.

É certo que Deus não pode escolher fazer coisas contrárias à sua natureza, por exemplo fazer coisas más porque ser Bom é um atributo de Deus, mas é possível que ele escolha entre uma gama de coisas boas. Deus podia criar um mundo diferente do atual ou não criar nenhum mundo sem que isso “violasse” a sua natureza, pois nenhuma dessas escolhas seria uma maldade. Deus pode ser o mesmo Deus em diferentes mundos possíveis porque a vontade criativa ou decreto criativo de Deus para mundos diferentes não é igual à natureza de Deus. Portanto, ao contrário do que implica a simplicidade tomista, o arbítrio de Deus não está absolutamente autodeterminado.

O terceiro problema é que a simplicidade tomista aniquila a doutrina da Trindade.

A simplicidade divina é unitária e não trinitária. Para que haja três pessoas distintas na Divindade, cada pessoa deve ter pelo menos uma propriedade única que a individualize e a diferencie das outras duas. Mas se todas as propriedades de Deus são redutíveis e intercambiáveis, então não há nenhuma propriedade diferencial distinguindo uma pessoa da outra.

De maneira mais geral, se natureza, pessoa e relação são estritamente idênticas na Divindade, então Deus é uma pessoa em vez de três.

Subjacente à doutrina da simplicidade tomista parece haver um preconceito monádico sobre a ultimidade de um sobre muitos. Essa realidade última é simples ou estritamente unitária. Parece seguir a intuição de que coisas grandes são feitas de coisas menores, então, à medida que se desce na escala, há cada vez menos constituintes até que, no fundo de tudo, só resta uma coisa. Mas e se a realidade última for um complexo irredutível?

10 de junho de 2014

Tomás de Aquino deturpou a filosofia aristotélica


É arqui-sabido que Tomás de Aquino usou a distinção aristotélica entre substância e acidente para tentar explicar como, após a consagração eucarística, o pão e o vinho se transformam no corpo e no sangue de Cristo, embora continuem a ver-se, a saber e a cheirar como pão e como vinho.

O que não é tão sabido é que Tomás de Aquino deturpou a filosofia aristotélica que postulava que os acidentes nunca podiam deixar de acompanhar as respetivas substâncias e vice-versa. Para Aristóteles, substância e acidente, eram mutuamente dependentes e inseparáveis.

Garry Wills em "Why Priests," (p. 45) descrevendo o desenvolvimento da teologia Eucarística na Idade Média diz: 

“Embora Aristóteles tenha distinguido substância de acidente, ele não (não podia) os separou. Um cão não pode existir sem acidentes como tamanho. E não pode haver "um volume" ou "um branco" a subsistir sozinho sem uma substância. Tem de ser um volume ou um branco de alguma coisa. Um acidente "vem junto com" (symbainei) a coisa que é a sua essência. Tomás admitiu esta verdade natural: "Um acidente assume o que é da sua substância" (ST 3.77 a1r). Mas, para a Eucaristia, ele postulou uma rutura milagrosa da ordem natural. Ele deu o passo radical de afirmar que uma substância pode existir sem os seus próprios acidentes, e os acidentes podem existir sem a sua própria substância, embora apenas por uma ação especial realizada por Deus cada vez que o sacerdote diz as palavras da consagração”.

Assim, Tomás usou a filosofia de Aristóteles de uma forma que este nunca imaginou. A transubstanciação produz milagrosamente algo que é contranatura, segundo a própria filosofia aristotélica.

Como Deus não pode operar milagres que produzam oximoros (coisas logicamente impossíveis de existir na realidade), a doutrina da transubstanciação é portanto falsa.

19 de abril de 2013

Sola Fide em Tomás de Aquino


1) Comentário sobre Romanos 3:28
"Então quando ele diz "Porque nós sustentamos", ele demonstra como a jactância dos judeus é excluída pela lei da fé, dizendo:
"Porque nós apóstolos, sendo ensinados na verdade por Cristo, sustentamos que um homem, quem quer que ele seja, quer judeu ou gentio, é justificado pela fé:
"Ele purificou seus corações pela fé" (Atos 15:9)
E isso à parte das obras da lei. Não somente sem as obras cerimoniais, as quais não conferem graça, mas apenas a significam, MAS TAMBÉM SEM AS OBRAS DOS PRECEITOS MORAIS, como declarado em Tito:
"Não por causa das ações feitas por nós em justiça"
Isso, é claro, significa sem obras antes de se tornar justo, mas não sem obras seguintes, porque, como se afirma em Tiago (2:26): "A fé sem obras", ou seja, obras subsequentes, "é morta" e, conseqüentemente, não pode justificar.
Fonte: Lectures on the Letter to the Romans by Saint Thomas Aquinas, Translated by Fabian Larcher, Edited by Jeremy Holmes with the support of the Aquinas Center for Theological Renewal
2) Comentário sobre I Timóteo: Sola Fide
"Sed apostolus videtur loqui de moralibus, quia subdit quod lex posita est propter peccata, et haec sunt praecepta moralia. Horum legitimus usus est, ut homo non attribuat eis plus quam quod in eis continetur. Data est lex ut cognoscatur peccatum. Rom. VII, 7: quia nisi lex diceret: non concupisces, concupiscentiam nesciebam, etc.; quod dicitur in Decalogo. Non est ergo in eis spes iustificationis, sed in SOLA FIDE. Rom. III, 28: arbitramur iustificari hominem per fidem sine operibus legis".
"Mas o apóstolo parece estar falando sobre morais, porque ele adiciona que a lei foi estabelecida por causa do pecado, e a lei consiste de preceitos morais. O próprio uso desses preceitos é que o homem não atribua a eles mais do que é contido neles. A lei foi dada para que o pecado possa ser reconhecido. Como Romanos 7:7 diz "A menos que a lei dissesse "não cobiçarás" (o que é dito pelo Decálogo), eu não teria conhecido a cobiça. Nos preceitos, portanto, não há esperança de justificação, mas somente pela fé. Como Romanos 3:28 diz: Nós concluímos que o homem é justificado pela fé sem as obras da lei"
Fonte: Super I Epistolam B. Pauli ad Timotheum lectura
Obs: ênfase adicionados.
Tradução de: Emerson Campos Pinheiro

"Os sacramentos da Nova Lei no entanto, embora sejam elementos materiais, não são elementos carenciados, por isso podem justificar. De novo, se houve alguém na Velha Lei, que foi justo, ele não foi feito justo pelas obras da Lei mas somente pela fé em Cristo "a quem Deus propôs para ser uma propiciação mediante a fé", como se diz em Romanos (3:25). Assim, os sacramentos da Antiga Lei eram determinadas protestações da fé em Cristo, tal como os nossos sacramentos são, mas não da mesma maneira, porque esses sacramentos estavam configurados para a graça de Cristo como algo que está no futuro, os nossos sacramentos, no entanto, testemunham como coisas que contém uma graça que está presente. Portanto, ele diz significativamente, que não é pelas obras da lei que somos justificados, mas pela fé em Cristo, porque, apesar de alguns que observaram as obras da Lei em tempos passados​​ terem sido feitos justos, não obstante, isso foi efetuado somente pela fé em Jesus Cristo."

St. Thomas Aquinas, Commentary on Saint Paul’s Epistle to the Galations, trans. F. R. Larcher, O.P. (Albany: Magi Books, Inc., 1966), Chapter 2, Lecture 4, (Gal. 2:15-16), pp. 54-55.