O terceiro método para
lidar com esta questão é ficar satisfeito com os pronunciamentos simples da
Bíblia. A Escritura ensina, 1. Que a glória de Deus é o fim ao qual a promoção
da sacralidade, e a produção da felicidade, e todos os outros fins estão subordinados.
2. Que, como tal, a automanifestação de Deus, a revelação da sua infinita
perfeição, sendo a mais elevada concebível, ou bem possível, é o fim último de
todas as suas obras na criação, providência e redenção. 3. Como criaturas
sencientes são necessárias para a manifestação da benevolência de Deus, não
poderia haver qualquer manifestação da sua misericórdia sem miséria, ou da sua
graça e justiça, se não houvesse pecado. Do mesmo modo que os céus declaram a
glória de Deus, também Ele engenhou um plano de redenção, “Para que agora, pela
igreja, a multiforme sabedoria de Deus seja conhecida dos principados e
potestades nos céus” (Ef. 3:10). O conhecimento de Deus é a vida eterna. É para
as criaturas o bem mais elevado. E a promoção desse conhecimento, a
manifestação multiforme das perfeições do Deus infinito, é o fim mais nobre de
todas as suas obras. Isto é declarado pelo apóstolo ser o fim contemplado,
tanto no castigo dos pecadores como na salvação dos crentes. É um fim ao qual,
diz ele, nenhum homem pode objetar. “E que direis se Deus, querendo mostrar a
sua ira, e dar a conhecer o seu poder, suportou com muita paciência os vasos da
ira, preparados para a perdição; para que também desse a conhecer as riquezas
da sua glória nos vasos de misericórdia, que para glória já dantes preparou”
(Rom. 9:22-23). O pecado, como tal, segundo a Escritura, é permitido, para que
a justiça de Deus possa ser conhecida no seu castigo, e a sua graça no seu
perdão. E o universo, sem o conhecimento destes atributos, seria como a terra
sem a luz do sol.
A glória de Deus sendo o
fim maior de todas as coisas, não estamos obrigados a assumir que este é o
melhor mundo possível para a produção da felicidade, ou até mesmo para
assegurar o maior nível de piedade entre criaturas racionais. Este mundo está
sabiamente adaptado ao fim para que foi desenhado, nomeadamente, a manifestação
das multiformes perfeições de Deus. Que Deus, ao se revelar, promove o bem
maior das suas criaturas, de forma consistente com a promoção da sua própria glória,
pode ser admitido. Mas inverter esta ordem, fazendo do bem da criatura o fim
mais elevado, é perverter e subverter todo o sistema; é pôr os meios no lugar
do fim, subordinar Deus ao universo, o Infinito ao finito. Isto de pôr a
criatura no lugar do Criador, perturba os nossos sentimentos e convicções
morais e religiosas, assim como a nossa compreensão intelectual de Deus, e da
sua relação com o universo.
Os teólogos mais antigos
quase unanimemente fazem da glória de Deus a epítome, e o bem da criatura o fim
subordinado de todas as coisas. Twesten, de facto, diz que não faz qualquer
diferença se dizemos que Deus apresenta a sua glória como fim último, e, para
esse propósito, determinou-se a produzir o mais alto grau de bem; ou se dizemos
que Ele planeou o bem maior das suas criaturas, da qual a manifestação da sua
glória flui por consequência. Contudo, faz toda a diferença do mundo, se o
Criador está subordinado à criatura, ou a criatura ao Criador; se o fim é os
meios, ou os meios o fim. Há uma grande diferença entre ser a terra ou o sol o
centro do nosso sistema solar. Se fazemos da terra o centro, a nossa astronomia
ficará numa confusão. E se fizermos da criatura, e não Deus, o fim de todas as
coisas, a nossa teologia e religião ficarão do mesmo modo deturpadas. Pode ser,
em conclusão, seguramente afirmado que um universo construído para o propósito
de fazer Deus conhecido, é muito melhor que um universo desenhado para a
produção de felicidade.
Teologia Sistemática Vol. I, 1872, Charles Hodge, “A
Existência do Mal”.
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