sexta-feira, 1 de abril de 2011

Justino Mártir sobre a Eucaristia


Justino foi um bom mestre cristão, e um mártir por causa de Cristo. Claro está que as suas palavras não são inspiradas no sentido que o são as Escrituras, mas ainda assim é uma testemunha importante do século II.

Evidentemente, se o citamos, convém citar tudo o que diz a respeito, e ler com cuidado.

Justino Mártir

De origem palestina, filho de pais pagãos, Justino foi um dos grandes defensores da fé cristã do segundo século. Fundou uma escola em Roma, onde morreu mártir em 165.

Nos seus escritos encontram-se várias referências à Eucaristia, como era praticada e qual era o seu significado. O pão e o vinho, que são capazes de nutrir o corpo, nutrem também as almas ao ser consagrados pela ação de graças. É precisamente esta ação de graças o que constitui um sacrifício agradável a Deus (Diálogo com Trifão, 117).

Cito da edição de Padres Apologetas Griegos de Daniel Ruiz Bueno (Madrid: BAC); os negritos foram acrescentados.

Apologia I

65. (2) Terminadas as orações, damos mutuamente o ósculo da paz.
(3) Depois, ao que preside aos irmãos, se lhe oferece pão e um vaso de água e vinho, e tomando-os ele tributa louvores e glória ao Pai do universo pelo nome de seu Filho e pelo Espírito Santo, e pronuncia uma longa ação de graças, por ter-nos concedido esses dons que d`Ele nos vêm. E quando o presidente terminou as orações e a ação de graças, todo o povo presente aclama dizendo: Amén.
(4) "Amén", em hebraico, quer dizer "assim seja".
(5) E quando o presidente deu graças e todo o povo aclamou, os que entre nós se chamam "ministros" ou diáconos, dão a cada um dos assistentes parte do pão e do vinho e da água sobre que se disse a ação de graças e o levam aos ausentes.

66. (1) E este alimento se chama entre nós "Eucaristia", da qual a ninguém lhe é lícito participar, senão ao que crê verdadeiramente nos nossos ensinamentos e se lavou no banho que dá a remissão dos pecados e a regeneração, e vive conforme o que Cristo nos ensinou.
(2) Porque não tomamos estas coisas como pão comum nem bebida ordinária, mas como Jesus Cristo, nosso Salvador, feito carne por virtude do Verbo de Deus, teve carne e sangue para a nossa salvação; assim foi-nos ensinado que por virtude da oração ao Verbo que de Deus procede, o alimento sobre que foi dita a ação de graças – alimento do qual, por transformação, se nutrem o nosso sangue e as nossas carnes - é a carne e o sangue d`Aquele mesmo Jesus encarnado.
(3) E é assim que os Apóstolos nas Memórias, por eles escritas, que se chamam Evangelhos, nos transmitiram que assim foi a eles mandado, quando Jesus, tomando o pão e dando graças, disse: Fazei isto em minha memória, este é o meu corpo. E igualmente, tomando o cálice e dando graças, disse: Este é o meu sangue, e que só a eles deu parte.

A ideia aqui é que do mesmo modo em que, pelo metabolismo ("transformação"), ou seja, pelo processo fisiológico de digestão, absorção e incorporação de substâncias, o pão e o vinho são uma fonte de nutrição física, ao serem santificados estes elementos pela oração e ação de graças possuem um efeito análogo no âmbito espiritual. Justino diz que nutrem os nossos corpos, e portanto conservam as suas propriedades químicas; mas afirma que em virtude da sua consagração, o pão e o vinho se tornam em mais que pão e vinho ordinários. Este ponto de vista da Eucaristia, chamado metabólico, parece ter sido o mais comum ao princípio. O tradutor e editor da Apologia na série Ante-Nicene Fathers cita o papa Gelásio I, de finais do século V: "Pelos sacramentos somos feitos participantes da natureza divina, e ainda assim a substância e natureza do pão e do vinho não cessam de estar neles..." Não é de admirar que esta afirmação de Gelásio não tenha sido incluída no Denzinger... Também não aparece o seu decreto (contra os maniqueus) ratificando a receção da Eucaristia sob as duas espécies [mencionado em The Catholic Encyclopedia, s.v. Gelasius I, pope]. Em contrapartida, sim, aparecem outros documentos seus.

(Prossegue Justino)

Apologia I

67. (3) No dia que se chama do sol se celebra uma reunião de todos os que moram nas cidades ou nos campos, e aí se leem, quando o tempo o permite, as Memórias dos Apóstolos ou os escritos dos profetas.
(4) Depois, quando o leitor termina, o presidente, de viva voz, faz uma exortação e um convite a que imitemos estes belos exemplos.
(5) Seguidamente, nos levantamos todos juntos e elevamos as nossas preces, e estas terminadas, como já dissemos, se oferece pão e vinho e água, e o presidente, segundo as suas forças, faz igualmente subir a Deus as suas preces e ações de graças e todo o povo exclama dizendo "amén". A seguir vem a distribuição e participação, que se faz a cada um, dos alimentos consagrados pela ação de graças e o seu envio por meio dos diáconos aos ausentes.

Diálogo com Trifão

No Diálogo, Justino mostra através de um longo debate a superioridade do cristianismo sobre o judaísmo. Numa parte trata de como os sacrifícios e ofertas do Antigo Pacto prefiguravam as coisas do Novo Pacto.

41. (1) A oferta da flor de farinha, senhores – prossegui - que se mandava fazer pelos que se purificavam da lepra, era figura do pão da Eucaristia que nosso Senhor Jesus Cristo mandou oferecer em memória da paixão que ele padeceu por todos os homens que purificam as suas almas de toda a maldade, a fim de que juntamente demos graças a Deus por ter criado o mundo e quanto nele há por amor do homem, por ter-nos livrado da maldade em que nascemos e ter destruído com destruição completa os principados e potestades daquele que, segundo o seu desígnio, nasceu passível.
(2) Daí que sobre os sacrifícios que vós então oferecíeis, diz Deus, por boca de Malaquias, um dos doze profetas: Não está a minha complacência em vós – diz o Senhor -, e os vossos sacrifícios não os quero receber das vossas mãos. Porque desde o nascimento do sol até ao seu ocaso, o meu nome é glorificado entre as nações, e em todo o lugar se oferece ao meu nome incenso e sacrifício puro. Porque grande é o meu nome nas nações – diz o Senhor -, e vós o profanais [Malaquias 1:10-12].
(3) Já então, antecipadamente, fala dos sacrifícios que nós, as nações, lhe oferecemos em todo o lugar, ou seja, do pão da Eucaristia e também do cálice da Eucaristia, ao mesmo tempo que diz que nós glorificamos seu nome e vós o profanais.

Como se pode ver, Justino de modo algum nega, antes afirma, que o que é oferecido na Eucaristia não seja pão e vinho, ainda que creia que depois da oração eucarística estes elementos não devem ter-se por pão e vinho ordinários (com o que concordo plenamente).

Diálogo com Trifão

117. (1) Assim, pois, Deus atesta de antemão que lhe são agradáveis todos os sacrifícios que se lhe oferecem pelo nome de Jesus Cristo, os sacrifícios que este nos mandou oferecer, ou seja, os da Eucaristia do pão e do vinho, que celebram os cristãos em todo o lugar da terra. Em contrapartida, Deus rejeita os sacrifícios que vós lhe ofereceis por meio dos vossos sacerdotes, quando diz: E não receberei das vossas mãos os vossos sacrifícios, porque desde o nascimento do sol até ao seu ocaso, o meu nome é glorificado – diz - nas nações e vós o profanais.

Aqui, como no texto anterior (Diálogo com Trifão 41) repete que o que é oferecido em nome de Cristo é o pão e o vinho. Não há a menor sugestão da ideia de repetir o sacrifício do Senhor na cruz.

Diálogo com Trifão

(2) Vós continuais ainda a dizer persistentemente que Deus diz não receber os sacrifícios que se lhe ofereciam em Jerusalém pelos israelitas que naquele tempo a habitavam; e sim as orações que lhe faziam os homens daquele povo que se encontravam na dispersão, e estas orações são as que chama sacrifícios. Ora, que as orações e ações de graças feitas por homens dignos são os únicos sacrifícios perfeitos e agradáveis a Deus, eu mesmo vo-lo concedo.
(3) Justamente são só esses os que os cristãos aprenderam a oferecer até na consagração do pão e do vinho, em que se recorda a Paixão que por seu amor sofreu o Filho de Deus...
(5) Em contrapartida, não há raça alguma de homens, chamem-se bárbaros ou gregos ou com outros nomes quaisquer, ora habitem em casas ou se chamem nómadas sem habitações ou morem em tendas de pastores, entre os quais não se ofereçam pelo nome de Jesus crucificado orações e ações de graças ao Pai e fazedor de todas as coisas.

O que Justino diz aqui é conforme à interpretação metabólica já mencionada. Precisamente as orações e as ações de graças (o que significa "eucaristia") são os sacrifícios válidos; a eucaristia é, além disso, synaxis (reunião) e anamnesis (memória) da paixão de Cristo.

Da eucaristia como "atualização" do sacrifício de Cristo, nada; da transubstanciação, menos ainda!

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