segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Quem eram os melhores eruditos em Trento, e o que eles pensavam dos apócrifos?


Para os católicos romanos, o Concílio de Trento fez o pronunciamento oficial sobre o cânon da Escritura, e nesse pronunciamento determinou que os apócrifos eram Sagrada Escritura. Que critério usou Trento para determinar que livros da Bíblia eram canónicos? Algumas das respostas que tenho obtido são, "Trento não determinou o cânon, ele simplesmente reafirmou o cânon", e "O Espírito Santo determinou o resultado de Trento pela Sua presença neste concílio infalível".

Gostaria de me debruçar um pouco na segunda resposta. Ora, é o Espírito Santo outra maneira de dizer "o voto da maioria"? Se assim for, donde é que este precedente vem? "O voto da maioria" vai contra a opinião dos melhores eruditos no Concílio de Trento? E se aqueles que eram considerados os melhores eruditos sobre o cânon no Concílio de Trento achavam que os livros apócrifos não eram Escritura?

Havia um grupo de eruditos no Concílio de Trento que estava bem informado sobre este assunto. Um em particular era o Cardeal Seripando. O historiador católico romano (e especialista sobre Trento) Hubert Jedin explicou que "ele estava alinhado com os líderes de uma minoria que era excecional pela sua erudição teológica" no Concílio de Trento.

Vale a pena citar Jedin na íntegra:

«[Seripando estava] Impressionado pelas dúvidas de São Jerónimo, Rufino, e São João Damasceno sobre os livros deuterocanónicos do Antigo Testamento, Seripando favoreceu uma distinção nos graus de autoridade dos livros do cânon Florentino. A autoridade máxima entre todos os livros do Antigo Testamento deve ser concedida àqueles que o próprio Cristo e os apóstolos citaram no Novo Testamento, especialmente os Salmos. Mas a regra de citação no Novo Testamento não indica a diferença de grau no sentido estrito da palavra, porque certos livros do Antigo Testamento não citados no Novo Testamento são iguais em autoridade àqueles citados. São Jerónimo fornece uma diferença real no grau de autoridade quando dá um lugar mais alto àqueles livros que são adequados para provar um dogma do que àqueles que são lidos apenas para edificação. Os primeiros, os livros protocanónicos, são “libri canonici et authentici”; Tobias, Judite, o Livro da Sabedoria, os livros de Esdras, Eclesiástico, os livros dos Macabeus, e Baruc são apenas “canonici et Ecclesiastici” e formam o canon morum em contraste com o canon fidei. Estes, Seripando diz nas palavras de São Jerónimo, são bons para a edificação do povo, mas eles não são autênticos, isto é, não suficientes para provar um dogma. Seripando enfatizou que apesar do cânon Florentino a questão de um duplo cânon ainda estava aberta e foi tratada como tal por homens cultos na Igreja. Sem dúvida que ele estava a pensar no Cardeal Caetano, que no seu comentário sobre a Epístola aos Hebreus aceitou a opinião de São Jerónimo que tinha tido apoiantes durante a Idade Média». 

Hubert Jedin, Papal Legate At The Council Of Trent (St Louis: B. Herder Book Co., 1947), pp. 270-271.

«Pela última vez [Seripando] expressou as suas dúvidas [ao Concílio de Trento] sobre a aceitação dos livros deuterocanónicos no cânon da fé. Juntamente com as tradições apostólicas os chamados cânones apostólicos foram aceites, e o octogésimo quinto cânone listava o livro de Sirach (Eclesiástico) como não-canónico. Ora, disse ele, seria contraditório aceitar, por um lado, as tradições apostólicas como o fundamento da fé e, por outro, rejeitar diretamente uma delas». 

Hubert Jedin, Papal Legate At The Council Of Trent (St Louis: B. Herder Book Co., 1947), p. 278. 

Jedin também documenta um grupo de excelentes eruditos que estavam contra a "tradição" ser colocada ao mesmo nível de autoridade da Escritura:

«Na sua oposição à aceitação do cânon Florentino e igualização de tradições com a Sagrada Escritura, Seripando não ficou sozinho. Na congregação particular de 23 de Março, o douto dominicano Bispo Bertano de Fano já tinha expressado a opinião de que a Sagrada Escritura possuía maior autoridade do que as tradições, porque as Escrituras eram imutáveis; que somente os infratores contra o cânon bíblico deviam ficar sob o anátema, não aqueles que negam o princípio da tradição; que seria lamentável se o Concílio se limitasse aos cânones apostólicos, porque os Protestantes diriam que a revogação de algumas destas tradições era arbitrária e representava um abuso ... Outro oponente determinado de colocar tradições em pé de igualdade com a Sagrada Escritura, assim como do anátema, foi o dominicano Nacchianti. O Servita geral defendeu a ideia de que todas as verdades evangélicas estavam contidas na Bíblia, e subscreveu o cânon de São Jerónimo, como fizeram também Madruzzo e Fonseca em 1 de Abril. Quando Seripando abandonou a sua opinião como uma causa perdida, Madruzzo, o geral Carmelita, e o bispo de Agde apoiavam o cânon limitado, e os bispos de Castellamare e Caorle apresentaram a relativa proposta para colocar os livros de Judite, Baruc, e Macabeus no "canon ecclesiae". Por tudo isto é evidente que Seripando não estava de modo nenhum sozinho nas suas opiniões. Na sua batalha pelo cânon de São Jerónimo e contra o anátema e a paridade de tradições com a Sagrada Escritura, ele estava alinhado com os líderes de uma minoria que era excecional pela sua erudição teológica.» 

Hubert Jedin, Papal Legate At The Council Of Trent (St Louis: B. Herder Book Co., 1947), pp. 281-282. 

James Swan

Em linha: http://www.aomin.org/aoblog/index.php/2007/12/28/who-was-one-of-the-best-scholars-at-trent-and-what-did-he-think-of-the-apocrypha/
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