30 de março de 2025

UNIVERSALISMO HIPOTÉTICO

 

Uma distinção importante do comentário de Zacarias Ursinus (1534-1583) ao seu Catecismo de Heidelberg.

Objeção. 4. Se Cristo fez satisfação por todos, então todos deveriam ser salvos. Mas nem todos são salvos. Portanto, Ele não fez uma perfeita satisfação.

Resposta: Cristo satisfez por todos, com respeito à suficiência da satisfação que Ele fez, mas não com respeito à sua aplicação.

(Zacarias Ursino, Comentário sobre a Questão 37 do Catecismo de Heidelberg)

É evidente que a doutrina que afirma que a expiação de Cristo é limitada quanto à sua suficiência e não quanto à sua eficácia (porque nem todos creem) não lembra nem ao diabo.

“Ele é o sacrifício de expiação pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos mas também pelos do mundo inteiro.” (1 João 2:2)

A Doutrina Reformada da Expiação: O que é Universalismo Hipotético? (com Dr. Michael Lynch)

14 de março de 2025

QUANDO O VATICANO INCITOU O REGIME FASCISTA DE MUSSOLINI A PERSEGUIR OS CRISTÃOS PENTECOSTAIS

 

No livro I pentecostali negli archivi: Introduzione di Giancarlo Rinaldi, a autora, Marina Pagano, pentecostal de terceira geração, aluna na Escola de Estudos de História do Cristianismo da Universidade de Roma La Sapienza, recolhe centenas de documentos relacionados com os acontecimentos dos pentecostais italianos no século XX, vasculhando os arquivos do Estado italiano e do Vaticano.

Os documentos são reproduzidos em fotografias ou transcritos com cuidado, recolhidos, sistematizadas, organizados e oferecidos aos leitores.

O livro demonstra que uma circular chamada “Buffarini Guidi” (que proibia o culto pentecostal) não era uma ordem propriamente fascista, como é repetido ad nauseam, mas foi literalmente "ditada" pelas mais altas autoridades do Vaticano. Prova disso é a sua vigência (8 anos durante o fascismo; 12 anos na 'democracia' do pós-guerra). Quem são os principais autores da infame circular? Podem-se encontrar nomes como o do próprio Papa Pio XI, o núncio Borgongini Duca, Igino Giordani, que mais tarde descobriu o ecumenismo e fundou o movimento dos Focolares, mas na altura era um feroz opositor de todas as formas de protestantismo. Eles ditaram literalmente o texto ao diretor do Ministério do Interior fascista.

Como resultado desta perseguição, dezenas de igrejas foram fechadas, muitos pentecostais foram presos e alguns morreram na prisão ou em campos de concentração.

https://www.academia.edu/128050377/I_pentecostali_negli_archivi


Outros livros interessantes relacionados com a aliança entre a Igreja Católica e o regime fascista italiano contra os protestantes:

Kevin Madigan, The Popes against the Protestants: The Vatican and Evangelical Christianity in Fascist Italy, Yale University Press, 2021.

David I. Kertzer, The Pope and Mussolini: The Secret History of Pius XI and the Rise of Fascism in Europe, Random House Trade Paperbacks, 2015.

9 de março de 2025

AS SALSICHAS DE ZURIQUE

 

Neste dia, há 503 anos, um grupo de homens, que incluía Ulrich Zwingli, Leo Jud, Klaus Hottinger e Lorenz Hochrütiner, reuniram-se na gráfica de Christoph Froschauer em Zurique para comer uma refeição de salsichas fumadas numa violação deliberada das leis da cidade sobre o jejum quaresmal.

Zwingli não comeu as salsichas, mas defendeu a liberdade cristã daqueles que o fizeram com a publicação do tratado "Da escolha e liberdade nas comidas" onde dizia “Os cristãos são livres de fazer jejum ou não porque a Bíblia não proíbe de comer carne durante a Quaresma".

O Conselho de Zurique condenou a ação a princípio e Froschauer foi preso.

O evento, no entanto, foi bem-sucedido ao abrir um debate público sobre o assunto. Como resultado, o povo e os governantes da cidade aderiram às ideias da Reforma e um ano depois o Conselho decidiu que todas as leis sobre jejum seriam abolidas, pois não tinham base bíblica. Em Basileia, um evento semelhante aconteceria com os participantes a comer um porco assado.

A Reforma se espalharia a partir daí para vários lugares no sul da Alemanha, para a Holanda, Inglaterra e América.

E qual foi o destino dos participantes na refeição escandalosa? Froschauer veio a ser fundamental na impressão e divulgação da Bíblia de Zurique até a sua morte em 1564.

Zwingli tornou-se a figura de proa dos Reformados até sua morte na batalha de Kappel em 1531. Lugar que Leo Jud assumiria junto com Heinrich Bullinger.

Klaus Hottinger tornou-se o primeiro mártir da Reforma Suíça sendo executado em Lucerna em 1524 por divulgar ensinos bíblicos.

Lorenz Hochrütiner infelizmente separou-se de Zwingli e se tornou um anabatista alguns anos depois. Ele foi expulso primeiro de Zurique, depois de St. Gallen e, por último, de Basileia pelos seus ensinos e acabou em Estrasburgo, onde desapareceu.

O caso das salsichas de Zurique ficou na história como um símbolo da liberdade cristã e é considerado de semelhante importância às 95 Teses de Martinho Lutero em Wittenberg para a Reforma Protestante.

5 de março de 2025

O QUE HÁ DE ERRADO COM EXPRESSÕES COMO "MÃE DE DEUS" E "DEUS MORREU NA CRUZ"?

Um dia destes deparei-me com alguém que afirmava energicamente que quem não afirmasse que “Maria é mãe de Deus” e que “Deus morreu na cruz” era um perigoso herege nestoriano, como se o problema do nestorianismo fosse não afirmar certas expressões e não rejeitar a divindade de Jesus Cristo e a sua dupla natureza plenamente divina e plenamente humana.

Quanto à primeira expressão “Mãe de Deus”, estava convencido que com as devidas qualificações era tecnicamente correta, mas a segunda expressão “Deus morreu na cruz” soou-me muito mal. Será que é mesmo correto dizer que "Deus morreu"? O que se passa aqui? Então pensei melhor no assunto e mudei de opinião.

Segundo a communicatio idiomatum (comunicação de atributos), o que é verdadeiro para uma natureza é verdadeiro para a Pessoa portadora dessa natureza. Não é atribuir as propriedades de uma natureza a outra natureza, mas predicar ambos os conjuntos de propriedades ao indivíduo que as compartilha.

E o problema destas expressões está precisamente aqui. Elas confundem as naturezas de Cristo e atribuem uma propriedade da natureza humana (ter uma mãe ou ser mortal) à natureza divina (Deus) e não à Pessoa. O equívoco está na palavra "Deus" que denota a natureza divina da Pessoa e não a Pessoa. 

O correto é dizer que Maria é mãe (ter uma mãe é atributo da natureza humana) de Jesus Cristo (a Pessoa) ou do Filho de Deus (a Pessoa) ou do Senhor (a Pessoa) que é Deus (natureza divina da Pessoa) além de homem (natureza humana da Pessoa).

É errado dizer que Maria é mãe (ter uma mãe é atributo da natureza humana) de Deus (natureza divina da Pessoa).

O correto é dizer que Jesus Cristo (a Pessoa) ou o Filho de Deus (a Pessoa) ou o Senhor (a Pessoa) morreu (ser mortal é atributo da natureza humana) na cruz.

É errado dizer Deus (a natureza divina) morreu (atributo humano) na cruz.

Dizer que Maria é mãe de Deus, incorre no mesmo erro de dizer que Jesus Cristo homem era omnipresente ou omnisciente. Jesus Cristo homem denota a natureza humana de Cristo e não a Pessoa. O erro é o mesmo - predicar atributos da natureza humana na natureza divina e vice-versa. Mas nem tudo o que é verdade para uma natureza é verdade para a outra. É por isso que estas expressões que contêm a palavra “Deus” predicada com atributos humanos soam terrivelmente mal e são metafisicamente incorretas.

«Nosso Senhor Jesus Cristo era Deus e homem: como Deus não tinha mãe, como homem, sim. Maria era pois mãe da carne dele, mãe da sua humanidade.» (Agostinho de Hipona, Tratados sobre o Evangelho de João, 8.8-9).