terça-feira, 28 de junho de 2022

«PARTO FORÇADO»

 

Abortistas por vezes rotulam a legislação pró-vida de "parto forçado" – como se houvesse algo inerentemente censurável nisso. Consideremos as variações dessa objeção. Qual é exatamente o princípio censurável?

i) A objeção é que ninguém deve ser forçado a fazer algo que não queira? Considere-se indivíduos que voluntariamente incorrem numa obrigação financeira, como usar um motel, um dentista ou um carro alugado. É errado se eles são "forçados" a pagar pelos bens e serviços que usaram? Isso dificilmente é plausível como um princípio geral.

ii) É a objeção de que ninguém tem direito ao uso do corpo de outra pessoa? Em caso afirmativo, considere-se alguns contra-exemplos: suponha-se que alguém numa cadeira de rodas precisa de ajuda para subir umas escadas. Estranhos têm a obrigação moral de ajudá-lo (ou ajudá-la). Nesse sentido, alguém pode reivindicar o uso do corpo de outra pessoa.

Da mesma forma, se uma criança cai num rio e está prestes a se afogar, estranhos que sabem nadar têm o dever de resgatar a criança. Mais uma vez, essa é uma reivindicação moral sobre o uso do corpo de outra pessoa.

Estes são exemplos muito limitados, mas demonstram que não se pode descartar por princípio que uma pessoa em necessidade tenha direito à agência física de outra pessoa.

iii) É a objeção de que, embora possamos ser forçados a fazer algo ou sofrer algo se isso for uma consequência de algo que consentimos, não podemos ser forçados a fazê-lo ou sofrer sem consentimento no início. Se assim é, o que dizer dos homens que são convocados para lutar na guerra? Isso é involuntário. Além disso, muitos deles morrem, ficam mutilados ou inválidos em decorrência do serviço militar. Certamente que isso é pelo menos tão traumático como uma vítima de violação dar à luz.

iv) A propósito (iii), é a objeção não ao "parto forçado" em geral, mas ao "parto forçado" no caso de vítimas de violação? É a objeção de que é grosseiramente injusto fazer vítimas de violação grávidas levarem a gravidez até ao fim.

Se sim, concordo que é injusto fazer uma vítima de violação passar por essa tribulação. No entanto, é possível que algo seja injusto, mas ainda assim seja um dever.

Suponha-se que uma vítima de violação está grávida já no sétimo mês de gestação e levar a gravidez até ao fim não representa um risco grave para a sua saúde física e psicológica. Não é algo que seja psicologicamente insuportável para ela dar à luz aquela criança. Qual é o mal menor? Matar o bebé de sete meses ou levar a gravidez até ao fim? Apesar de ser injusto engravidar como resultado de uma violação, numa situação destas certamente levar a gravidez até ao fim seria um dever.

Suponha-se que eu tenha um irmão adolescente que ficou deficiente num acidente de bicicleta causado por um motorista imprudente. É injusto que ele de repente precise de ajuda especial de mim. Eu tinha a minha vida planeada. Agora tenho que fazer ajustes e sacrificar os meus sonhos. Mas não decorre daí que eu não tenha a obrigação de ajudar o meu irmão deficiente, embora a situação tenha sido imposta a mim (na verdade, imposta a nós dois).

Suponha-se que a minha mulher me traia. Ela tem um filho de outro homem. Na época eu não sei do caso. Não sei que a criança não é minha.

Suponha-se que eu descubra numa data posterior. Suponha-se ainda que quando a criança faz cinco anos, a minha mulher deixa-me com a criança. Ela se divorcia de mim e vai morar com outro homem.

Estou "preso" com uma criança de quem não sou o pai. Isso é "injusto". Mas nesta fase, eu sou o único pai que a criança alguma vez conheceu. Seria psicologicamente prejudicial para a criança colocá-la para adoção aos cinco anos de idade. A criança lembra-me o caso da minha mulher. Devo retirar o meu amor da criança porque é injusto que eu tenha sido empurrado para esta situação? Certamente não!

v) Evidentemente, argumentos morais não têm força quando dirigidos a um niilista moral. Há pessoas que rejeitarão esses exemplos porque são niilistas. E essa é uma das coisas perigosas do ateísmo.

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