«Ao longo dos anos, alguns académicos têm debatido a ideia de que o evangelho de Mateus pode ter sido escrito originalmente em hebraico, e depois traduzido para o grego. Esta possibilidade se baseia numa declaração de Papias, um dos primeiros padres da igreja, que afirmou que Mateus registou ditos de Cristo em hebraico. Mas outros eruditos têm assinalado que é improvável que Papias se estivesse a referir com isso ao nosso evangelho de Mateus. Em primeiro lugar, o evangelho de Mateus, escrito em grego, não apresenta "nenhuma das características de uma obra traduzida" (Walvoord, Matthew: The Kingdom Come pag. 10). Segundo, nunca foi encontrado algum evangelho hebraico (ou aramaico) deste tipo. Terceiro, Mateus pode ter escrito muitos dos ditos de Cristo em hebraico para benefício dos judeus, sem que tal compilação fosse o mesmo que (nem a base de) o seu evangelho grego.
A erudição conservadora concorda em que, quer tenha havido uma versão hebraica anterior, quer não, a atual versão grega foi obra própria de Mateus, e que é a Palavra inspirada de Deus. Sejam quais forem os materiais anteriores que Mateus possa ter produzido na sua língua materna, o essencial é que o evangelho grego foi inspirado por Deus e traz o selo da autoridade de ser a Palavra de Deus (Walvoord pag.11)».
(Arthur K. Robertson, Matthew (Everymans Bible Commentaries), Lightning Source Inc, pag. 78)
«Papias mencionou os quatro evangelhos canónicos, mas o único atribuído a Mateus é aquele supostamente escrito "em língua hebraica" e composto por logia do Senhor. Falava de um único evangelho atribuído a Mateus, não de dois "Mt", um em "hebraico" e outro em grego. Isto é importante. Pois bem, o evangelho segundo Mateus que possuímos não é produto de uma tradução grega de um suposto original em "hebraico" (aramaico) mas foi escrito originalmente em grego... Não se pode demonstrar que Mt seja tradução de um original aramaico porque não temos esse suposto original. A única referência é a de Papias, que estamos tentando compreender. O nosso é um evangelho escrito desde o início integralmente em grego, como se tem demonstrado amplamente. Será que Papias ignorava a existência do evangelho que conhecemos, apesar de ter sido amplamente utilizado na igreja? ou, talvez Papias se equivocou quanto à origem deste evangelho, ou estava mal informado? É digno de nota que Eusébio menciona Mt. depois de Mc. Sabemos que Mc. foi escrito em grego por volta do ano 70, e que o evangelho segundo Mateus se apoia fortemente nesse segundo Marcos. Isto indica que a obra de Mateus nem foi a primeira a escrever-se nem foi obra totalmente independente já que se apoia em Marcos. Mateus, com efeito, apoiou-se massivamente em Mc., que foi escrito em grego. Todos com exceção de uns 40 versículos dos 675 que constituem Mc. se encontram em Mt., incluído o relato (literal) da conversão de Levi/Mateus. Não só isso, mas seguiu a mesma ordem e em muitas partes. Se Mt. é produto de uma tradução grega do aramaico, por que se baseou o seu autor em Mc.? Se Mt. foi escrito tal como lemos de Papias, não usou Mc. e não seria o evangelho que temos hoje? E se Mc. é posterior e usou Mt., porque omitiria o Sermão do Monte, de Mt. 5-7, por exemplo?
A comunidade cristã se dispersou rapidamente na Palestina e se estabeleceu como comunidades em outras regiões do Império Romano. Escrever-se-ia um evangelho para um grupo reduzido em língua aramaica, sendo também que na própria Judeia não poucos membros eram helénicos (At.7), isto é, que falavam grego? Recordemos que Paulo escreveu todas as suas cartas em grego, e Marcos o seu evangelho no mesmo idioma.
O interesse em afirmar a suposição de um original em aramaico não é científico, como se costuma apresentar, mas ideológico ou dogmático. Dada a rápida expansão do cristianismo no mundo greco-falante, teria sentido escrever obras num idioma desconhecido pelos seus recetores, ou seja, em aramaico para os que são de língua grega? O próprio Paulo, um hebreu (Fil.3:5), escreveu todas as suas cartas em idioma grego! O facto é que, se não fosse pela afirmação de Papias citada por Eusébio de Cesareia, não estaríamos especulando sobre a existência de um possível "evangelho de Mateus em aramaico"!
Em resumo se existiu um evangelho de Mateus em "dialeto hebraico", não nos restam vestígios reconhecíveis e definitivamente não é aquele que possuímos em grego. Além de Papias e todos os que se apoiam nele, não temos referências de um Mateus-aramaico. Por tudo isto, com pouquíssimas exceções, os estudiosos concordam em que a afirmação de Papias e a consequente hipótese de um Mateus-aramaico carece de credibilidade; é uma conjetura sem fundamento; é "wishful thinking"».
(Eduardo Arens, Los Evangelios ayer y hoy: una introduccion hermenêutica, pags.105-109)
«O grego do Evangelho, como o conhecemos nós, não se lê como uma "tradução para o grego", e a proximidade literária em grego de Mt. com os Evangelhos de Mc. e Lc. faz que a sua origem em algum outro idioma seja pouco provável. É possível que os crentes dos primeiros séculos d.C. conhecessem uma obra hebraica ou aramaica tradicionalmente associada com Mt. mas é improvável que fosse o nosso Evangelho»
(G.J. Wenham, J.A. Motyer, D.A. Carson e R.T. France, Comentário Bíblico, Vida Nova, pag. 940)
«Qualquer que seja a data e o conhecimento de Papias, aquilo que ele de fato escreveu está ao nosso alcance apenas em citações preservadas por Eusébio. Os cinco livros exegéticos de Papias, Àoyíojv KvpíaKcov 'E^rjyqatç (Logiõn Kyriakõn Exegêsis, Exegese das Logia do Senhor), sobreviveram até à Idade Média em algumas bibliotecas da Europa, mas não existem mais. É dessa obra que Eusébio (H.E,3,39.14-16) cita os dois únicos comentários de Papias sobre a autoria dos evangelhos de que temos conhecimento. O que diz respeito ao quarto evangelho é analisado adiante nesta obra; o que diz respeito diretamente a Mateus é reconhecidamente difícil de traduzir, conforme mostrado aqui, "Mateus aweTfX^eTO (synetaxeto, 'compôs?', 'compilou?', 'dispôs [de forma organizada]'?) TÒ Xòyia (ta logia, 'as declarações'?, 'o evangelho'?) em fE(3paíÔi SiaXéKTcp (Hebraidi dialektõ, na 'língua hebraica [aramaica]'?, 'o estilo hebraico [aramaico]'?), e cada um os fippr|veuaev (hêrmêneusen, 'interpretou?, 'traduziu'?, 'transmitiu'?) da melhor forma que pôde".
Não há dúvida de que a igreja primitiva entendia que o sentido disso era que Mateus havia escrito o seu evangelho em hebraico (ou aramaico; a palavra grega era usada para designar as duas línguas cognatas) e que foi então traduzido por outros. Mas existem problemas sérios com este ponto de vista. Embora uns poucos estudiosos contemporâneos sustentem que todo o evangelho de Mateus foi escrito inicialmente em aramaico [1], dados linguísticos sólidos contrariam tal ponto de vista. Em primeiro lugar, as muitas citações do Antigo Testamento não refletem uma forma textual única. Algumas são, sem sombra de dúvida, tiradas da Septuaginta; outras são aparentemente traduções de um original semítico; outras ainda são tão pouco convencionais que desafiam uma classificação simples. Se o evangelho tivesse sido escrito originalmente em aramaico, o normal seria que as citações do Antigo Testamento ou fossem traduzidas pelo linguista que traduziu todo o texto, ou copiadas da Bíblia aceite pela igreja primitiva, a Septuaginta. A mistura que encontramos faz-nos pensar que o autor do Evangelho escreveu em grego, e que tinha conhecimentos de línguas semitas, pelo que pode ter consultado diferentes textos.
Em segundo lugar, supondo que Mateus dependa de Marcos (ver o cap. 2 sobre o problema sinótico), as ligações verbais entre Mateus e Marcos dizem-nos que é muito pouco provável que Mateus tivesse sido escrito originalmente em aramaico.
Finalmente o texto grego não pode ter sido um texto traduzido…
Alguns associam logia "dito" com algumas coleções independentes dos ditos de Jesus, talvez Q. Isso converteria Mateus num autor de uma fonte de ditos. Papias confundiu esta fonte com o Mateus canónico. Mas então, como uma fonte apostólica tão importante como esta ia cair no esquecimento até perder-se? Certamente, toda a hipótese de Q, por mais razoável que seja, continua sendo uma mera hipótese. Resumindo a evidência nos leva a uma difícil conclusão. A menos que adotemos a solução de Kurzinger [2], o mais natural é pensar que Papias estava equivocado quando disse que Mateus foi escrito originalmente em aramaico. E se se equivocou ao fazer esta afirmação, por que não poderia ter-se equivocado ao dizer que Mateus era o autor desse material? Este ceticismo soa plausível à primeira vista, mas no fundo não tem tanto fundamento como parece. Quando um autor se equivoca num ponto, não podemos descartar sem mais a demais informação que nos oferece! Além disso, existem várias razões que poderiam explicar o erro de Papias quanto à língua original do Evangelho de Mateus. De fato, embora a sua conclusão seja equivocada, é o resultado de uma conclusão lógica se tivermos em conta a informação que circulava nos seus dias. Os primeiros Padres da Igreja acreditavam que Mateus tinha sido o primeiro Evangelho. Dado que Jesus e os seus discípulos viveram e serviram entre os judeus, parece lógico concluir que o primeiro Evangelho foi escrito "no dialeto hebraico", isto é, "aramaico", muito mais se Papias, que formava parte do mundo helenístico, não tinha conhecimento do uso do grego na Palestina do primeiro século, especialmente na Galileia. Além disso, Papias pode ter confundido o Evangelho canónico de Mateus com um Evangelho escrito em aramaico ou hebraico que era bem conhecido no século II. Nos chegaram notícias de um "Evangelho segundo os hebreus", um "Evangelho dos nazarenos", e "um Evangelho dos ebionitas". Não sabemos se estes títulos fazem referência a três livros distintos, ou se dois deles ou mais fazem referência ao mesmo livro. Epifânio assegura que os ebionitas, segundo ele um grupo herético, baseavam as suas crenças num Evangelho de Mateus que eles chamavam "segundo os hebreus", escrito em hebraico, mas (segundo Epifânio) manipulado e mutilado…
O grande tradutor Jerónimo diz que traduziu "o Evangelho segundo os hebreus", tanto para o grego como para o latim. E associa tal livro com os nazarenos, os quais lhe deram permissão para copiar o original hebraico do Evangelho segundo Mateus. Não obstante, depois de analisar as muitas referências que faz, o conteúdo desse Evangelho de Mateus tem pouco a ver com o do Mateus canónico. Tudo isto sugere que havia muita possibilidade de confundir aquele "Evangelho segundo os hebreus" com Mateus, e que muito provavelmente isso foi o que deu origem à teoria de que Mateus foi escrito originalmente em hebraico ou aramaico»
Notas
[1] C. F. BURNEY, em The poetry of our Lord; C. C. TORREY, em Our translated Gospels; A. Sc HL ATTER, em Der Evangelist Matthäus: Seine Sprache> sein Ziel, seineSelbständigkeit; P. Ga echter, em Die literarische Kunst im Matthäuseoangelium; J. W.WENHAM, em Gospel origins (TrinJ 7; 112-34). Bem recentemente um pequeno número de estudiosos tem sustentado que o hebraico (e não o aramaico) está subjacente aos evangelhos canónicos, mas essa proposta tem sido corretamente rejeitada pela imensa maioria daqueles que estudaram o assunto.
[2] J. Kürzinger, acredita que jà XóyLa (ta logia) refere-se ao Mateus canónico, mas que 'EppaíÔi SLaXeKTtp (Hebraidi dialektõ) refere-se não à língua hebraica ou aramaica, mas ao estilo ou forma literária semíticos; Mateus organizou ou compôs (cruvÉTa^éTo [synetaxetdi) seu evangelho em forma literária semítica (i.e., judaico-cristã), dominada por temas e recursos literários semíticos. Essa é uma tradução improvável, ainda que certamente possível.
(D.A. Carson, Douglas J. Moo e Leon Morris, Introdução ao Novo Testamento, Vida Nova, pags. 75-79)
Creio que o Texto Grego do Evangelho de Mateus foi escrito pelo Apostolo Mateus no Século I e que faz parte da Bíblia Sagrada que é a Palavra de Javé.
ResponderEliminarCreio que no Texto Grego do Evangelho de Mateus,assim como o Evangelho de Marcos,Evangelho de Lucas e Evangelho de João estão escritos os Ensinos de Jesus.