1 de novembro de 2025

MARTINHO LUTERO E JOÃO CALVINO SOBRE MARIA

 

Comparação teológica e documental com a visão dogmática da Igreja de Roma


1. MARTINHO LUTERO (1483–1546)

Tema

Citação (tradução)

Referência

Observação crítica

Maria como Mãe de Deus (Theotokos)

“Ela é a Mãe de Deus e, no entanto, permaneceu virgem. [...] É a maior honra que foi possível conceder a uma criatura.”

LUTERO, Martin. Das Magnificat verdeutscht und ausgelegt (1521). In: D. Martin Luthers Werke: Kritische Gesamtausgabe (WA) 7, p. 572–574. Weimar: Böhlau, 1883ss.

Lutero aceita o título Theotokos como afirmação da encarnação, mas não o usa para justificar culto ou intercessão.

Contra o culto e a invocação de Maria

“Não devemos fazer de Maria uma deusa, pois ela não concede graça, não salva. É Deus quem faz tudo, por meio de seu Filho.”

LUTERO, Martin. Predigten über das Evangelium des Johannes (1521). WA 10 I/1, p. 268.

Rejeita toda forma de invocação mariana; condena o culto que a “transforma em ídolo”.

Maria aponta para Cristo, não para si mesma

“Maria não quer que recorramos a ela, mas através dela aprendamos a ir a Cristo.”

LUTERO, Martin. Weihnachtspredigt (1529). WA 29, p. 182.

Lutero vê Maria como testemunha de Cristo, não como intercessora.

Imaculada Conceição

“Maria foi concebida de maneira natural, como todos os outros seres humanos, mas o Espírito Santo manteve-a livre do pecado.”

LUTERO, Martin. Predigt am Tag der Empfängnis Mariä (1527). WA 17 II, p. 287.

Em fase inicial, Lutero admite certa “purificação” de Maria, mas mais tarde nega qualquer concepção imaculada.

Somente Cristo é sem pecado

“Somente Cristo é sem pecado; todos os outros nascem em pecado.”

LUTERO, Martin. Vorlesung über den Psalter (1535). WA 39 II, p. 88.

Lutero exclui Maria da impecabilidade absoluta.

Contra a idolatria mariana

“Maria não quer que façamos dela um ídolo, ela não quer que a adoremos. Ela aponta para Deus.”

LUTERO, Martin. Das Magnificat (1521). WA 7, p. 572.

Lutero considera o culto a Maria como desvio idolátrico.


2. JOÃO CALVINO (1509–1564)

Tema

Citação (tradução)

Referência

Observação crítica

Maria como Mãe de Deus (Theotokos)

“Não hesito em dizer que Maria é verdadeiramente Mãe de Deus, porque ela gerou aquele que é Deus e homem.”

CALVINO, Jean. Commentaire sur l’Évangile selon saint Luc (1555). In: Ioannis Calvini Opera Selecta (CO) 45, p. 39. Brunswick: Schwetschke, 1863.

Calvino usa Theotokos apenas cristologicamente: para confirmar que o Filho de Maria é o Verbo encarnado.

Contra o culto mariano

“É uma blasfêmia atribuir a Maria o que pertence somente a Deus e a Cristo. [...] A superstição papista transformou-a em uma deusa.”

CALVINO, Jean. Institutes of the Christian Religion, I.11.10. In: Opera Selecta (CO) 2, p. 83–84.

Condena a “idolatria papista” e o culto à Maria como usurpação da glória divina.

Cristo como único mediador

“Maria não é uma mediadora. Cristo é o único mediador entre Deus e os homens.”

CALVINO, Jean. Commentaire sur l’Évangile selon saint Jean (1553). CO 47, p. 57.

Recusa qualquer mediação de Maria. Cita 1Tm 2,5 como regra absoluta.

Imaculada Conceição

“Chamar Maria de imaculada é dizer que ela não precisou da redenção de Cristo, o que é absurdo. Ela foi redimida como todos os demais.”

CALVINO, Jean. Sermon sur Luc 1:28. CO 46, p. 37–38.

Rejeita explicitamente o conceito de Imaculada Conceição (séculos antes do dogma de 1854).

Assunção Corporal de Maria

“Não encontramos nas Escrituras que Maria tenha sido isenta da condição comum dos mortais, ou que tenha sido elevada ao céu em corpo e alma. Isto é pura invenção dos papistas, sem fundamento algum na Palavra de Deus.”

CALVINO, Commentaire sur l’Évangile selon saint Luc (1555), CO 45, p. 44..

Rejeita explicitamente a ideia de Assunção física como “invenção papista” e “fábula sem Escritura”. Para ele, a morte de Maria foi como a de qualquer crente: dormiu no Senhor, esperando a ressurreição final.

Honra devida a Maria

“Devemos honrar Maria, não adorando-a, mas imitando sua fé e humildade.”

CALVINO, Jean. Commentaire sur le Magnificat. CO 45, p. 41.

Maria é “exemplo”, não “objeto” de fé.


3. IGREJA CATÓLICA ROMANA (VISÃO DOGMÁTICA)

Dogma / Doutrina

Definição oficial

Fonte magisterial

Maternidade divina (Theotokos)

Maria é verdadeiramente Mãe de Deus, pois gerou o Verbo encarnado.

Concílio de Éfeso (431). Denzinger-Hünermann (DH) 252.

Imaculada Conceição

Maria foi preservada do pecado original desde o primeiro instante de sua concepção.

Pio IX, Ineffabilis Deus (1854). DH 2803.

Assunção corporal

Maria, ao fim de sua vida terrena, foi levada em corpo e alma ao céu.

Pio XII, Munificentissimus Deus (1950). DH 3903.

Mediação universal e culto hiperdúlico

Maria é medianeira de todas as graças e digna de culto especial (hiperdulia).

Concílio Vaticano II, Lumen Gentium §62; DH 4420.


4. ANÁLISE COMPARATIVA FINAL

Questão

Lutero

Calvino

Catolicismo Romano

Maternidade divina

Aceita, sem culto

Aceita, sentido cristológico

Dogma (Éfeso 431)

Imaculada Conceição

Rejeita (fase tardia)

Rejeita

Dogma (1854)

Assunção corporal

Silêncio, não defende

Rejeita

Dogma (1950)

Intercessão / mediação

Rejeita

Rejeita

Afirma

Culto / invocação

Rejeita

Rejeita

Afirma (hiperdulia)

Valor espiritual

Exemplo de fé

Exemplo de fé

Exemplo + intercessora


5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS (ABNT)

  • CALVINO, João. As Institutas da Religião Cristã. Trad. Waldyr Carvalho Luz. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 2008.
  • CALVIN, Jean. Ioannis Calvini Opera quae supersunt omnia. Ed. Baum, Cunitz, Reuss. Brunswick: Schwetschke, 1863–1900. (CO 45–47).
  • DENZINGER, Heinrich; HÜNERMANN, Peter (org.). Enchiridion Symbolorum: Compendium of Creeds, Definitions, and Declarations on Matters of Faith and Morals. 45. ed. Freiburg: Herder, 2017.
  • LUTERO, Martinho. D. Martin Luthers Werke: Kritische Gesamtausgabe (Weimarer Ausgabe – WA). Weimar: Böhlau, 1883–2009.
  • LUTERO, Martinho. O Magnificat de Maria: Comentário. Trad. Werner Fuchs. São Leopoldo: Sinodal, 1983.
  • PIO IX. Ineffabilis Deus. Roma, 8 dez. 1854.
  • PIO XII. Munificentissimus Deus. Roma, 1 nov. 1950.
  • CONCÍLIO VATICANO II. Constituição Dogmática Lumen Gentium. Vaticano, 1964.