sexta-feira, 10 de junho de 2022

Somos justificados pela fé e pelas obras?

 

i) Os apologistas católicos romanos (assim como os ortodoxos orientais) tentam negar a doutrina protestante da sola fide citando Tg 2:24. Dado que eles aceitam tudo o que a sua denominação lhes diga, não se preocupam em considerar se isso é consistente. Não prosseguem com as implicações desse apelo. Apenas citam Tg 2:24 e deixam isso por aí. Mas isso é fatalmente míope.

ii) Pensam que esta é uma relação de adição ao invés de uma relação de exclusão. Que a justificação é tanto pela fé como pelas obras. Então simplesmente adicionam Tiago a Paulo.

iii) Mas vejamos como Paulo enquadra a questão:

Romanos 3:20 Porque pelas obras da lei nenhum homem será justificado diante dele, visto que pela lei vem o conhecimento do pecado. Romanos 3:27 Onde está, logo, a jactância? É excluída. Por qual lei? Das obras? Não! Mas pela lei da fé. Romanos 3:28 Concluímos, pois, que o homem é justificado pela fé sem as obras da lei. Romanos 4:2 Porque, se Abraão foi justificado pelas obras, ele tem do que se gloriar, mas não diante de Deus. Romanos 4:4 Ora, àquele que faz qualquer obra, não lhe é imputado o galardão segundo a graça, mas segundo a dívida. Romanos 4:6 Assim também Davi declara bem-aventurado o homem a quem Deus imputa a justiça sem as obras. Romanos 11:6 Mas se é por graça, já não é pelas obras; de outra maneira, a graça já não é graçaGálatas 2:16 mas sabemos que o homem não é justificado pelas obras da lei, mas pela fé em Jesus Cristo, assim também nós cremos em Cristo Jesus, para sermos justificados pela fé em Cristo e não pelas obras da lei, porque pelas obras da lei ninguém será justificado. Gálatas 3:10 Pois todos os que confiam nas obras da lei estão debaixo de maldição; pois está escrito: Maldito todo aquele que não permanecer em todas as coisas escritas no livro da lei, e as praticar..”

Para Paulo, a justificação pelas obras é antitética à justificação pela fé. A justificação pela fé exclui a justificação pelas obras e vice-versa. As obras não podem complementar a fé como princípio de justificação. Se se adicionar obras à fé na justificação, fé e obras anulam-se mutuamente.

iv) O apelo católico assume que Paulo e Tiago estão a usar as mesmas palavras da mesma maneira. Mas se esse for o caso, então Paulo e Tiago são contraditórios em vez de complementares. E nesse caso, não podemos dizer qual escritor está correto, ou se algum dos escritores está correto. A tática católica leva a uma destruição mútua assegurada.

v) No entanto, é falacioso assumir que as mesmas palavras denotam os mesmos conceitos. Não só a mesma palavra pode ter mais de um significado, como não é idêntico palavras e conceitos. O conceito de justificação de Paulo não é derivável de um único termo do seu grupo de palavras em particular. O conceito poderia estar presente mesmo que ele nunca usasse a palavra "justificação". A justificação paulina é uma construção teológica, baseada num argumento complexo. Um argumento que inclui inferência lógica e exegese do AT. Um argumento que contrasta uma posição com outra.

Da mesma forma, temos que interpretar Tiago nos seus próprios termos. Não apenas uma palavra em particular, mas o seu argumento mais amplo.

vi) Se Paulo e Tiago não estão a referir-se à mesma coisa, então não há nenhuma tensão entre as suas respetivas posições. Mas isso também significa que não se pode citar Tiago para modificar Paulo. O que Tiago diz só qualifica o que Paulo diz se eles estivessem a falar sobre a mesma coisa. Além disso, isso só funcionaria se eles fossem mutuamente consistentes.

Se, no entanto, eles estiverem a usar as mesmas palavras da mesma maneira, isso gera uma contradição imediata. Por outro lado, se eles não estão a referir-se à mesma coisa, então o que Tiago diz não tem relação direta com o que Paulo diz. Não se pode usar Tiago para interpretar Paulo, muito menos usar Tiago para atenuar a força das formulações inflexíveis de Paulo. A posição de Paulo é separada da de Tiago. 

Paulo e Tiago são conciliáveis porque as suas discussões não coincidem. Eles estão simplesmente a usar termos semelhantes para discutir questões diferentes. É ingénuo confundir gramática superficial com gramática de fundo.

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