“Mas tu, ó Belém
Efrata, que és pequena demais para estar entre os clãs de Judá...”
Referência: Miqueias
5:2 [Bíblia Hebraica, versículo 1]
Cumprimento:
Mateus 2:1-6; João 1:46; João 7:27, 41-42
O local de
nascimento do Messias parecia ser um tema bastante debatido entre o povo judeu
que encontramos no Novo Testamento.
Como os anos da
infância de Jesus foram passados em Nazaré, uma cidade da região da Galileia,
alguns presumiram que ele também tivesse nascido ali. Em João 1:46, Natanael
disse a Filipe a respeito de Jesus: “Pode vir alguma coisa boa de Nazaré?”. A
resposta implícita é “não” - e muito menos o Messias!
De modo semelhante,
em João 7:41-42, durante a festa de Sucot (ou dos Tabernáculos), as pessoas
discutiam a identidade de Jesus. À medida que a conversa avançava, “outros
diziam: ‘Este é o Cristo [Messias]’. Mas alguns diziam: ‘Vem, porventura, o
Cristo [Messias] da Galileia? Não diz a Escritura que o Cristo [Messias] vem da
descendência de Davi e de Belém, a aldeia de onde era Davi?’”
Outros ainda,
talvez menos familiarizados com o ensino tradicional, pareciam agnósticos
quanto ao local de nascimento do Messias: “Quando o Cristo [Messias] vier,
ninguém saberá de onde ele é” (João 7:27).
Em consonância com
a ideia de que o Messias nasceria em Belém, constatamos, em primeiro lugar, que
Jesus nasceu realmente ali, embora tenha crescido em Nazaré. Em segundo lugar,
os “principais sacerdotes e escribas” citaram o profeta Miqueias em apoio desta ideia:
“Tendo Jesus
nascido em Belém da Judeia, nos dias do rei Herodes, eis que uns magos do
Oriente chegaram a Jerusalém, dizendo: ‘Onde está o recém-nascido Rei dos Judeus?
Porque vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo.’ Ouvindo isso, o rei
Herodes perturbou-se, e toda Jerusalém com ele; e, reunindo todos os principais
sacerdotes e escribas do povo, perguntou-lhes onde havia de nascer o Cristo
[Messias]. Eles lhe disseram: ‘Em Belém da Judeia, porque assim está escrito
pelo profeta:
“E tu, ó Belém, na
terra de Judá, de modo nenhum és a menor entre os governantes de Judá; porque
de ti sairá um governante que apascentará o meu povo Israel.”’”
(Mateus 2:1-6)
Este
é um caso raro em que, em vez de ser o escritor de um evangelho a citar uma passagem
messiânica, são os mestres judeus daquela época a fazer a citação. Primeiro,
vemos que “magos”, também chamados sábios, chegaram “do Oriente”, provavelmente
astrólogos pagãos da Babilónia, da Pérsia ou da Arábia (não sabemos o local
exato). Embora proibida na Bíblia, a astrologia era bastante popular em vários
países, e “todos concordavam que os melhores astrólogos viviam no Oriente” [1]. Aparentemente, se alguém quisesse astrólogos de primeira classe, o Oriente era
o lugar certo!
Herodes, que não
era um governante muito piedoso, deu crédito ao anúncio deles de que o “Rei dos
Judeus” havia nascido (seja lá o que fosse exatamente a “estrela” que eles
viram).
Porém, Herodes
ficou perturbado com a notícia, e também “toda Jerusalém” — mas por que razão a
cidade inteira? Teriam os “magos” feito um grande anúncio público? Sugere-se
que eles vinham acompanhados de um grande séquito, ou que a impopularidade de Herodes entre o povo fez com que um anúncio
discreto se espalhasse rapidamente entre aqueles que não suportavam o seu
governo, na esperança de que um rei substituto estivesse para chegar [2]. Além
disso, o povo pode ter ficado alarmado simplesmente por conhecer a reputação de
Herodes: e se ele reagisse de forma imprevisível e violenta à notícia de um
novo rei?
Não sabemos
exatamente por que razão a cidade inteira ficou em alvoroço, nem como os magos
determinaram que algo estava a acontecer na Judeia. Pode ser que eles
conhecessem algo da tradição judaica sobre o tema, pois cada uma das possíveis
regiões de sua origem abrigava uma população judaica significativa.
A astrologia era
temida pelos governantes romanos como um presságio de maus agouros, e Herodes não
era diferente, como rei fantoche de Roma. Preocupado com a ameaça ao seu
governo representada por esse “Rei dos Judeus”, Herodes reuniu um comité dos
“entendidos” e perguntou-lhes sobre o local de nascimento do Messias. Eles
deram uma resposta unânime: Belém, na Judeia, e, como prova, citaram o profeta
Miqueias. Isso acabou por levar ao ato desvairado de Herodes de mandar
massacrar todos os meninos de dois anos para baixo na região de Belém. Ele não
toleraria nenhum rival ao seu trono! Mas, a essa altura, a família de Jesus já
havia fugido para o Egito, onde permaneceu até a morte de Herodes (ver Mateus
2:14-15).
O que é
interessante é que a citação de Miqueias feita pelos sacerdotes e escribas
difere, na redação, do texto original. Compare-se:
Mateus
2:6
“E
tu, ó Belém, na terra de Judá, de modo nenhum és a menor entre os governantes
de Judá; porque de ti sairá um governante que apascentará o meu povo Israel.”
Miqueias
5:2 (v. 1 no hebraico)
“Mas
tu, ó Belém Efrata, que és pequena demais para estar entre os clãs de Judá, de
ti sairá para mim aquele que há de governar Israel, cujas origens são desde os
tempos antigos, desde os dias da eternidade.”
Alguns apontam
estas diferenças como exemplos de supostas citações incorretas da Bíblia
Hebraica no Novo Testamento. Contudo, a Escritura é frequentemente citada no
Novo Testamento com alterações que não afetam o sentido real, mas servem a um
propósito homilético ou midráshico.
Afinal, qualquer pessoa podia consultar um rolo dos Profetas, ou pelo menos recorrer
a quem tivesse acesso a um, e verificar o texto original.
Assim, Mateus
altera “Belém Efrata” para “Belém, na terra de Judá” – que é o mesmo local, especificando
qual das duas Beléns estava em vista - para sublinhar que se tratava de Judá e não de algum outro local, a terra
da tribo de Judá, de onde se esperava que viesse o Messias.
Em seguida, Mateus
muda “pequena demais para estar entre os clãs de Judá” para “de modo nenhum és
a menor entre os governantes de Judá”. No texto original, Miqueias enfatiza a
insignificância de Belém. No entanto, o
ponto de Miqueias é que, embora seja uma cidade pequena e sem importância, ela
verá grandeza ao produzir o Messias, o “governante em Israel”. Mateus vai
direto a este ponto, destacando a grandeza última de Belém, que também é a
intenção de Miqueias.
Em terceiro lugar,
Mateus troca “clãs” por “governantes”. Esta também é uma mudança de caráter
homilético: dos clãs procedem os governantes, de modo que Mateus simplesmente quer
enfatizar que Belém produzirá um governante,
talvez para contrastar este governante messiânico com os opressivos governantes
romanos então no poder.
Por fim, a última
linha de Mateus vem de 2 Samuel 5:2, um versículo que indica que o rei Davi
será o verdadeiro pastor de Israel. Desta forma, ao enfatizar anteriormente o “governante”
e citando agora um versículo sobre um “pastor”, Mateus pode estar contrastando o
Messias tanto com os governantes romanos como com os líderes de Israel que,
mais tarde, Jesus diria serem falsos pastores. A criança que há de nascer se
elevará acima da liderança romana e judaica como o líder supremo, o Messias.
Mateus substitui o pensamento final de Miqueias sobre os antepassados longínquos desta criança por um versículo de 2 Samuel, provavelmente porque deseja
salientar a questão do governo e da liderança, e não as origens antigas do
Messias.
Portanto, não temos
uma “citação incorreta”, mas uma forma muito típica de lidar com a Escritura
para enfatizar o seu verdadeiro significado e desenvolver vários pontos
homiléticos. Trata-se de midrash, um método
judaico de interpretação que realça o sentido e a aplicação de um texto.
Notas
[1] Craig S. Keener, IVP Bible Background Commentary: New
Testament (Downers Grove: InterVarsity Press, 1993), comentário
sobre Mateus 2:1.
[2] Ibid., comentário sobre Mateus 2:3.

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