Um dia destes deparei-me com alguém que afirmava
energicamente que quem não afirmasse que “Maria é mãe de Deus” e que “Deus morreu na cruz” era um perigoso herege nestoriano, como se o problema do
nestorianismo fosse não afirmar certas expressões e não rejeitar a divindade de
Jesus Cristo e a sua dupla natureza plenamente divina e plenamente humana.
Quanto à primeira expressão “Mãe de Deus” estava
convencido que com as devidas qualificações era tecnicamente correta, mas a
segunda expressão “Deus morreu na cruz” soou-me muito mal. O que se passa aqui? Então
pensei melhor no assunto e mudei de opinião.
Segundo a communicatio idiomatum (comunicação de atributos), o que é verdadeiro para uma natureza é verdadeiro para a Pessoa portadora dessa natureza. Não é atribuir as propriedades de uma natureza a outra natureza, mas predicar ambos os conjuntos de propriedades ao indivíduo que as compartilha.
E o problema destas expressões está precisamente aqui. Elas confundem as naturezas de Cristo e atribuem uma propriedade da natureza humana (ter uma mãe ou ser mortal) à natureza divina (Deus) e não à Pessoa. O equívoco está na palavra "Deus" que denota uma propriedade da natureza divina da Pessoa e não a Pessoa.
O correto é dizer que Maria é mãe (ter uma mãe é
atributo da natureza humana) de Jesus Cristo (a Pessoa) ou do Filho de Deus (a Pessoa) ou do Senhor (a Pessoa) que é Deus (atributo da natureza divina).
É errado dizer que Maria é mãe (ter uma mãe é atributo
da natureza humana) de Deus (atributo da natureza divina).
O correto é dizer que Jesus Cristo (a Pessoa) ou o
Filho de Deus (a Pessoa) ou o Senhor (a Pessoa) morreu (ser mortal é atributo da natureza humana) na
cruz.
É errado dizer Deus (atributo divino) morreu (atributo
humano) na cruz.
Dizer que Maria é mãe de Deus incorre no mesmo erro de dizer que Jesus Cristo homem era omnipresente ou omnisciente. Jesus Cristo homem denota a natureza humana de Cristo e não a Pessoa. O erro é o mesmo - predicar atributos da natureza humana na natureza divina e vice-versa. Mas nem tudo o que é verdade para uma natureza é verdade para a outra. É por isso que estas expressões que contém a palavra “Deus” predicada com atributos humanos soam terrivelmente mal e são metafisicamente incorretas.
«Nosso Senhor Jesus Cristo
era Deus e homem: como Deus não tinha mãe, como homem, sim. Maria era pois mãe
da carne dele, mãe da sua humanidade.» (Agostinho de Hipona, Tratados sobre o Evangelho de João, 8.8-9).