Neste
dia, há 509 anos, morria Hanno, o elefante branco do papa Leão X.
Hanno
era um elefante-asiático albino, capturado na Índia e oferecido pelo rei D.
Manuel I de Portugal a Giovanni de’ Medici (papa Leão X) por ocasião da sua
coroação em 1514. Batizado em honra do general cartaginês Hanno, o animal tinha
cerca de quatro anos quando aportou em Roma, vindo de Lisboa num navio adornado
com bandeiras reais.
Quando a embaixada manuelina atravessou a cidade — um espetáculo que maravilhou os romanos — acompanhavam-na dois leopardos, uma pantera, papagaios multicoloridos, perus de plumagem rara e elegantes cavalos vindos da Índia. Hanno carregava às costas um palanque de prata, esculpido como um pequeno castelo, onde repousava um cofre com os presentes régios: mantos finamente bordados com pérolas e pedras preciosas e moedas de ouro cunhadas especialmente para a ocasião.
Em Roma, Hanno foi instalado inicialmente no pátio do Belvedere e depois transferido para um estábulo especialmente edificado entre a Basílica de São Pedro e o Palácio Apostólico. Tornou-se rapidamente o animal favorito da corte, participando em procissões e festas, exibições de “danças” e divertindo cardeais e romanos com jorros de água pela tromba.
As refeições de Hanno, que incluíam cana-de-açúcar, tâmaras e até vinho diluído, custavam à fazenda papal cerca de cem ducados mensais.
Dois
anos após a chegada, em junho de 1516, Hanno adoeceu de angina — agravada pelo
clima húmido da Cidade Eterna — e os médicos papais prescreveram-lhe um
purgante especial: laxantes enriquecidos com ouro em pó, acreditando nas
virtudes medicinais do metal precioso. O tratamento, longe de curá-lo, causou
complicações fatais, e o elefante morreu a 8 de junho de 1516, com o próprio papa ao seu lado.
Leão
X lamentou profundamente a perda e compôs um epitáfio que foi transcrito por
Francisco de Holanda; Rafael chegou a pintar um fresco-memorial que hoje se
perdeu. Hanno foi sepultado no Cortile del Belvedere e, pouco depois, inspirou
o panfleto satírico de Pietro Aretino, “A Última Vontade e Testamento do Elefante Hanno”,
onde o autor zombava dos príncipes e cardeais de Roma aproveitando-se da
história do paquiderme.
A
morte de Hanno não foi apenas um acontecimento exótico ou sentimental. À medida
que o século XVI avançava, a figura do elefante branco — majestosa, inútil e
tragicamente sacrificada em nome do luxo e da superstição — passou a ser
evocada por críticos da Igreja como um emblema da decadência clerical.
Apenas um ano depois da morte de Hanno, em 1517, Martinho Lutero afixaria as suas 95 teses na porta da Igreja do Castelo de Wittenberg, denunciando, entre outras coisas, a venda de indulgências e o desregramento da corte papal. O caso do elefante tornou-se, retroativamente, um símbolo pungente: o animal imperial morto pela vaidade, medicado com ouro enquanto o povo europeu se afundava em pobreza espiritual e material.
Referências Bibliográficas
Bedini,
Silvio A. The Pope’s
Elephant. Carcanet Press & Fundação Calouste Gulbenkian, 1997.
Aretino,
Pietro. A Última Vontade e
Testamento do Elefante Hanno
(panfleto satírico, c. 1516). RTP Editora, 2004 (ed. fac-símile).
Oliveira,
Maria Clara de. “Hanno: Representação de Poder na Arte Renascentista.”
Dissertação de Mestrado, Universidade do Porto, 2018.
Kinsey, Lisa. “Elephants as Diplomatic Gifts in the
Age of Discoveries.” Revista
de História Moderna,
vol. 27, 2018, pp. 45–68.
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