Clemente de Alexandria diz:
"Mas, como parece, muitos mesmo até ao nosso próprio tempo consideram Maria, por causa do nascimento da sua criança, como tendo estado na condição puerperal, embora não o tenha estado. Pois alguns dizem que, depois de dar à luz, se a achou ainda virgem quando foi examinada." (Stromata, 7, 16)
O testemunho de Clemente citado acima indica que muitos consideravam que Maria tinha tido um puerpério normal enquanto alguns sustentavam que tinha permanecido virgem depois do parto.
Esta noção é detalhada precisamente nos evangelhos apócrifos, onde se «embeleza» o relato bíblico.
Assim, o Protoevangelho de Tiago narra que ao aproximar-se o parto, José foi procurar uma parteira. Tendo encontrado uma, e esta ficando a saber que não estavam ainda casados mas comprometidos, José explica-lhe que a sua prometida concebeu por obra do Espírito Santo. A parteira, incrédula, acompanha José até à gruta onde segundo esta obra se encontrava Maria; mas se deteve na entrada, porque uma nuvem brilhante pairava sobre a gruta. Ela louva a Deus; de imediato a nuvem desaparece e uma luz brilhante emana da gruta. Pouco depois a luz se retira e o menino Jesus aparece.
Esta noção é detalhada precisamente nos evangelhos apócrifos, onde se «embeleza» o relato bíblico.
Assim, o Protoevangelho de Tiago narra que ao aproximar-se o parto, José foi procurar uma parteira. Tendo encontrado uma, e esta ficando a saber que não estavam ainda casados mas comprometidos, José explica-lhe que a sua prometida concebeu por obra do Espírito Santo. A parteira, incrédula, acompanha José até à gruta onde segundo esta obra se encontrava Maria; mas se deteve na entrada, porque uma nuvem brilhante pairava sobre a gruta. Ela louva a Deus; de imediato a nuvem desaparece e uma luz brilhante emana da gruta. Pouco depois a luz se retira e o menino Jesus aparece.
"E a parteira exclamou: «Este dia é grande para mim, porque vi esta nova luz». E a parteira saiu da gruta, e Salomé se encontrou com ela. E lhe disse (a parteira), «Salomé, Salomé, tenho uma nova visão para contar-te; uma virgem deu à luz, algo que a sua condição não permite». E Salomé disse, «Como vive o Senhor meu Deus, a menos que insira o meu dedo e comprove a sua condição, não acreditarei que uma virgem deu à luz».
E a parteira foi e disse a Maria, «Prepara-te, porque há uma disputa não pequena em relação a ti». E Salomé inseriu o seu dedo para comprovar a sua condição. E ela gritou dizendo, «Ai de minha impiedade e incredulidade; pois tentei ao Deus vivo; e eis que, a minha mão se me cai, consumida por fogo!».
E ajoelhou-se diante do Senhor dizendo «Oh, Deus de meus pais, lembra-te de mim; pois sou da semente de Abraão, Isaque e Jacó; não me faças uma humilhação pública para os filhos de Israel, mas restaura-me para os pobres. Pois tu sabes, Senhor, que em teu nome desempenho as minhas obrigações e de ti recebi a minha paga».
E eis que, um anjo do Senhor apareceu e lhe disse: «Salomé, Salomé, o Senhor Deus escutou a tua oração. Leva a tua mão ao menino e toca-o, e salvação e gozo haverá em ti». E Salomé aproximou-se e o tocou, dizendo, «O adorarei, pois um grande rei nasceu a Israel». E Salomé foi curada como havia rogado, e saiu da gruta. E eis que, um anjo do Senhor gritou, «Salomé, Salomé, não informes as maravilhas que viste, até que o menino chegue a Jerusalém»."
(Protoevangelho de Tiago , 19:2-20:4)
Este é o material sobre o qual se constroem as doutrinas marianas.
E a parteira foi e disse a Maria, «Prepara-te, porque há uma disputa não pequena em relação a ti». E Salomé inseriu o seu dedo para comprovar a sua condição. E ela gritou dizendo, «Ai de minha impiedade e incredulidade; pois tentei ao Deus vivo; e eis que, a minha mão se me cai, consumida por fogo!».
E ajoelhou-se diante do Senhor dizendo «Oh, Deus de meus pais, lembra-te de mim; pois sou da semente de Abraão, Isaque e Jacó; não me faças uma humilhação pública para os filhos de Israel, mas restaura-me para os pobres. Pois tu sabes, Senhor, que em teu nome desempenho as minhas obrigações e de ti recebi a minha paga».
E eis que, um anjo do Senhor apareceu e lhe disse: «Salomé, Salomé, o Senhor Deus escutou a tua oração. Leva a tua mão ao menino e toca-o, e salvação e gozo haverá em ti». E Salomé aproximou-se e o tocou, dizendo, «O adorarei, pois um grande rei nasceu a Israel». E Salomé foi curada como havia rogado, e saiu da gruta. E eis que, um anjo do Senhor gritou, «Salomé, Salomé, não informes as maravilhas que viste, até que o menino chegue a Jerusalém»."
(Protoevangelho de Tiago , 19:2-20:4)
Este é o material sobre o qual se constroem as doutrinas marianas.
Agora que já sabemos a natureza espúria das fontes das quais pode ter tirado Clemente semelhante opinião, convém fazer um par de precisões.
Em primeiro lugar, neste capítulo das suas Stromata ou Miscelâneas, Clemente não está a defender o parto virginal mas o valor das Escrituras. Na edição de Ante-Nicene Fathers o capítulo leva o significativo título "A Escritura, o critério pelo qual se distingue a verdade e a heresia".
Com esta referência à suposta virgindade in partu supostamente confirmada por uma parteira, Clemente quer traçar uma analogia com a pureza da Escritura; com efeito, continua dizendo:
Em primeiro lugar, neste capítulo das suas Stromata ou Miscelâneas, Clemente não está a defender o parto virginal mas o valor das Escrituras. Na edição de Ante-Nicene Fathers o capítulo leva o significativo título "A Escritura, o critério pelo qual se distingue a verdade e a heresia".
Com esta referência à suposta virgindade in partu supostamente confirmada por uma parteira, Clemente quer traçar uma analogia com a pureza da Escritura; com efeito, continua dizendo:
Ora, tais são para nós as Escrituras do Senhor, as quais deram à luz a verdade e continuam virgens na ocultação dos mistérios da verdade. "E ela deu à luz, e no entanto não deu à luz", diz a Escritura; como tendo concebido de si mesma e não a partir de cópula. Portanto, as Escrituras conceberam para Gnósticos [em Clemente, se refere aos verdadeiros cristãos]; mas as heresias, não as tendo aprendido, descarta-as como não tendo concebido.
Apesar da sua boa intenção em defesa das Escrituras, Clemente baseia o seu ponto em duas fontes bastante duvidosas: uma para a qual não tem Escritura (a virgindade de Maria in partu) e outra para a qual dá uma citação inexistente. Ninguém é perfeito.
Permanece o facto de que embora Clemente sustentasse (sem fundamento) esta opinião sobre a virgindade in partu porque "alguns" diziam que Maria foi examinada e encontrada virgem (coisa da qual a Escritura não diz palavra), ao mesmo tempo foi suficientemente honesto para notar que muitos até ao seu próprio tempo sustentavam a opinião contrária, ou seja, que Maria tinha passado pelo puerpério.
Permanece o facto de que embora Clemente sustentasse (sem fundamento) esta opinião sobre a virgindade in partu porque "alguns" diziam que Maria foi examinada e encontrada virgem (coisa da qual a Escritura não diz palavra), ao mesmo tempo foi suficientemente honesto para notar que muitos até ao seu próprio tempo sustentavam a opinião contrária, ou seja, que Maria tinha passado pelo puerpério.
Em conclusão, é pois evidente que Clemente não testemunha a crença no dogma da virgindade perpétua de Maria tal como o ensina a Igreja de Roma hoje. Por um lado, porque estritamente trata da virgindade in partu sem dizer nada sobre a virgindade post partum. E segundo, porque obviamente a sustenta como uma opinião no meio de um argumento sobre a Escritura, consciente de que muitos cristãos não criam o mesmo; por conseguinte, não como o dogma que hoje inculca a Igreja de Roma.
Blog Conhecereis a Verdade,
ResponderEliminarIrineu de Lyon era a favor da virgindade perpétua "post partun" de Maria?
Recebi diversas citações isoladas por email,mas estão todas descontextualizadas e ainda não tive tempo de ler a obra!Gostaria de informações!Abraços! :)
A doutrina da perpétua virgindade foi exposta por Jerónimo em 384, no seu tratado contra Helvídio. Com o auge do ascetismo e do monaquismo, tornou-se popular nos séculos seguintes.
ResponderEliminarA controvérsia entre Helvídio e Jerónimo sobre a virgindade perpétua teve lugar em 383, ou seja, mais de 300 anos depois da ascensão de Jesus.
Um dos livros mais completos e documentados, escrito desde o ponto de vista católico, sobre o ensinamento dos primitivos cristãos acerca da Bem-aventurada Maria é a obra de José A. de Aldama, S.I., titulada María en la patrística de los siglos I y II (Madrid: BAC, 1970). No capítulo sobre a virgindade perpétua diz:
Durante a controvérsia surgida em Roma no ano 383 sobre a virgindade perpétua de Maria, ambas as partes contendentes acudiram ao testemunho da tradição anterior. Helvídio citou como defensores da sua própria posição, isto é, como contrários à virgindade post partum, Tertuliano e Vitorino de Pettau. São Jerónimo, admitindo o primeiro testemunho e negando o segundo, acrescentou outros mais antigos a favor da virgindade ...
[refere Inácio, Policarpo, Ireneu e Justino Mártir]
...
E no entanto, nas obras conservadas dos Padres citados não há modo de assinalar passagens concretas às quais pudesse referir-se São Jerónimo. Talvez aludisse ao modo com que ditos escritores designam Maria correntemente como a Virgem; epíteto dificilmente compreensível se tivesse deixado de sê-lo para passar a ser o modelo de uma mãe de família numerosa, como pretendia Helvídio. [1]
É claro que o facto de não ser possível assinalar textos expressos dos Padres do século II a favor da virgindade perpétua de Maria, também não significa que eles negassem essa prerrogativa da Mãe de Jesus.
(p. 225-226; negrito acrescentado)
Portanto, de acordo com o P. de Aldama, Tertuliano ensinou explicitamente contra a virgindade perpétua, facto que foi admitido inclusive por Jerónimo. Em contrapartida, não há testemunhos concretos que apoiem tal crença no século II.
[1] Vejamos alguns exemplos do segundo século...
"Maria, a mãe do Senhor" (Papias, c. 120)
"Jesus Cristo... descendia de David, e também de Maria" (Inácio de Antioquia, c. 105)
"Quando Maria o instou sobre o maravilhoso milagre do vinho e estava desejosa de participar do cálice de significação emblemática antes de tempo, o Senhor moderou a sua inoportuna pressa, dizendo: «Mulher, que tenho eu a ver contigo? A minha hora ainda não chegou». Ele aguardava aquela hora que era conhecida de antemão pelo Pai." (Ireneu de Lyon, c. 180)
"Capacitando [Jesus] para recapitular Adão de Maria" (Ireneu de Lyon, c. 180)
"Já provei que é a mesma coisa dizer que Ele meramente parecia manifestar-se e afirmar que não recebeu nada de Maria." (Ireneu de Lyon, c. 180)
"Mas, como parece, muitos mesmo até ao nosso próprio tempo consideram Maria, por causa do nascimento da sua criança, como tendo estado na condição puerperal, embora não o tenha estado. Pois alguns dizem que, depois de parir, se a achou ainda virgem quando foi examinada." (Clemente de Alexandria, c. 195)
"Em passagens subsequentes, o profeta evidentemente afirma que a virgem de quem convinha que Cristo nascesse deve derivar a sua linhagem da semente de David. Ele diz: «E nascerá um rebento da raíz de Jessé» - cujo rebento é Maria." (Tertuliano, c. 197)
É verdade que em muitas ocasiões a designam como «a Virgem Maria», mas isso ocorre regular e precisamente nas passagens que se referem à concepção virginal.
Ok,mas tenho que reformular a pergunta porque acho que não expressei o que queria.Eu quero saber se a obra "Adversus Hairesis"(Irineu de Lyon) faz apologia a virgindade perpétua de Maria.
ResponderEliminarAinda não pude ler a obra apesar de tê-la impressa.Segundo o Wikipédia(que...vá lá,concedamos...não é uma fonte confiável...) a obra faz apologia ao papado e a perpétua Virgindade.Serei grato pelas informações.
Abraços,
IRENEU DE LYON E A VIRGINDADE PERPÉTUA DE MARIA
ResponderEliminarO mariólogo J.B. Carol afirma:
«Mas a penetração maravilhosa de Santo Ireneu na concepção virginal de Cristo levou-o a esclarecimentos adicionais relativos à virgindade de Nossa Senhora? Infelizmente, não, pelo menos de acordo com aqueles escritos autênticos dele que chegaram até nós, na maior parte apenas em traduções; não há nada nestas passagens traduzidas que mostre que Ireneu sustentava a permanência da virgindade de Maria, isto é, depois da Anunciação, no nascimento de Cristo, e posteriormente até ao fim da sua vida na terra.»
(J.B. Carol, Mariology, Volume 2, Bruce, 1957)
Acresce que há textos de Ireneu negando a virgindade perpétua de Maria.
Em “Contra as Heresias, 3:21:10”, Ireneu refere-se a Maria dando à luz Jesus quando ela era «ainda uma virgem». A implicação é que ela não permaneceu uma virgem. Ireneu compara Maria sendo uma virgem no tempo do nascimento de Jesus à terra sendo "ainda virgem" antes de ter sido cultivada pelo homem. A terra posteriormente deixou de ser virgem, de acordo com Ireneu, quando foi cultivada. A implicação é que Maria também deixou de ser uma virgem.
Em outro lugar, Ireneu escreve:
«Para este efeito testificam, dizendo, que antes de José se ajuntar com Maria, quando ela portanto mantinha-se em virgindade, “achou-se ter concebido do Espírito Santo”» (Contra as Heresias, 3:21:4)
Ireneu parece associar "se ajuntar" com relações sexuais. A implicação é que José e Maria tiveram relações conjugais normais depois de Jesus ter nascido.
A DOUTRINA DA VIRGINDADE DE MARIA “IN PARTU” REFLETE O CONCEITO GNÓSTICO DA IMATERIALIDADE DE CRISTO.
ResponderEliminarPara quem não percebeu a razão de no relato do Proto-Evangelho de Tiago se querer realçar a virgindade de Maria no parto passo a explicar.
Os gnósticos acreditavam que o corpo de Cristo era apenas aparente, isto é, não era material. A matéria era identificada com o mal e portanto seria indigno para a sua natureza receber um corpo material.
Por exemplo para Basílides, um famoso gnóstico do séc. II, o corpo de Jesus foi somente aparente para manifestar-se aos homens e sustenta que Cristo não sofreu a paixão, o crucificado foi Simão Cireneu (o que o ajudou a levar a cruz) e depois Jesus tomou a sua forma e ascendeu ao céu.
A virgindade “in partu” pretende confirmar esta realidade. Sendo Jesus na verdade um “espírito”, podia nascer sem afetar de algum modo o corpo de Maria, que portanto devia permanecer virgem depois do parto. Digamos que Maria não deu verdadeiramente à luz, mas Jesus apenas atravessou o corpo dela sem interferir materialmente com ele, pois era um ser espiritual e não material.
O que se esconde por trás da doutrina da virgindade “in partu” de Maria é pois a ideia gnóstica da imaterialidade do corpo de Cristo.