Comparação teológica e documental com a visão dogmática da Igreja de Roma
1. MARTINHO LUTERO (1483–1546)
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Tema |
Citação (tradução) |
Referência |
Observação crítica |
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Maria como
Mãe de Deus (Theotokos) |
“Ela é a
Mãe de Deus e, no entanto, permaneceu virgem. [...] É a maior honra que foi
possível conceder a uma criatura.” |
LUTERO, Martin. Das Magnificat verdeutscht und ausgelegt (1521).
In: D. Martin Luthers Werke: Kritische Gesamtausgabe (WA) 7, p.
572–574. Weimar:
Böhlau, 1883ss. |
Lutero
aceita o título Theotokos como afirmação da encarnação, mas não o usa
para justificar culto ou intercessão. |
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Contra o
culto e a invocação de Maria |
“Não
devemos fazer de Maria uma deusa, pois ela não concede graça, não salva. É
Deus quem faz tudo, por meio de seu Filho.” |
LUTERO,
Martin. Predigten über das Evangelium des Johannes (1521). WA 10 I/1,
p. 268. |
Rejeita
toda forma de invocação mariana; condena o culto que a “transforma em ídolo”. |
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Maria
aponta para Cristo, não para si mesma |
“Maria não
quer que recorramos a ela, mas através dela aprendamos a ir a Cristo.” |
LUTERO,
Martin. Weihnachtspredigt (1529). WA 29, p. 182. |
Lutero vê
Maria como testemunha de Cristo, não como intercessora. |
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Imaculada
Conceição |
“Maria foi
concebida de maneira natural, como todos os outros seres humanos, mas o
Espírito Santo manteve-a livre do pecado.” |
LUTERO,
Martin. Predigt am Tag der Empfängnis Mariä (1527). WA 17 II, p. 287. |
Em fase
inicial, Lutero admite certa “purificação” de Maria, mas mais tarde nega
qualquer concepção imaculada. |
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Somente
Cristo é sem pecado |
“Somente
Cristo é sem pecado; todos os outros nascem em pecado.” |
LUTERO, Martin. Vorlesung über den Psalter (1535). WA 39 II, p. 88. |
Lutero
exclui Maria da impecabilidade absoluta. |
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Contra a
idolatria mariana |
“Maria não
quer que façamos dela um ídolo, ela não quer que a adoremos. Ela aponta para
Deus.” |
LUTERO, Martin.
Das Magnificat (1521). WA 7, p. 572. |
Lutero
considera o culto a Maria como desvio idolátrico. |
2. JOÃO CALVINO (1509–1564)
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Tema |
Citação (tradução) |
Referência |
Observação crítica |
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Maria como
Mãe de Deus (Theotokos) |
“Não
hesito em dizer que Maria é verdadeiramente Mãe de Deus, porque ela gerou
aquele que é Deus e homem.” |
CALVINO, Jean. Commentaire sur l’Évangile selon saint Luc (1555). In: Ioannis Calvini Opera
Selecta (CO) 45, p. 39. Brunswick: Schwetschke, 1863. |
Calvino
usa Theotokos apenas cristologicamente: para confirmar que o Filho de
Maria é o Verbo encarnado. |
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Contra o
culto mariano |
“É uma
blasfêmia atribuir a Maria o que pertence somente a Deus e a Cristo. [...] A
superstição papista transformou-a em uma deusa.” |
CALVINO, Jean. Institutes of the Christian Religion, I.11.10. In: Opera Selecta (CO) 2,
p. 83–84. |
Condena a
“idolatria papista” e o culto à Maria como usurpação da glória divina. |
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Cristo
como único mediador |
“Maria não
é uma mediadora. Cristo é o único mediador entre Deus e os homens.” |
CALVINO, Jean. Commentaire sur l’Évangile selon saint Jean (1553).
CO 47, p.
57. |
Recusa
qualquer mediação de Maria. Cita 1Tm 2,5 como regra absoluta. |
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Imaculada
Conceição |
“Chamar Maria de imaculada é dizer que ela não precisou da redenção de Cristo, o que é absurdo. Ela foi redimida como todos os demais.” |
CALVINO, Jean. Sermon sur Luc 1:28. CO 46, p. 37–38. |
Rejeita
explicitamente o conceito de Imaculada Conceição (séculos antes do dogma de
1854). |
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Assunção Corporal de Maria |
“Não encontramos nas Escrituras que Maria tenha sido isenta da condição comum dos mortais, ou que tenha sido elevada ao céu em corpo e alma. Isto é pura invenção dos papistas, sem fundamento algum na Palavra de Deus.” |
CALVINO, Commentaire sur l’Évangile selon saint Luc (1555), CO 45, p. 44.. |
Rejeita explicitamente a ideia de Assunção física como “invenção papista” e “fábula sem Escritura”. Para ele, a morte de Maria foi como a de qualquer crente: dormiu no Senhor, esperando a ressurreição final. |
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Honra devida a Maria |
“Devemos
honrar Maria, não adorando-a, mas imitando sua fé e humildade.” |
CALVINO, Jean. Commentaire sur le Magnificat. CO 45, p. 41. |
Maria é “exemplo”, não “objeto” de fé. |
3. IGREJA CATÓLICA ROMANA (VISÃO DOGMÁTICA)
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Dogma / Doutrina |
Definição oficial |
Fonte magisterial |
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Maternidade
divina (Theotokos) |
Maria é
verdadeiramente Mãe de Deus, pois gerou o Verbo encarnado. |
Concílio
de Éfeso (431). Denzinger-Hünermann (DH) 252. |
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Imaculada
Conceição |
Maria foi
preservada do pecado original desde o primeiro instante de sua concepção. |
Pio IX, Ineffabilis
Deus (1854). DH 2803. |
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Assunção
corporal |
Maria, ao
fim de sua vida terrena, foi levada em corpo e alma ao céu. |
Pio XII, Munificentissimus
Deus (1950). DH 3903. |
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Mediação
universal e culto hiperdúlico |
Maria é
medianeira de todas as graças e digna de culto especial (hiperdulia). |
Concílio Vaticano II, Lumen Gentium §62; DH 4420. |
4. ANÁLISE COMPARATIVA FINAL
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Questão |
Lutero |
Calvino |
Catolicismo Romano |
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Maternidade
divina |
Aceita,
sem culto |
Aceita,
sentido cristológico |
Dogma
(Éfeso 431) |
|
Imaculada
Conceição |
Rejeita
(fase tardia) |
Rejeita |
Dogma
(1854) |
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Assunção
corporal |
Silêncio,
não defende |
Rejeita |
Dogma
(1950) |
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Intercessão
/ mediação |
Rejeita |
Rejeita |
Afirma |
|
Culto /
invocação |
Rejeita |
Rejeita |
Afirma
(hiperdulia) |
|
Valor
espiritual |
Exemplo de
fé |
Exemplo de
fé |
Exemplo +
intercessora |
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS (ABNT)
- CALVINO, João. As Institutas
da Religião Cristã. Trad. Waldyr Carvalho Luz. São Paulo: Casa Editora
Presbiteriana, 2008.
- CALVIN, Jean. Ioannis
Calvini Opera quae supersunt omnia. Ed. Baum, Cunitz, Reuss.
Brunswick: Schwetschke, 1863–1900. (CO 45–47).
- DENZINGER, Heinrich; HÜNERMANN, Peter (org.). Enchiridion
Symbolorum: Compendium of Creeds, Definitions, and Declarations on Matters
of Faith and Morals. 45. ed. Freiburg: Herder, 2017.
- LUTERO, Martinho. D. Martin Luthers Werke:
Kritische Gesamtausgabe (Weimarer Ausgabe – WA). Weimar: Böhlau, 1883–2009.
- LUTERO, Martinho. O
Magnificat de Maria: Comentário. Trad. Werner Fuchs. São Leopoldo:
Sinodal, 1983.
- PIO IX. Ineffabilis Deus.
Roma, 8 dez. 1854.
- PIO XII. Munificentissimus
Deus. Roma, 1 nov. 1950.
- CONCÍLIO VATICANO II. Constituição
Dogmática Lumen Gentium. Vaticano, 1964.
