Pouco do que Vitorino de
Pettau escreveu chegou aos nossos dias. Mas ao que parece este antigo bispo fez
alguns comentários relevantes para a virgindade perpétua de Maria nos seus
escritos que não sobreviveram. Em resposta a Helvídio, que argumentou contra a
virgindade perpétua de Maria, Jerónimo comentou:
"Você, se sentindo
uma pessoa sem conhecimentos, usou Tertuliano como sua testemunha e citou as
palavras de Vitorino, bispo de Perávio. De Tertuliano não direi senão que não
pertenceu à Igreja. Mas com respeito a Vitorino, afirmo que já ficou provado
pelo Evangelho - que ele falou dos irmãos de Nosso Senhor não como sendo filhos
de Maria, mas irmãos no sentido que expliquei, ou seja, irmãos sob o ponto de
vista de parentesco, não de natureza. Estamos, contudo, desperdiçando nosso percurso com ninharias e deixando
a fonte da verdade, estamos seguindo insignificantes opiniões. Não poderíamos arrolar contra você toda a série de escritores antigos? Inácio,
Policarpo, Ireneu, Justino Mártir e muitos outros homens apostólicos e
eloquentes, que expuseram as mesmas explicações contra Ebião, Theodoto de Bizâncio
e Valentino, que escreveram volumes repletos de conhecimentos. Se você alguma vez
lesse o que eles escreveram, você se tornaria um homem sábio" (A Perpétua
Virgindade da Bem-Aventurada Maria, Contra Helvídio, 19).
Em quem devemos acreditar
em relação à opinião que Vitorino sustentava? Em Helvídio ou em Jerónimo? Haverá alguma maneira de discernir quem é mais credível? Haverá alguma razão
para preferir um lado ao outro? Eu penso que temos boas razões para confiar em
Helvídio em detrimento de Jerónimo sobre este assunto.
Em primeiro lugar, note-se
que a posição de Helvídio é mais moderada e razoável. Ele apenas cita dois
padres em apoio da sua oposição à virgindade perpétua de Maria, embora ele
pudesse ter avançado com mais do que esses dois. Em contraste, Jerónimo afirma
que "toda a série de escritores antigos" está do seu lado.
Aparentemente Helvídio estava a ser mais cuidadoso com o que alegava.
E muito do que Jerónimo
diz sobre os padres é impreciso. A sua desqualificação de Tertuliano é
inconsistente com o que fontes anteriores disseram sobre ele e o quão influente
ele foi durante o seu tempo e depois do seu tempo. Ver aqui. Tertuliano não
pode ser descartado tão facilmente como Jerónimo sugere. Mas, pior ainda,
nenhum dos padres referidos por Jerónimo defende a virgindade perpétua de Maria
nos seus escritos existentes, e não temos razão para pensar que algum deles a
defendeu em escritos que não existem mais. De facto, noutros lugares Jerónimo
apenas menciona os oito documentos de Inácio e Policarpo que temos hoje, o que
sugere que ele não tinha conhecimento de outros disponíveis na sua geração
(Vidas de Homens Ilustres, 16-7). Eusébio, escrevendo várias décadas antes de
Jerónimo, confirma que esses oito documentos era tudo o que havia sido
preservado de Inácio e Policarpo (História Eclesiástica, 3:36, 4:14). Mas nem
Inácio nem Policarpo defendem a virgindade perpétua de Maria em qualquer desses
escritos. E nos seus escritos existentes, Ireneu parece contradizer a
virgindade perpétua de Maria, em vez de afirmá-la (Eric Svendsen, Who Is My
Mother? [Amityville, New York: Calvary Press, 2001], 101-2). Portanto, Jerónimo não
só não demonstra a sua afirmação de que "toda a série de escritores
antigos" concorda com ele, como a sua alegação é manifestamente falsa em
relação a três dos quatro nomes que referiu e não comprovada em relação ao
quarto (Justino Mártir).
Além disso, Jerónimo tenta
descartar o que Helvídio cita de Vitorino, dizendo que ele interpreta Vitorino da
mesma maneira em que interpreta as passagens bíblicas citadas contra a
virgindade perpétua de Maria. Mas, uma vez que a opinião de Jerónimo sobre o
material bíblico é incorreta, a sua opinião sobre Vitorino fica enfraquecida
pelo seu reconhecimento de que aplica o mesmo tipo de raciocínio a Vitorino
para reconciliar os comentários de Vitorino com a virgindade perpétua de Maria.
E pode ter havido mais coisas nos escritos de Vitorino que eram problemáticas
para a posição de Jerónimo. Visto o quanto Jerónimo deturpou os outros padres, não
devemos assumir que o que ele disse sobre Vitorino é rigoroso. Mesmo que nos
limitássemos ao que Jerónimo aborda de Vitorino, o seu reconhecimento de que
aplica o mesmo tipo de raciocínio a Vitorino que aplicava à Bíblia é suficiente
para justificar o favorecimento de Helvídio sobre Jerónimo. Mas pode ter havido
ainda mais material contra a posição de Jerónimo em Vitorino do que aquilo que
ele reconhece.
J.N.D. Kelly resume alguns
dos problemas com a resposta de Jerónimo a Helvídio:
"A evidência do Novo
Testamento ainda é debatida, mas a grande maioria dos estudiosos críticos
concordam que a sua interpretação (de Helvídio), e não a de Jerónimo, é a
correta. Os esforços de Jerónimo para contornar o significado óbvio dos textos
são entendidos pela maioria das pessoas hoje como uma falácia da excepção, o
subproduto da sua pré-convicção de que as relações sexuais são impuras. A sua
lista de padres ortodoxos que o apoiariam era uma cortina de fumo desonesta
típica do seu estilo de debate; é duvidoso que tenha tido qualquer estreito
conhecimento dos escritores que listou, e ainda mais duvidoso é que eles tenham
sustentado as opiniões que ele atribuiu a eles" (Jerome [Peabody,
Massachusetts: Hendrickson Publishers, 2000], 106-7)
Kelly também aponta que a
opinião de Jerónimo sobre a virgindade perpétua de Maria mudou ao longo do
tempo, dado que ele inicialmente rejeitou a sua virgindade in partu, mas mais tarde a
aceitou (106 e n.10 em 106). Esse desenvolvimento dá-nos mais razão para
confiar em Helvídio do que em Jerónimo. Enquanto Jerónimo se retrata a si mesmo
como aquele que mantém a tradição universal ortodoxa defendendo a virgindade
perpétua de Maria, nós vemos a sua opinião sobre a virgindade in partu mudando
ao longo do tempo, acompanhando a maré crescente de ascetismo.
Em suma, no contexto da sua discussão sobre Vitorino, Helvídio parece ser mais cuidadoso, mais rigoroso e mais consistente do que Jerónimo. E a própria descrição de Jerónimo daquilo
que ele faz para reconciliar Vitorino com a sua posição dá-nos razão para
confiar mais na leitura que Helvídio faz de Vitorino do que na de Jerónimo.
Vitorino deve ser incluído na lista de padres que provavelmente negaram a
virgindade perpétua de Maria.
Jason Engwer