domingo, 29 de dezembro de 2024

AROMATERAPIA

 

Eis uma outra forma de expor o princípio da Sola Scriptura:

1. A Sola Scriptura é baseada na primazia da revelação pública.

Por "pública" quero dizer a revelação divina para os cristãos em geral ou para a humanidade em geral. Não descarto a revelação privada (por exemplo, um sonho premonitório para uma pessoa), mas essa revelação não é para a igreja.

2. Nada supera a revelação. Nada está ao mesmo nível da revelação.

3. Neste momento, o único lugar em que encontramos a revelação pública é no registo das Escrituras.

4. Há a questão de como verificamos ou falsificamos uma alegada fonte de revelação. Falsificar uma alegada fonte de revelação não viola a primazia da revelação, pois, se ela é falsa, nunca foi revelação.

5. Verificar uma alegada fonte de revelação significa colocar o que usamos para verificá-la em pé de igualdade com a coisa que verificamos? Ou mesmo superá-la?

Não. Para fazer uma comparação, suponhamos que eu seja uma testemunha ocular de Jesus. Eu vi-o realizar milagres. Eu vi-o morrer na cruz. Eu vi o túmulo vazio. Eu vi-o vivo novamente. Eu toquei nele.

Estou a usar os meus sentidos naturais para verificar a Ressurreição. Mas isso não me coloca ao mesmo nível de Jesus.

6. E se os protestantes cometeram um erro sobre o cânon? E se eles incluíram um livro que deveriam excluir ou excluíram um livro que deveriam incluir? Isso anula a Sola Scriptura?

i) Para começar, as pessoas podem estar enganadas mesmo que haja evidências suficientes para acreditar numa coisa. Elas podem ter uma estrutura de plausibilidade que filtra as evidências suficientes para acreditar numa coisa. Não é a evidência, mas a estrutura de plausibilidade que é defeituosa. Considere-se os ateus que automaticamente desconsideram relatos de milagres independentemente da evidência.

ii) Suponhamos que os protestantes cometeram um erro sobre o cânon porque a evidência disponível é insuficiente. Nesse caso, por que nos deveríamos preocupar ou afligir por um erro inocente e inevitável? Ele não seria suficientemente importante para Deus nos fornecer evidências suficientes para evitar esse erro.

7. Católicos/ortodoxos podem dizer que a sua alternativa é uma proteção contra esse risco de errar. No entanto, uma falsa solução não é uma solução real. É como dizer a um paciente com cancro terminal, para quem a terapia convencional é inútil, para mudar para a aromaterapia ou a medicina tradicional chinesa. Católicos e ortodoxos estão na mesma situação epistémica que os protestantes. Eles apenas disfarçam a situação.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2024

A ESCATOLOGIA DA IGREJA PRIMITIVA


A opinião largamente maioritária que vemos na igreja primitiva era que o mundo duraria 6000 anos desde a criação e então haveria um reinado de Cristo literal de 1000 anos, seguido pelos novos céus e nova terra (o 8º dia). Vemos isto na Epístola de Barnabé, Ireneu, Justino Mártir, Lactâncio, Papias e Hipólito, que disseram que a construção do terceiro templo significaria o fim do tempo presente e o começo iminente do reinado milenar de Cristo.

«O ponto mais marcante na escatologia do período anteniceno é o proeminente quiliasmo, ou milenarismo, que é a crença num reino visível de Cristo em glória na terra com os santos ressuscitados por mil anos, antes da ressurreição geral e do juízo final. Ele, na verdade, não era a doutrina da igreja incorporada em algum credo ou forma de devoção, mas uma opinião amplamente corrente de mestres ilustres, como Barnabé, Papias, Justino Mártir, Ireneu, Tertuliano, Metódio e Lactâncio.» (Philip Schaff, History of the Christian Church, VIII vols. (Grand Rapids: Eerdmans Publishing Company, 1973), vol. II, p. 614).

No entanto, é preciso qualificar que no Diálogo com Trifão, Justino, embora assuma a posição quiliasta, admite que há muitos com opiniões diferentes, que são, ainda assim, cristãos verdadeiros e ortodoxos. Portanto, temos alguma evidência de uma alternativa ao quiliasmo já no início do século II. Também temos a doutrina amilenista explícita em Clemente e Orígenes, que provavelmente foram os seus inventores.

Isto não pretende ser um argumento acerca da verdade ou falsidade da doutrina quiliasta, mas é apenas um apontamento histórico. Sou agnóstico sobre o que acontecerá em detalhe após a segunda vinda de Cristo.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2024

A LEI E A GRAÇA

 

«Todos, então, que correm para Cristo são salvos pela sua graça e aproveitam o seu dom. Mas aqueles que desejam encontrar justificação na Lei também cairão da graça. Não poderão desfrutar da benevolência do Rei porque estão a esforçar-se para ganhar a salvação pelos seus próprios esforços; atrairão sobre si a maldição da Lei porque nenhuma carne encontrará justificação pelas obras da Lei. Por isso Paulo diz: “Se fores circuncidado, Cristo não terá nenhuma vantagem para ti”. Pois o homem que se esforça para ganhar a salvação pelas obras das Leis nada tem em comum com a graça. Isto é o que Paulo sugeriu quando disse: “Se é por graça, então não é em virtude das obras; de outra forma, a graça não é mais graça. Mas se é por obras, já não é mais graça: de outra forma, a obra não é mais obra”. E ainda: “Se a justiça vem da lei, então Cristo morreu em vão”. E ainda: “Vós que vos justificais na Lei caístes da graça”. Morrestes para a Lei, tornaste-vos um cadáver; doravante já não estais sob o seu jugo, já não estais sujeitos à sua necessidade. Por que razão, então, se esforçam por criar problemas a vós próprios, quando tudo é inútil e em vão?» (João Crisóstomo, Contra os Judeus. Homilia 2, II)

«O que ele quer dizer quando diz: 'Eu declarei a tua justiça?' Ele não disse simplesmente: 'Eu dei', 'Eu declarei'. O que isso significa? Que ele justificou a nossa raça não por ações corretas, nem por labutas, não por trocas e escambos, mas somente pela graça. Paulo também deixou isso claro quando disse: 'Mas agora a justiça de Deus se manifestou independentemente da Lei.' Mas a justiça de Deus vem pela fé em Jesus Cristo e não por qualquer trabalho e sofrimento. E Paulo retomou o testemunho deste Salmo quando falou o seguinte: 'Pois a Lei, tendo apenas uma sombra dos bens vindouros, e não a imagem exata das coisas, não pode nunca pelos sacrifícios que se oferecem continuamente, ano após ano, aperfeiçoar aqueles que se aproximam. Por isso, ao vir ao mundo, ele diz: 'Sacrifício e oblação não quiseste, mas um corpo me preparaste.'» (João Crisóstomo, Contra os Judeus. Homilia 7, III,2)

terça-feira, 3 de dezembro de 2024

Justificação pela Fé: uma Doutrina Patrística

 

Este ensaio desafia as críticas geralmente dirigidas aos primeiros Padres anteriores a Agostinho por não articularem uma visão da justificação pela fé que correspondesse ao cristianismo paulino, conforme refletido nas fórmulas dos reformadores do século XVI. Não apenas essa visão é anacrónica e tende a assumir que havia (ou há) uma definição uniforme de justificação, como também há evidência de que a teologia latina antes de Agostinho promulgou os princípios da graça imerecida e da necessidade de justiça que vem somente por meio da fé justificadora. Em particular, o comentário sobre Mateus de Hilário de Poitiers formula explicitamente uma teologia bíblica de 'fides sola iustificat' e provavelmente contribuiu para um renascimento do interesse nas Epístolas Paulinas no final do século IV e início do século V.

https://www.academia.edu/90613266/Justification_by_Faith_a_Patristic_Doctrine?source=swp_share

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