quarta-feira, 30 de junho de 2021

E se o Holocausto nunca tivesse acontecido?

 

Quando se fala do problema do mal, um clichê é invocar o Holocausto e perguntar onde estava Deus durante o Holocausto? Por que permitiu Deus o Holocausto?

Mas seria um mundo alternativo em que o Holocausto nunca aconteceu melhor do que o nosso mundo? Melhor em que aspecto? Melhor em todos os aspectos?

Um mundo no qual o Holocausto nunca tivesse acontecido teria um passado diferente e um futuro diferente. As condições históricas que levaram ao Holocausto não existiriam. E as consequências históricas do Holocausto não existiriam.

Mas, entre outras coisas, isso requer a eliminação de muitas pessoas do passado e a sua substituição por um conjunto diferente de pessoas. Da mesma forma, isso requer a eliminação de todas as pessoas que nasceram como resultado do Holocausto. De certa forma, isso seria um tipo diferente de Holocausto.

Isso seria melhor para as pessoas que nunca existiriam neste mundo alternativo? E se algumas delas estiverem perto de ter um futuro eterno de felicidade? Ao criar o mundo alternativo, Deus as priva dessa bênção incomparável.

Algumas coisas boas resultam de um mundo onde ocorreu o Holocausto que nunca resultariam sem o Holocausto. Portanto, um mundo em que o Holocausto ocorreu é melhor em alguns aspectos, mas pior em outros. Melhor para algumas pessoas, mas pior para outras.

Há inclusive judeus - muitos judeus - que beneficiaram do Holocausto. Há judeus que nasceram como resultado do Holocausto que nunca existiriam sem esse acontecimento horrível. Por exemplo, alguns sobreviventes do Holocausto casaram com pessoas que nunca teriam oportunidade de conhecer num mundo sem os deslocamentos do Holocausto.

Os melhores meios para um fim não tornam os meios bons em si mesmo. Como uma amputação para evitar a morte por gangrena.

Um mundo com o Holocausto não é o melhor mundo possível, porque o melhor mundo possível é uma impossibilidade lógica, mas é o melhor mundo possível para a realização dos propósitos de Deus.

quinta-feira, 24 de junho de 2021

Abortar o desenvolvimento de um corpo humano é moralmente irrelevante?

 

Definamos ser humano como a união corpo humano-mente humana. Um corpo humano incapaz de incorporar uma mente humana não é um ser humano, é apenas um corpo humano. Este é o caso de um feto humano nos seus estágios de desenvolvimento iniciais. Enquanto um cérebro capaz de “acoplar” uma mente não se desenvolve, um feto humano é um organismo/corpo humano mas não um ser humano.

Há quem defenda, então, que interromper o desenvolvimento de um corpo humano nos seus estágios iniciais é moralmente equiparável a destruir uma unha humana ou um cabelo humano. O facto de simplesmente ser “humano” não concede direitos morais a estas entidades. O que torna moralmente censurável matar um corpo humano é a existência de uma mente incorporada no corpo, porque nessa condição mata-se não apenas um corpo humano mas também um ser humano.

Mas destruir um corpo humano em desenvolvimento é moralmente equiparável a destruir outro material biológico humano? A resposta parece óbvia. É claro que não. Um corpo humano é uma das partes constituintes de um ser humano sem a qual o ser humano não existe. Interromper o seu desenvolvimento é abortar o processo de formação de um ser humano único. Não é como descartar uma unha ou cabelo humano. Um ser humano pode existir sem unhas ou cabelo mas não pode existir sem um corpo humano. 

Um ser humano não é só o seu corpo, mas é também o seu corpo. O corpo de um ser humano é sempre o mesmo desde o momento da sua conceção até que morre. Sem ele o ser humano não existe. Destruí-lo é destruir uma das partes constituintes de um ser humano. Como tal deve ter a sua integridade protegida. A sua destruição em qualquer momento da sua existência tem implicações morais óbvias.

Que se saiba uma árvore não tem mente, mas não é moralmente irrelevante matá-la. Ter uma mente é uma condição suficiente para um organismo/corpo não ser morto mas não é uma condição necessária. É preciso ter uma boa razão moral que justifique matar um organismo/corpo quer este tenha uma mente ou não. 

Um organismo vivo tem valor em si mesmo, é moralmente errado matá-lo gratuitamente.

Então, mesmo que concedamos que um feto humano nos seus estágios iniciais de desenvolvimento não é um ser humano, mas apenas um organismo/corpo humano, matá-lo (abortá-lo) continua a ser moralmente censurável na ausência de uma razão moralmente relevante que o justifique.

Nota

A definição de ser humano como uma "mente incorporada" pressupõe a existência de duas entidades ontologicamente independentes - o corpo e a mente. Não faz sentido para um fisicalista falar em "mente incorporada" quando a mente é o corpo. Se o cérebro produz a mente não há nada incorporado, há apenas um cérebro/corpo que produz um efeito. Assim, quando um fisicalista fala em "mente incorporada" é como se estivesse a falar em "bílis incorporada" ou "insulina incorporada". Puro nonsense. A emergência da mente provoca uma mudança de grau e não de género, de um ser humano sem mente para um ser humano com mente.

Ovos de águia não são águias. Bora destruir os ninhos...Ups

domingo, 6 de junho de 2021

NO BEM, NO MAL

 

Muitos cristãos assumem a posição de que Deus é responsável por todas as coisas boas que nos acontecem, mas não por nenhuma das coisas más que nos acontecem. Na verdade, a sua principal objeção ao calvinismo [N.d.T. isto é, que Deus preordena todas as coisas] é que o calvinismo torna Deus responsável pelas coisas más assim como pelas boas. Do seu ponto de vista, isso é evidentemente errado. Não conseguem pensar em coisa pior que se pudesse dizer sobre Deus. Não conseguem imaginar como alguns cristãos realmente acreditam nisso.

Uma vez que isso é tão óbvio para eles, não pensam duas vezes. Ou se pensam duas vezes, gastam o tempo a elaborar como isso seria indescritivelmente abominável. Nunca param para questionar a sua pressuposição.

Falando por mim, tenho exatamente o instinto oposto. É claro que acredito que Deus é responsável por tudo o que acontece. Mas suponhamos, para fins de argumentação, que eu tivesse uma escolha: ou Deus é apenas responsável pelas coisas boas que me acontecem ou ele é apenas responsável pelas coisas más que me acontecem.

Se tivesse que decidir, eu optaria pela alternativa "má". Se pudesse escolher, prefiro que Deus seja responsável pelas coisas más do que pelas coisas boas.

No que diz respeito às coisas boas, não tenho nada a temer. Nada a perder. Estou seguro. Elas não representam nenhuma ameaça para mim ou para as pessoas que amo. O bom é isento de riscos.

Mas o mal pode ferir-me. O mal pode ferir as pessoas que amo. No que diz respeito ao mal, eu teria tudo a temer, tudo a perder - a menos que Deus esteja por trás do mal. A menos que Deus limite o mal. A menos que o mal sirva um bem ulterior.

Se Deus é responsável pelo mal que se abate sobre mim ou as pessoas que amo, então não importa quão mau isso fique, nunca ficará tão mau quanto poderia. Nunca envolverá dano irreparável ou perda irremediável. Se Deus é responsável pelos males da minha vida, então há uma marca além da qual eles não passam. Se tudo, incluindo todos os eventos maus, se desenrola de acordo com o plano e a providência sábia e benéfica de Deus, então o mal não é um poço sem fundo. Não para os seus filhos.

Todo mal que se abate sobre mim como cristão, por mais horrível que seja, será um mal redimível. Há esperança. Há coisas boas à minha espera do outro lado da provação - nesta vida ou na próxima.

Muitos de nós chegamos a um ponto na vida, mais cedo ou mais tarde, em que a vida se fecha sobre nós. Onde, apesar dos nossos melhores esforços para evitá-lo, os nossos piores medos se tornam realidade. Por vezes, podemos vê-los a chegar e nos sentimos impotentes para impedi-lo. Esperamos e suplicamos para que se desviem no último momento, mas não se desviam.

Em vez de acordar de um pesadelo, acordamos para um pesadelo. Aquela sensação terrível de naufrágio. Saber que se está encurralado. Tudo que poderia dar errado deu errado. Todos os dados se alinham contra nós.

É em tempos como estes, enquanto nos agarramos a uma rocha fustigada pelo vento, que saber que Deus está por trás da nossa provação é uma fonte de esperança, força e consolação. Na verdade, a única fonte de esperança, força e consolação. Ao sabermos disso, sabemos que isso não é o fim. Isso não é o epitáfio. Se Deus está por trás disso, então Deus também está na frente disso. Para nos abençoar. Para nos fazer bem.

No bem e no mal. Mas não para o pior - mas para o melhor.

Steve Hays (1959-2020) 

What he lived by, he died by.

sexta-feira, 4 de junho de 2021

Lactâncio e a simplicidade das Escrituras

 

Lactâncio (ca. 240 — ca. 320), em Divinae Institutiones 5.1.15-18, escreveu ao imperador que os escritos sagrados dos cristãos (presumivelmente incluindo o AT e o NT) eram desprezados pelos eruditos do mundo secular porque eram verdadeiros e sem embelezamento e não se concentravam em agradar aos ouvidos dos ouvintes. Isso é relevante para tentativas de alegação que os Evangelhos teriam usado "artifícios composicionais" greco-romanos para mudar os factos e que o seu público não se importaria. Mas não somente não há evidências para sustentar a existência do género que os teóricos afirmam, como as Escrituras cristãs eram explicitamente conhecidas nos tempos antigos pela sua simplicidade e ausência de embelezamento retórico.

Este ponto encaixa-se com o que Paulo diz em 1 Coríntios. 1:26: “Considerai, pois, irmãos, a vossa vocação, que não são muitos os sábios segundo a carne, nem muitos os poderosos, nem muitos os nobres que são chamados...”. Ao longo desta passagem Paulo enfatiza que a eloquência de palavras é um "extra" na propagação do evangelho e que, em geral, o evangelho e o cristianismo estão associados à verdade franca da mensagem, em vez de a floreados retóricos.

quinta-feira, 3 de junho de 2021

O determinismo é autoderrotante?

 

Se a crença no determinismo foi determinada por fatores externos irracionais, então o determinismo minaria a crença no determinismo. Mas se a crença no determinismo foi determinada por um Deus racional, então isso não derrota a racionalidade da crença no determinismo.

Dizer “a razão pela qual se acredita no determinismo é simplesmente porque estava determinado a fazê-lo” é simplista e equívoco. Isso confunde a razão que se tem para acreditar no determinismo (ou seja, a coisa que torna o determinismo uma ideia persuasiva) com a razão pela qual algo acontece. A razão pela qual choveu hoje não é a mesma razão pela qual eu penso que choveu hoje. O facto de eu estar predeterminado a pensar que choveu hoje não implica que não tenha boas razões para pensar que choveu hoje. A diferença é clara.

Um agente determinado pode pesar os argumentos a favor e contra. Um agente determinado será predeterminado para pesar os argumentos a favor e contra. Não há nenhum motivo para assumir que um processo determinístico não pode fazer uso de boas razões para convencer um agente determinado de que o determinismo é verdadeiro.

Conselho amigável: Se alguém acha que o determinismo é autoderrotante não deverá confiar nos resultados das máquinas de calcular.

quarta-feira, 2 de junho de 2021

Catolicismo quântico

 

Alguns católicos lidam com o papa Francisco assumindo a posição de que, mesmo que ele seja um herege, isso não tem grande importância, desde que as suas opiniões heréticas sejam apenas um seu ponto de vista privado, e não um dogma.

Mas é claro que isso representa um dilema. E se Francisco oficializar as suas heresias? Então, elas deixam de ser heréticas. A heresia de ontem pode ser a ortodoxia de amanhã, enquanto a ortodoxia de ontem pode ser a heresia de amanhã.

O catolicismo é semelhante ao voluntarismo teológico nesse aspecto. De acordo com o voluntarismo, nada é intrinsecamente certo ou errado. Depende do ditame arbitrário de Deus.

No catolicismo, algo não é herético, a menos que seja oficialmente herético. É herético se um concílio ecuménico condenar.

O catolicismo é como o gato de Schrödinger, suspenso num estado de sobreposição onde está vivo e morto até que alguém abra a caixa e espreite para dentro.

Francisco é um herege até tornar a heresia oficial, momento em que se torna dogma.

terça-feira, 1 de junho de 2021

Alma imaterial e segunda lei da termodinâmica


Uma objeção levantada à existência de uma mente/alma imaterial é que a sua interação com o cérebro violaria a segunda lei da termodinâmica. Mas esta lei apenas se aplica a sistemas fechados e o cérebro ao interagir com uma mente/alma imaterial não é um sistema fechado por definição. Por isso, pode ter variações de entropia negativas sem violar nenhuma lei da física ou impossibilidade lógica. 

A objeção o que na verdade faz é assumir o fisicalismo para rejeitar uma posição não fisicalista. É simplesmente circular.

As leis da física, incluindo as da termodinâmica, governam processos naturais do universo físico. Descrevem um resultado natural de um contínuo de causas e efeitos físicos. Mas o universo físico não é um sistema fechado. Embora geralmente opere como tal, na verdade é um sistema aberto. Uma causação exterior não-física pode mudar o resultado natural previsto pelas leis da física.

Por exemplo, a causação mental pode alterar o estado físico de uma zona do meu cérebro previsto pelas leis da física. Se eu decidir mentalmente levantar o braço direito o estado físico do meu cérebro será um, se eu não decidir levantar o braço o estado físico será outro. Se não decidir levantar o braço o estado físico dessa zona do cérebro será o naturalmente previsto pelas leis da física.

Na cosmovisão bíblica, o universo físico não está fechado a causas não-físicas. Na verdade, é um palco para agentes pessoais (Deus, anjos, demónios, humanos). 
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...