quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

CATOLICISMO PÓS-COLONIAL

 

É interessante comparar e contrastar Trento, Vaticano I e Vaticano II.

i) Trento foi uma ação de reação. O catolicismo pós-Reforma era como um império pós-colonial. Era o que restava do antigo império.

Quando colónias ou países satélites se separam, eles efetivamente redesenham o mapa político. As novas fronteiras do antigo império são traçadas a partir do exterior. As suas fronteiras retrocederam pela perda das suas colónias ou países satélites.

Em Trento, Roma deixou que elas fossem definidas pelos protestantes. Ela ratificou as fronteiras traçadas pelos protestantes. Roma era tudo o que os protestantes não eram, e vice-versa.

Quem primeiro ergue uma cerca traça a fronteira para ambos os lados. Quando Trento foi convocado, a Reforma era irreversível. Trento foi simplesmente um reconhecimento do novo status quo. Uma admissão de derrota. Uma acomodação forçada ao que já não podia mudar.

Trento não foi em si disruptivo. A disrupção já havia ocorrido. Em Trento, Roma estava a conter as suas perdas e a conservar o que restava.

ii) O Vaticano I foi uma viagem do ego de um só homem. Ao contrário de Trento, que era necessário, o Vaticano I foi opciomal.

Embora não tenha sido terrivelmente prejudicial, tem provado ser um embaraço para o papado. O problema é que o papa afirma ser infalível sob circunstâncias vagamente especificadas, mas ele raramente ousa exercer essa alegada prerrogativa, pois no momento em que ele faz uma proclamação "infalível" testável, ele pode refutar as suas pretensões infalibilistas.

Não é coincidência que essa prerrogativa tenha sido exercida apenas duas vezes desde o Vaticano I, e em ambas as ocasiões para proclamar dogmas confortavelmente infalsificáveis. O papa poderia muito bem emitir uma encíclica infalível sobre os hábitos de acasalamento dos unicórnios. Não seria possível refutá-la.

iii) O Vaticano II foi muito disruptivo. E, aparentemente, isso foi um erro não forçado. Não sei por que razão João XXIII o convocou, para além dos bordões sobre "aggiornamento" e "abrir as janelas para deixar entrar ar fresco".

Uma interpretação possível é que João XXIII era como Gorbachev. A sua contraparte russa entendia que o Império Soviético era militar e economicamente insustentável. Nessa situação, existem duas opções: pode simplesmente deixar-se o império desmoronar, como o Império Romano e o Império Otomano. Ou pode tomar-se a iniciativa.

De qualquer das maneiras, haverá perdas. Mas tomando a iniciativa, ter-se-á mais controle sobre o resultado. Se, por outro lado, simplesmente se esperar o império desmoronar por si mesmo, fica-se inteiramente à mercê dos acontecimentos. Outros ditarão o resultado final.

Talvez João XXIII pensasse que o paradigma tridentino/antimodernista era insustentável e quisesse saltar fora antes da inevitável rutura. Na verdade, no tempo do seu antecessor, o papado já fazia concessões táticas ao modernismo (por exemplo, Humani Generis; Divino afflante Spiritu).

Um problema com esta interpretação atraente é que João XXIII não tem a reputação de ter sido um grande pensador. Talvez, porém, o ímpeto tenha vindo de conselheiros teológicos. No próprio concílio, o modernismo estava bem representado entre um contingente de bispos influentes e seus simpatizantes. Até Joseph Ratzinger era originalmente um teólogo progressista.

Mas no Vaticano II, Roma perdeu o seu equilíbrio e ainda não se endireitou. Mas, se ela tivesse tentado manter o paradigma tridentino/antimodernista, isso teria levado à sua derrocada. Quando os alicerces são falhos, não há muito o que se possa fazer para adiar o desastre.

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