terça-feira, 13 de outubro de 2009

O “EVANGELHO” DA PROSPERIDADE


Com o título "A velha cruz e a nova", A.W. Tozer notou profeticamente já há algum tempo:

"Sem anúncio prévio, e quase sem ser detetada, uma nova cruz chegou nos tempos modernos aos círculos evangélicos populares. É como a velha cruz, porém diferente: as semelhanças são superficiais; as diferenças, fundamentais. Desta nova cruz brotou uma nova filosofia da vida cristã... Este novo evangelismo usa a mesma linguagem que o antigo, mas o seu conteúdo não é o mesmo nem a ênfase é a de antes ... A nova cruz... não prega contrastes, mas semelhanças. Procura introduzir-se no interesse do público mostrando que o cristianismo não tem exigências desagradáveis; antes oferece o mesmo que o mundo, só que a um nível superior. Demonstra-se astutamente que, seja o que for que o mundo enlouquecido pelo pecado esteja exigindo neste momento, é exatamente o mesmo que o Evangelho oferece, só que o produto religioso é melhor..." [1]

Estas palavras são hoje ainda mais verdadeiras do que quando foram escritas. Muitos líderes cristãos "descobriram", e estão muito ocupados em propagar, um novo evangelho. No lugar antes reservado à sã doutrina, se instalaram as experiências subjetivas, quanto mais espetaculares melhor; onde antes encontrávamos a humilhação e a negação de si mesmo, habita agora o culto à autoestima; a morada do arrependimento e da confissão dos pecados está agora ocupada pelo aconselhamento psicológico; o sítio central da graça providencial e soberana de Deus foi usurpado pelo dos supostos direitos do crente; a casa da saúde da alma foi invadida pela das curas do corpo e, claro, na mansão da riqueza espiritual se instalou a prosperidade material.

O engano é subtil, por um lado porque tudo o que tende a ser substituído não foi suprimido por completo; simplesmente foi deslocado da sua posição central na vida cristã; e em segundo lugar, porque os substitutos não são geralmente coisas más em si mesmas. É o ênfase exagerado neles o que desvirtua e perverte o Evangelho.

O cristão opulento

O sensacional descobrimento de que os cristãos não somente podem gozar de bens materiais, mas estão chamados a ser ricos como parte integral da mensagem bíblica, foi popularizado por um conjunto de conhecidos evangelistas estado-unidenses que fizeram parte do denominado "Movimento de Fé", entre os quais se destacam Kenneth Copeland, E.W. Kenyon, Don Gossett (mentor e amigo do infame "pastor" Giménez), T.L. Osborn, John Avanzini, Robert Tilton, Oral Roberts, Paul Crouch e Frederick Price.

A riqueza não somente é considerada por estes pregadores como uma parte integral do Evangelho, um direito adquirido, mas é sinal inequívoco de prosperidade espiritual. Ao invés, a pobreza material é sinal de fracasso espiritual e falta de fé; é até pecaminosa porque supostamente vai contra a vontade expressa de Deus para os seus filhos.

Da verdadeira origem deste ensinamento e dos seus motivos falarei depois. De momento, examinarei as suas supostas bases escriturais.

1. O pacto com Abraão. Supostamente, Deus teria proposto a Abraão um pacto, que este aceitou porque o considerou conveniente. Dito pacto ou concerto incluía a promessa de riquezas materiais. Os cristãos, dizem, como descendentes Espirituais de Abraão, herdam os mesmos direitos que ele. Se alguém examinar o chamado pacto de Abraão e os seus termos, como pode ler-se em Génesis 12:1-3; 15:1-20; 17:1- 18:15), notará de imediato que: (1) o pacto e as suas condições são estabelecidos unilateralmente por Deus; o homem não pode rejeitar o chamado sem sofrer as consequências, nem modificar as suas condições; e (2) que o pacto não fala da prosperidade material de Abraão, mas de dar-lhe uma grande descendência, uma terra na qual habitar e de torná-lo uma bênção para toda a humanidade (em 15:14 diz Deus que os israelitas sairiam do Egipto "com grande riqueza"; mas trata-se de uma profecia, e não de uma parte essencial do Pacto). Hebreus 11 contradiz totalmente a noção de que a prosperidade material de Abraão – que a teve – tenha sido um aspecto importante do pacto. Aqui nos é dito que pela fé "os antigos alcançaram bom testemunho", e que a esperança de Abraão estava posta na Jerusalém celestial (v. 10). Todos os heróis da fé do Antigo Pacto "morreram sem ter recebido o prometido, mas olhando-o de longe, crendo-o e saudando-o, e confessando que eram estrangeiros e peregrinos sobre a terra" (v. 13). O que eles realmente esperavam estava a um nível infinitamente superior à riqueza material, e por esta esperança, enfrentaram com valor todo o sofrimento: "Andaram de cá para lá... pobres, angustiados, maltratados" (v. 37). Precisamente o mesmo tipo de esperança celestial é a que se requer dos cristãos (1 Pedro 2:11).

2. Jesus era rico, e os seus seguidores também. Argumenta-se que o Senhor teve Judas Iscariotes como tesoureiro (João 12:6; 13:29), pagou impostos (Mateus 17: 24-27), e dispunha de meios para alimentar a multidão que o seguia (Marcos 6:37). Sobre isto é preciso dizer que: (1) Não se sabe quanto havia na bolsa (grego glössokomon) que Judas trazia. Certamente não seria muito se a trazia consigo. (2) O imposto do templo era uma obrigação religiosa de todo o varão judeu (Êxodo 30:13-16; 38:26). O seu valor era de apenas dois denários por ano, menos de 1% do salário anual de um trabalhador; no entanto, Jesus recorreu a um milagre para pagá-lo. (3) Em nenhum dos relatos da alimentação dos cinco mil se diz que Jesus dispusesse dos duzentos denários que, segundo a estimativa dos discípulos, eram precisos para comprar pão suficiente (do mesmo modo em que é muito duvidoso que houvesse próximo uma padaria com semelhante disponibilidade; ainda que em Jeremias 37:21 se mencione uma "rua dos padeiros" em Jerusalém, normalmente cada família cozia o seu próprio pão) [2]. Pelo contrário, a perplexidade dos Apóstolos se devia com segurança à impossibilidade de dispor de semelhante soma. Mas além disso, Jesus encarregou os seus que alimentassem a multidão para pô-los à prova, "porque ele sabia o que ia fazer" (João 6:5-6).

3. Cem por um?. Oral Roberts e outros desenvolveram a teoria da "semente de fé". Segundo esta noção, se alguém quer receber algo de Deus, primeiro deve dar; e quanto mais der, mais receberá. Evidentemente, "dar a Deus" significa na realidade colaborar economicamente com o evangelista de serviço. Um texto favorito destes pregadores é Marcos 10:29-30, que segundo eles ensina a centuplicação do ofertado: 100€ por cada euro entregue "a Deus". No entanto, tal interpretação violenta o texto bíblico: (1) Não se fala aí absolutamente das ofertas, mas da renúncia do crente por amor a Jesus; (2) se omite que a recompensa vem "com perseguições"; e (3) a centuplicação de casas e terras pode parecer atrativa, mas o anúncio da centuplicação de familiares nos impede de interpretar a promessa literalmente. Como observa Wessel:

"O retorno centuplicado nesta vida (v. 30) deve ser entendido no contexto da nova comunidade em que ingressa o discípulo de Jesus. Aí encontra uma multiplicação de parentescos muitas vezes mais próximos e com maior significado espiritual do que os laços de sangue" [3]

Do mesmo modo, as casas e terras são aquelas dos nossos irmãos, que se abrem em cristã hospitalidade, não nossa propriedade privada.

4. "Tudo o que pedirem em meu nome". A promessa de Jesus de que aquilo que os discípulos pedissem em seu nome lhes seria concedido (Mateus 7:7-11; João 14:12-14; 15:7; 16:23-24) se amplia até abarcar tudo quanto uma pessoa pode desejar.

Isto inclui, claro está, a prosperidade material. Observamos, no entanto, que (1) uma coisa é a provisão das nossas necessidades e outra muito diferente a satisfação dos nossos desejos; e (2) a promessa está indissoluvelmente ligada a esta condição: "Se permanecerdes em mim, e as minhas palavras permanecerem em vós" (João 15:7).

A origem e as motivações do "evangelho da riqueza"

Os ensinamentos destes pregadores podem traçar-se sem dificuldade a fontes alheias à Bíblia, e na realidade opostas à Escritura [4]. Baseiam-se em noções esotéricas, segundo as quais as palavras e a fé têm poder em si mesmas: "O que dizes, recebes". O poder para obter o que desejamos é suposto estar presente em nós mesmos, e é independente da graça de Deus. Assim, uma vez que se supõe que os cristãos têm direitos adquiridos aos bens materiais, se inculca que tudo o que necessitamos para aceder efetivamente a eles é pedi-los com total convicção de que nos serão dados. De modo que se tivermos fé em nossa própria fé, Deus está obrigado, por alguma obscura lei cósmica, a dar-nos o que queremos. No "Movimento de Fé", o homem pretende manipular Deus para fazê-lo um instrumento para a satisfação não já das suas necessidades, mas dos seus caprichos. Evidentemente, este ensinamento é completamente oposto às Escrituras, segundo as quais a mais alta dignidade a que um homem pode aspirar é a de ser um servo de Deus (Lucas 17:7-10). Os Apóstolos e os seus discípulos sentiam-se sumamente honrados de serem chamados servos de Jesus Cristo (Romanos 1:1; 2 Pedro 1:1; Tiago 1:1; Judas 1).

Que há por detrás desta "teologia" da prosperidade?

Em primeiro lugar, está a "nova cruz", fácil, prazenteira, acomodada ao mundo, encaminhada a satisfazer os desejos carnais e a obter, como os políticos, numerosos aderentes (e contribuintes) com base em falsas promessas. Claro está que, como também ocorre na política, corre-se o risco de que os seguidores se percam com tanta facilidade como se recrutaram, quando as promessas não se cumprem. Em segundo lugar, há um afã indecente e pecaminoso de riqueza e poder por parte dos pregadores deste evangelho diferente. Durante uma estadia nos Estados Unidos, costumava sintonizar uma emissora de televisão cristã. A maioria dos programas incluíam um pedido de apoio económico para o sustento do ministério em questão. Contudo, enquanto muitos o faziam com prudência e discrição, outros eram desaforados até ao ponto de dedicar mais da metade do tempo disponível para extorquir os telespectadores. É extremamente duvidoso que este "evangelho da prosperidade" tenha verdadeiramente enriquecido os seus seguidores, mas sem dúvida que prosperou materialmente muitos dos seus pregadores. Contra este tipo de "ministros" nos adverte solenemente a Escritura (Atos 20:29-31; 2 Timóteo 3:1-5; 2 Pedro 2:1-3; Judas 3-16).

A Bíblia e as riquezas

A perspetiva bíblica é alheia aos ensinamentos destes pregadores. Embora a prosperidade material possa acompanhar as bênçãos espirituais (Gen 13:2; Salmo 112: 1-3; Provérbios 8:18), já no Antigo Testamento se adverte do perigo que representam as riquezas: Salmo 39:6; Provérbios 11: 4,28; 22:1-2, etc. Em Provérbios lemos: "Não te fatigues para seres rico; sê prudente e desiste. Porventura, fitarás os olhos nas riquezas, que não são nada?" (23: 4-5). No livro de Jó se ensina, por outro lado, que as doenças, a perda de familiares e o empobrecimento não são absolutamente sinais seguros de decadência espiritual ou desfavor divino; o Salmo 73 deixa bem claro que a prosperidade material não implica riqueza espiritual; antes o contrário pode ser verdade.

O Novo Testamento é ainda mais claro. O Evangelho dirige-se de maneira especial aos pobres (Lucas 4:18; Mateus 11:4-5). Os ricos têm dificuldades especiais em aceitá-lo (Marcos 10:23-25; 1 Coríntios 1:26). Desde que começou o seu ministério público, o Senhor Jesus viveu voluntariamente na pobreza (Mateus 8:20; Lucas 8:1-3). Enquanto nos mandou pedir pelas nossas necessidades (Mateus 6:25-34), enfaticamente desencorajou a busca de riqueza material e nos chamou em contrapartida a fazer tesouros no céu (Mateus 6:19-20; Lucas 12:16-21; 16:13).

Os ensinamentos dos Apóstolos são consistentes com os de Jesus. Paulo viveu na pobreza (1 Coríntios 4:9-13) e, ainda que tivesse direito ao seu sustento, renunciou voluntariamente a este (1 Coríntios 9; Atos 20:33-35). É evidente que o Apóstolo não compartilhava as ideias do "Movimento de Fé" sobre a prosperidade material dos ministérios cristãos, e sobretudo a dos ministros! (1 Timóteo 6:9; 2 Timóteo 3:1-5). Pedro nos exorta a não viver conforme às paixões (1 Pedro 4:1-6). Tiago nos convoca a honrar e proteger os pobres, e admoesta severamente os ricos (Tiago 1:9-10; 2:1-7; 5:1-6). João deseja a Gaio saúde física e prosperidade material na medida em que possuía riqueza espiritual, para que fizesse bom uso dos seus recursos (3 João 2).

Conclusão

O chamado "evangelho da prosperidade" é uma distorção grave do ensinamento bíblico, que tende a criar seguidores que desejam encher o seu ventre em vez do seu coração, e que em muitos casos ao ficarem dececionados se tornam rebeldes ao autêntico Evangelho. A posição bíblica em relação aos bens materiais foi estabelecida com exatidão nas seguintes palavras inspiradas pelo Espírito Santo, escritas por um santo do Antigo Pacto:

"Duas coisas te pedi, não mas negues antes que morra: Vaidade e mentira afasta de mim, e não me dês pobrezas nem riquezas, mas sustenta-me com o pão necessário; não seja que, uma vez saciado, te negue e diga: «Quem é o Senhor?», ou que, sendo pobre, roube e blasfeme contra o nome do meu Deus" (Provérbios 30:7-9).

Fernando D. Saraví


Notas

[1] Citado por Francis Grim, Heaven and Hell. Kempton Park : HCF Publications, p. 88-89.

[2] Joachim Jeremias, Jerusalén en tiempos de Jesús, 2ª Ed. Madrid: Cristiandad, 1980, p. 25.

[3] Walter W. Wessel, Mark. Em F.E. Gaebelein (Ed.), The Expositor's Bible Commentary. Grand Rapids: Zondervan, 1984, 8:717.

[4] Isto foi irrefutavelmente documentado pelo autor pentecostal Daniel R. McConnell em A different Gospel: An Historical and Biblical Analysis of the Modern Faith Movement. Peabody: Hendrickson, 1988.

Bibliografia adicional

Crenshaw, Curtis I. Man as God: The Word of Faith Movement.
Memphis: Footstool, 1994.

Hanegraaf, Hank. Cristianismo en crisis. Miami: Unilit, 1993.

MacArthur, John F. Charismatic Chaos. Grand Rapids:
Zondervan , 1992.

Saraví, Fernando D. Control mental: Una perspectiva cristiana. Buenos Aires: Certeza, 1994.

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