Fora da Igreja Católica Romana ninguém aceita o cânon do AT estabelecido em Trento no século XVI. Os protestantes não aceitam, uma vez que aderem ao mais breve cânon hebreu - único válido porque as Escrituras foram entregues aos judeus em primeiro lugar - e os Orientais por seu lado incorporam os "deuteros" mas também admitem outros livros que a Igreja de Roma nunca aceitou.
Ora, interessa saber que a incorporação destes livros por parte dos Orientais ocorreu tardiamente, contra a tradição estabelecida por Melitão de Sardes (século II), Orígenes (século III), Atanásio de Alexandria (século IV), o concílio de Laodiceia (século IV), Cirilo de Jerusalém (século IV), Gregório de Nazianzo (século IV), Anfilóquio de Icónio (século IV), Epifânio de Salamina (século IV-V), etc. Ainda em princípios do século VII, Leôncio de Bizâncio, que foi julgado como "o mais completo teólogo do seu tempo" dá uma lista detalhada que reconhece somente o cânon hebreu do AT.
Parece que a confusão se semeou no Concílio chamado Trulano de 692 que, de maneira implícita, sancionou ao mesmo tempo duas listas canónicas diferentes entre si, uma que excluía e outra que incluía os apócrifos. Isto sugere que o cânon do Antigo Testamento não figurava entre as principais preocupações dos bispos orientais de finais do século VII.
Os escritores orientais posteriores mostram uma inconsistência parecida, já que quando formulam uma lista de livros canónicos uniformemente excluem os apócrifos; mas os utilizam indiscriminadamente nos seus escritos. Isto demonstra que as citações não bastam para demonstrar por si mesmas a opinião que sustenta o autor acerca da canonicidade do livro citado. Disto é um bom exemplo João de Damasco, o último dos Padres gregos (m. cerca de 750), que subscreve o cânon hebreu, embora cite Sabedoria (livro que tem por bom e nobre, mas não profético).
Fócio, patriarca de Constantinopla, num resumo das leis da Igreja, refere-se às listas de livros canónicos dadas pelos "Cânones Apostólicos" e pelos Concílios de Cartago e Laodiceia como se fossem as mesmas. O mesmo tipo de confusão observa-se em Zonaras, historiador e teólogo bizantino do século XII, nos seus contemporâneos Aleixo Aristeno e Teodoro Balsamon, e no século seguinte, no patriarca de Constantinopla, Arsénio.
Apesar disso, um dos títulos que se deu à Bíblia na Igreja grega foi «Os Sessenta Livros» que, segundo antigos manuscritos, eram contados da seguinte forma: Sabedoria, Eclesiástico, Macabeus, Judite e Tobite ficavam expressamente de fora, como também Ester. A lista omitia Apocalipse. A chamada Esticometria de Nicéforo (finais do século IX) menciona todos os apócrifos exceto Baruc como "livros disputados".
Ainda mais tarde (1333) Nicéforo Calisto baseia-se em Gregório de Nazianzo e Anfilóquio e dá uma lista do cânon hebreu exceto Ester. Não menciona como duvidosos os apócrifos salvo Judite e Tobite.
O patriarca reformador de Constantinopla, Cirilo Lucar (1572-1638), dá na sua Confissão de Fé uma definição dos livros canónicos, que para o AT correspondem ao cânon hebreu. Dos apócrifos diz que "têm esse nome por esta razão, que não possuem a mesma ratificação do Santíssimo Espírito, como a tem os livros que são própria e indisputavelmente canónicos".
A mesma posição é confirmada por Metrófanes Critopulus, Patriarca
de Alexandria (1636-1639), que dá uma lista do AT conforme ao cânon hebreu na sua Confissão da Igreja Católica e Apostólica Oriental. Acrescentou:
mas os restantes livros que alguns pretendem incluir na Sagrada Escritura, tais como Tobite, Judite, a Sabedoria de Salomão, a Sabedoria de Jesus filho de Sirá (Eclesiástico), Baruc e os livros dos Macabeus, não os consideramos merecedores de ser descartados, pois muitos preceitos morais, merecedores do maior louvor, estão contidos neles; mas a Igreja de Cristo nunca os recebeu como canónicos e autênticos, como dão testemunho muitos outros, mas especialmente São Gregório o Teólogo, e São Anfilóquio, e finalmente São João de Damasco. Portanto não nos esforçamos em estabelecer doutrinas destes, mas dos trinta e três livros canónicos e autênticos, os quais também chamamos inspirados e Sagrada Escritura.
Confissão... citado por Westcott, The Bible in the Church, 3a Ed, 1870, p. 228-229
Esta opinião é subscrita e citada com aprovação por Platão, bispo da Igreja Ortodoxa Russa; no catecismo ortodoxo russo sustenta-se o cânon hebreu, embora não se descartem os apócrifos para edificação.
Tão tardiamente como no século XVII sínodos orientais reunidos em Jasi (1642) e Jerusalém (1672) declararam como "genuínas partes da Escritura" 1 Esdras (incluído no apêndice da Vulgata como 3 Esdras e nunca reconhecido pela Igreja Católica), Tobite, Judite, 1, 2 e 3 Macabeus (este último fora do cânon romano), Sabedoria, Jesus ben Sirá, Baruc e a carta de Jeremias. Isto ocorreu sobretudo (como Trento contra Lutero) como reação aos ensinamentos do já referido Cirilo Lucar. Contudo, um sínodo contemporâneo de Constantinopla adere à posição verdadeiramente tradicional, ao dizer que "esses livros que não estão incluídos na enumeração dos Escritores Sagrados, não são rejeitados e tratados como pagãos e profanos; mas considerados como bons e excelentes". (Westcott, o.c., p. 229).
Portanto, as Igrejas Orientais como um todo nunca canonizaram os livros apócrifos como Escritura inspirada.
Portanto, as Igrejas Orientais como um todo nunca canonizaram os livros apócrifos como Escritura inspirada.
Por outro lado, Bruce nota que "a maior parte dos eruditos ortodoxos de hoje, porém, seguem Atanásio e outros ao pôr os livros do «plus da Septuaginta» num nível de autoridade menor que os escritos «protocanónicos»". (F.F. Bruce, The Canon of Scripture. Downers Grove: InterVarsity Press, 1988, p. 82).
Ou seja que, na prática, os teólogos ortodoxos tendem para a posição histórica, da qual Lutero estava mais próximo do que os bispos tridentinos.
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