No
século XVI, a noção de que o papado era o Anticristo estava a alastrar-se de
maneira alarmante, tanto que o Quinto Concílio Lateranense tratou o problema na
sua Sessão XI de 19 de dezembro de 1516, e numa bula conciliar o Papa Leão X
mandou que "ninguém pretenda anunciar ou predizer nos seus sermões... a vinda
do Anticristo" (Javier Gonzaga: Concilios. Grand Rapids: International Publications,
1965, 1:491-492).
No
entanto, segundo relata um autor,
"Tão
insistente era o antipapismo das exposições protestantes do século XVI do
Apocalipse, que a Igreja Católica Romana precisava urgentemente de
respostas. As respostas chegaram rapidamente. Um enfoque foi lançar um contra-ataque
direto contra os protestantes, identificando-os com as forças do mal... Uma
resposta mais duradoura e eficaz contra os protestantes foi conhecida como futurismo.
O seu defensor foi Francisco Ribera (1537-1591), um sacerdote jesuíta de
Salamanca. Ele resistiu à tentação de identificar os protestantes com poderes
demoníacos e delineou um método convincente para refutar os seus argumentos. Em
vez de tentar virar a interpretação eclesial histórica contra eles, desenvolveu
uma estratégia alternativa. A maior parte das visões do Apocalipse, disse,
ainda aguardam cumprimento. As cinco primeiras visões dos selos são uma
exceção; tratam de acontecimentos até ao tempo de Trajano. Mas a sexta visão
dos selos e tudo o que se segue assinala acontecimentos que ainda não tiveram
lugar ... A teoria futurista rapidamente se tornou popular na Igreja Católica
Romana ... Era atrativa para os católicos porque dissociava o papa do
Anticristo. Era convincente porque reconhecia a ligação da besta com Roma, ainda
que fosse uma Roma no futuro. O futurismo desafiava tanto a interpretação
antipapal como a suposição de que o Apocalipse fornecia um sumário da história
da igreja.
Outra
interpretação católica importante, conhecida como preterismo, foi proposta por
John Hentenius em 1547, mas o jesuíta português Luís de Alcazar (ou Alcasar)
(1554-1613) a desenvolveu mais plenamente. Enquanto os futuristas arguiam que a
maior parte das profecias estavam ainda por cumprir-se, os preteristas
argumentaram que a maioria delas já se tinha cumprido. Apocalipse 4-11,
explicou Alcazar, trata da perseguição judaica contra os cristãos primitivos e
da ruína da nação judaica. Apocalipse 12-19 resume a fundação da Igreja, a
queda da Roma pagã, e a conversão do império ao cristianismo. A Roma pagã é a
besta, e Constantino é o anjo que prende Satanás. O milénio começou no reinado de
Constantino e se estenderá até à vinda do Anticristo; e a Nova Jerusalém já
está presente na Igreja Católica Romana.
O
preterismo era conveniente aos católicos porque rechaçava a sugestão de que o papa
podia ser o Anticristo e honrava a Igreja Católica Romana. Os seus defensores,
no entanto, não estavam limitados aos católicos..."
(Arthur
W. Wainwright, Mysterious Apocalypse. Interpreting the book of Revelation. Nashville:
Abingdon Press, 1993, p. 61-63).
A
razão pela qual em seu momento tanto o futurismo como o preterismo não foram
censurados pela Igreja de Roma, mas pelo contrário recebidos de maneira
entusiasta, é que ambos os sistemas tendiam à sua maneira a exonerar o papado
da acusação de ser o Anticristo.
Mais tarde, quando a
espada flamejante da Reforma perdeu fulgor, ambas as interpretações caíram num
piedoso esquecimento na Igreja de Roma, que voltou a uma escatologia mais
conforme a interpretação cristã histórica. Paradoxalmente, os anzóis para
incautos lançados em direções opostas pelos jesuítas Ribera e Alcazar foram
mordidos por protestantes, dando lugar respetivamente ao futurismo
dispensacional e ao preterismo em todas as suas variantes modernas.
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