domingo, 21 de abril de 2013

Lutero: "Eu não admito que minha doutrina possa ser julgada por ninguém, nem mesmo pelos anjos. Aquele que não recebe minha doutrina não pode alcançar a salvação"


Eu estava assistindo um vídeo sobre a História da Reforma Protestante e me deparei com algumas declarações incorretas sobre Martinho Lutero. Dei uma resposta nos comentários do vídeo, a qual é uma edição do encontrado aqui.
Segue abaixo meu comentário:
Por volta de 1:01:00 o palestrante faz menção de uma citação de Lutero:
"Eu não admito que minha doutrina possa ser julgada por ninguém, nem mesmo pelos anjos. Aquele que não recebe minha doutrina não pode alcançar a salvação"
A seguir conclui que o reformador estava convencido de que estava com a razão e que ele era uma espécie de novo Papa.
Embora não perceba má-fé, a conclusão do palestrante não procede e a citação isolada dá uma impressão errada sobre o pensamento de Lutero.
O texto citado vem do tratado Wyder den falsch genantten Standt des Bapst und der Bischoffen (1522), traduzido para o inglês como "Against the Spiritual Estate of the Pope and the Bishops Falsely So-Called" e pode ser encontrado em Luther Works 39: 248-249.
Em primeiro lugar, vale a pena falar do contexto mais amplo do Tratado. A celebração do festival anual de relíquias em setembro de 1521 pelo Arcebispo Albrecht de Mainz na Igreja de St. Moritz e Maria Madalena em Halle e a bula do Papa Leão X de 1519 concedendo à catedral de Halle os mesmos privilégios concedidos à Igreja de São Pedro em Roma, a saber, confessores passaram a ter autoridade para absolver casos usualmente absolvidos somente pela Sé Apostólica em Roma, levaram Lutero a escrever esse tratado. Uma nota na LW diz:
Lutero ...estava mais preocupado como o mal das indulgências do que com a pessoa do arcebispo de Mainz. 'Eu quero colocar um fim à impiedade' escreveu para Melanchthon em Janeiro de 1522" (LW 39:243).
Em suma, o ponto principal de seu tratado e o outro evangelho contra o qual luta no mesmo é o da venda de indulgências.
O que Lutero disse [na verdade] foi:
"Eu não devo ter (meu ensino) julgado por nenhum homem, nem mesmo por nenhum anjo. Pois, uma vez que estou certo dele, eu devo ser o seu juiz e o juiz dos anjos por meio deste ensino (como diz São Paulo [I Cor. 6:3]) de modo que aquele que não aceita o meu ensino não pode ser salvo - porque ele é de Deus e não meu. Portanto o meu juízo também não é meu, mas de Deus"
Mas porque ele disse algo assim? Um pouco antes ele declarou:
"Eu não darei mais a vocês a honra de permitir que vocês - ou mesmo um anjo do céu - julguem meu ensino ou o examinem. Porque já houve suficiente humildade tola por três vezes em Worms, e isso não foi útil".
Lutero por três vezes já se havia submetido ao julgamento romanista e o que resultou disso foi, na opinião dele, ofuscação e subterfúgios. Ao dizer que não teria o seu ensino julgado por homens, ele se refere a não se submeter MAIS UMA VEZ ao juízo romanista. Se falar dos anjos parece chocante, uma mera leitura do texto paulino em referência é suficiente para entender o reformador:
"Ousa algum de vós, tendo algum negócio contra outro, ir a juízo perante os injustos, e não perante os santos? Não sabeis vós que os santos hão de julgar o mundo? Ora, se o mundo deve ser julgado por vós, sois porventura indignos de julgar as coisas mínimas? Não sabeis vós que havemos de julgar os anjos? Quanto mais as coisas pertencentes a esta vida?"
O apóstolo diz aqui que os cristãos não deveriam levar os seus conflitos com outros cristãos para serem julgados por ímpios, pois nós julgaremos o mundo e os anjos. Ora, se isso é verdade em relação aos ímpios, também é em relação aos anjos.
Voltando a Lutero, em seguida ele diz:
"Ao invés disso eu me permitirei ser ouvido e, como Pedro ensina, darei uma explicação e defesa do meu ensino para todo o mundo".
Esse é o contexto imediatamente anterior à citação. Lutero afirma que vai fazer uma defesa e explicação do seu ensino e faz isso até o fim do tratado. Após páginas de argumentação bíblica contra o Romanismo, Lutero resume tudo, afirmando uma necessidade DO LEITOR JULGAR os seus argumentos por si mesmo:
"If someone said to me at this point, “Previously you have rejected the pope; will you now also reject bishops and the spiritual estate? Is everything to be turned around?” my answer would be: JUDGE FOR YOURSELF E DECIDE whether I turn things around by preferring divine word and order, or whether they turn things around by preferring their order and destroying God’s. Tell me, which is right: for them to turn God’s order around, or for me to turn their blasphemous devil’s order around? Do not look at the work itself but at the basis and reason for the work. Nobody should look at that which opposes God’s word, nor should one care what the consequences may or may not be. Instead, one should look at God’s word alone and not worry—even if angels were involved—about who will get hurt, what will happen, or what the result will be" (LW 39:279).
Durante todo o tratado Lutero não se apoia na sua própria autoridade, mas na autoridade da Palavra de Deus e incita o leitor a julgar o seu ensino e olhar para a palavra de Deus somente. Lutero acreditava que o que defendia era o ensino da Palavra de Deus e baseado nisso podia afirmar com Isaías: “À lei e ao testemunho! Se eles não falarem segundo esta palavra, é porque não há luz neles" e com Paulo “Mas, ainda que nós mesmos ou um anjo do céu vos anuncie outro evangelho além do que já vos tenho anunciado, seja anátema."
Emerson Campos

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