Por Michael J. Kruger
No mundo dos estudos bíblicos, pelo menos entre alguns
académicos críticos, o gnosticismo tem sido o menino-bonito de há algum tempo a esta parte. Especialmente desde a descoberta dos chamados "Evangelhos Gnósticos"
em Nag Hammadi em 1945, há académicos que têm cantado louvores a esta versão
alternativa do cristianismo.
O gnosticismo era uma versão herética do cristianismo que
entrou em cena principalmente no segundo século e que tentou competir com os
cristãos ortodoxos. E parece que alguns académicos olham para trás e desejam
que os gnósticos tivessem prevalecido.
Afinal de contas, argumenta-se, o cristianismo tradicional
era tacanho, dogmático, intolerante, elitista e mesquinho, enquanto o
gnosticismo era aberto, acolhedor, tolerante e amoroso. Se pudesse escolher,
qual escolheria?
Embora esta narrativa sobre o gnosticismo de espírito livre
sendo duramente oprimido pelos cristãos ortodoxos malvados e intolerantes possa
soar retoricamente convincente, isso simplesmente não é confirmado pelos
factos. Eis aqui cinco afirmações feitas
frequentemente sobre o gnosticismo que comprovadamente são mais mito do que
realidade:
Mito 1: O gnosticismo era mais popular do que o cristianismo
tradicional.
É dito repetidamente que os gnósticos estavam tão difundidos
quanto os cristãos ortodoxos, e que os seus livros também eram tão populares
(senão mais). A razão pela qual eles não prevaleceram é porque foram oprimidos
e reprimidos à força pelo partido ortodoxo que ganhou poder por meio de
Constantino.
Mas, isso simplesmente não é verdade. Todas as evidências
sugerem que foi “a Grande Igreja” (na linguagem do crítico pagão Celso) que
dominou os primeiros séculos cristãos, muito antes de Constantino. Além disso,
os escritos gnósticos não eram tão populares quanto aqueles que se tornaram
canónicos, como pode ser visto pelo número de manuscritos que deixaram. Por
exemplo, temos mais cópias apenas do Evangelho de João dos primeiros séculos do
que de todas as obras apócrifas juntas.
Mito 2: O gnosticismo era mais inclusivo e de mente aberta
do que o cristianismo tradicional.
Uma perceção popular dos gnósticos é que eles não tinham a
mentalidade elitista do cristianismo tradicional. É dito que eles eram os que
aceitavam os outros.
Mas, novamente, parece que a realidade era o oposto. A
maioria das pessoas não sabe que os gnósticos não estavam interessados na
salvação de todos. Pelo contrário, eles consideravam a salvação algo apenas
para a “elite espiritual”.
Como Hultgren afirma: “A atitude destes gnósticos era extremamente elitista, pois eles sustentavam que apenas um em mil ou dois em dez
mil são capazes de conhecer os segredos [da salvação]” (Normative Christianity,
99).
Mito 3: O gnosticismo reflete com mais precisão os ensinamentos
do Jesus histórico do que o cristianismo tradicional.
Alguns têm argumentado que, se quisermos conhecer o Jesus
real, o Jesus histórico, os escritos gnósticos (como o Evangelho de Tomé)
fornecem uma imagem mais confiável.
Os problemas com tal afirmação são múltiplos, mas vou
mencionar apenas um: os gnósticos não estavam muito interessados no Jesus
histórico. Para os gnósticos, o que importava não era a tradição apostólica
transmitida, mas sim a sua experiência religiosa atual com o Jesus ressuscitado
(Jonathan Cahana, “None of Them Knew Me or My Brothers: Gnostic
Anti-Traditionalism and Gnosticism as a Cultural Phenomenon,” Journal of
Religion, 94 [2014]: 49-73).
Em outras palavras, os gnósticos se preocupavam muito menos
com o passado e muito mais com o presente.
Este tipo de abordagem “existencial” da religião pode ser
popular na nossa cultura moderna, onde a experiência comanda a vida e a
religião é vista como totalmente privada. Mas não ajuda a recuperar o que
realmente aconteceu na história. Se quisermos saber o que aconteceu na
história, os Evangelhos canónicos sempre foram as melhores fontes.
Mito 4: O gnosticismo era mais favorável às mulheres do que
o cristianismo tradicional.
Este é um grande problema. A perceção popular é que os
cristãos ortodoxos oprimiram as mulheres, mas os gnósticos as libertaram. Mas,
novamente, a verdade não é tão simples.
Pelo contrário, a evidência histórica sugere que as mulheres
se juntaram ao cristianismo tradicional em massa. Na verdade, elas podem ter
superado os homens quase em dois para um. Rodney Stark no seu livro The Triumph
of Christianity defende que isso ocorreu porque o Cristianismo demonstrou ser
um ambiente muito acolhedor, saudável e positivo para as mulheres.
Também
abordo essa questão no meu último livro, Christianity at the Crossroads: How
the Second Century Shaped the Future of the Church (IVP Academic, 2018).
Também vale a pena notar que a postura supostamente
pró-mulher de alguns dos líderes gnósticos não é o que parece. O gnóstico
valentiniano Marcus era na verdade conhecido por trazer mulheres para o
movimento para que ele pudesse seduzi-las sexualmente (Ireneu, Adv. haer. 1.13.5).
Além disso, a visão gnóstica das mulheres parecia
particularmente negativa se considerarmos o versículo final do Evangelho de
Tomé: “Pois toda a mulher que se fizer homem entrará no Reino dos Céus” (logion
114). É difícil ver isso como um apoio às mulheres!
Mito 5: O gnosticismo era mais positivo em relação à
sexualidade humana do que o cristianismo tradicional.
Um mito final sobre o gnosticismo é que ele era pró-sexo e
que o cristianismo tradicional era anti-sexo. Em outras palavras, os gnósticos
celebravam a sexualidade e os cristãos tradicionais eram pudicos puritanos.
Mais uma vez, a realidade é muito diferente. Enquanto alguns
gnósticos eram sexualmente licenciosos (como observado acima com Marcus), uma
grande parte do movimento era totalmente contra o sexo. De facto, grande parte
do movimento defendia um severo ascetismo e o celibato.
Por exemplo, o Livro de Tomé afirma: “Ai de vocês que
quereis relações sexuais que pertencem à feminilidade e a sua coabitação
imunda. E ai de vocês que sois dominados pelas autoridades de vossos corpos;
porque eles vos afligirão”.
Enquanto alguns cristãos ortodoxos seguiram um caminho mais
ascético, a maioria via o celibato como voluntário. O casamento, e o sexo dentro
do casamento, era celebrado e visto como um dom de Deus.
Em suma, as perceções populares sobre o gnosticismo são
apenas isso, perceções populares. E, portanto, elas não têm necessariamente uma
base na história. Como vimos aqui, o gnosticismo real era muito diferente. E
isso nos faz pensar que o gnosticismo falhou não porque foi politicamente
oprimido pelos ortodoxos astutos, mas porque simplesmente demonstrou ser menos
atraente para as pessoas dos primeiros séculos que procuravam seguir a Cristo.
Ou, como F. F. Bruce espirituosamente observou: “As escolas
gnósticas perderam porque mereciam perder” (Canon of Scripture, 277).