terça-feira, 29 de outubro de 2024

ALHOS E BUGALHOS

 

Quando se fala em “Protestantismo” ou “igrejas protestantes” está-se a falar de uma categoria doutrinal (mais comum) ou uma categoria histórica.

Quando “Protestantismo” significa um conjunto de doutrinas associadas à Reforma Protestante partilhadas por um conjunto de igrejas, estamos perante uma categoria doutrinal.

Quando “Protestantismo” significa igrejas ligadas historicamente à Reforma Protestante estamos a falar de uma categoria histórica.

Se se pretende comparar uma característica eclesial de uma igreja, por exemplo, “a unidade da Igreja Católica Romana”, não se pode comparar com “a unidade do Protestantismo” porque Protestantismo não é uma categoria eclesial mas doutrinal. É como comparar a unidade da Igreja Católica Romana com a unidade de um conjunto de doutrinas que caracterizam “Protestantismo”. É portanto uma comparação sem sentido.

“A unidade da Igreja Católica Romana” tem que se comparar com outra categoria eclesiástica concreta como “a unidade da Igreja Batista”, “da Igreja Presbiteriana”, “da Igreja Luterana”, “da Igreja Anglicana”, “da Igreja Ortodoxa”, "da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias”, “das Testemunhas de Jeová”, etc.

A unidade institucional da Igreja Católica compara com a unidade institucional de outra instituição eclesiástica.

“Protestantismo” não é uma instituição eclesiástica. “Protestantismo” compara com “Catolicismo”, isto é, doutrinas protestantes com doutrinas católicas.

Características eclesiais de uma igreja concreta compara com características eclesiais de outras igrejas concretas. Tem que se comparar alhos com alhos e bugalhos com bugalhos. Não alhos com bugalhos.

domingo, 20 de outubro de 2024

O QUE É UM CONCÍLIO ECUMÉNICO?

 

Richard Price, historiador católico romano, responde. Numa entrevista no Youtube, ao minuto 1:47, um entrevistador pergunta: "O que é exatamente um concílio ecuménico? Essa tende a ser uma pergunta bastante comum e um tanto difícil de responder. Qual a sua opinião sobre isso?" Price responde:

«A resposta católica padrão é que é um concílio de todos os bispos da igreja. Ora bem, o problema com isso é se realmente aprofundar isso, já houve algum concílio ecuménico? Os concílios católicos recentes foram apenas concílios da igreja católica. E se recuarmos aos primeiros - os famosos sete concílios ecuménicos - de Niceia I a Niceia II – esses concílios realmente representavam toda a igreja? Quase não havia nenhuma representação de fora do território do império romano - da Pérsia ou do sul da Etiópia. E eu penso que se poderia, na verdade, dizer que as igrejas ocidentais não estavam representadas.

Agora, alguém diz: "Sim, claro que estavam, porque havia representantes do papa em todos esses concílios." Mas eles não estavam lá para representar todas as igrejas ocidentais, mas para representar o papa, que era - até o cisma - considerado o bispo número um da igreja.

Então, o que os tornava ecuménicos? Bem, a resposta é que eles eram concílios imperiais, convocados pelo imperador em Constantinopla. Desde o tempo de Constantino, o Grande, era um tema constante que Deus fez do imperador romano-bizantino seu representante na Terra. E tão tarde quanto 1400, quando o Grão-Príncipe Basílio de Moscovo disse: "Temos uma igreja, mas não um imperador", o patriarca António de Constantinopla escreveu-lhe, dizendo: "Isso não é verdade. O imperador de Constantinopla é o imperador de todos os cristãos. É verdade que a maioria deles não reconhece isso, mas é isso que ele é por nomeação divina."

E há uma expressão extraordinária que era usada - certamente no século VII - que dizia que Deus é co-governante juntamente com o imperador - não o contrário - Deus é co-governante com o imperador, porque o imperador é o representante de Deus na Terra. 

Os Concílios tinham que ser convocados pelo imperador, e os seus decretos não tinham força até que o imperador os emitisse como leis imperiais. E isso era a coisa decisiva que os tornava ecuménicos e com autoridade total. Não só os imperadores tinham esse papel significativo no que diz respeito à convocação de concílios e à concessão de autoridade aos seus decretos, como também vemos em muitos desses concílios que os imperadores exerciam uma influência muito forte, de tal maneira que às vezes ditavam aos bispos o que os próprios bispos não escolheriam.»

Não se confunda, pois, História da Igreja com História da Igreja oficial do Império Romano e do Papado.

Uma transcrição maior da entrevista pode ser encontrada aqui https://unapologetica.blogspot.com/2024/07/church-history-and-apologetics.html

domingo, 13 de outubro de 2024

ENQUANTO O MUNDO DORMIA

 

26 E dizia: O reino de Deus é assim como se um homem lançasse semente à terra. 27 E dormisse, e se levantasse de noite ou de dia, e a semente brotasse e crescesse, não sabendo ele como. 28 Porque a terra por si mesma frutifica, primeiro a erva, depois a espiga, por último o grão cheio na espiga. 29 E, quando já o fruto se mostra, mete-se-lhe logo a foice, porque está chegada a ceifa. (Marcos 4:26-29)

Antes de a sua reputação ficar manchada pelo escândalo dos abusos clericais, a igreja católica dominava o cenário mundial. Ela costumava ser um importante player na geopolítica. Nisso residia muito de seu apelo para muitos. Se Jesus fundou uma igreja universal, certamente é assim que ela se deve parecer. Grande, conspícua, disseminada. Comparadas a isso, as denominações protestantes parecem provincianas e fragmentadas.

Isso encaixa na alegação dos apologistas católicos de que Jesus fundou uma igreja visível (ou seja, uma organização hierárquica unificada). Ela tem um chefe visível (o papa).

Mas compare-se isso com a parábola do reino de Deus sobre a semente crescendo à noite. Nesse sentido, o reino de Deus é invisível. Ele cresce à noite enquanto o agricultor dorme. Ele cresce à noite enquanto o mundo dorme. Nos Sinóticos, a igreja e o reino de Deus são categorias intimamente relacionadas.

Nesse sentido, a igreja representa uma revolução silenciosa. Ela cresce e se espalha sob o manto da escuridão. O mundo é apanhado de surpresa. A igreja escapa da atenção do mundo até que de repente se torna evidente. A igreja cria raízes e se espalha onde o mundo menos suspeita. Considere-se a igreja clandestina na China. Considere-se o avivamento cristão no coração do mundo muçulmano, devido a sonhos e visões de Jesus. Considere-se como o movimento pentecostal varreu a América Latina.

Nesse sentido, a visibilidade mundial da igreja católica é a antítese do reino de Deus. O progresso do reino é inesperado e imprevisível. Ele acontece em lugares para onde ninguém está a olhar. A universalidade da igreja não é encontrada nos sinais de néon do catolicismo romano, mas em sítios surpreendentes. Em esquinas e lugares escondidos que o mundo despreza até que seja tarde demais para ignorar.

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