A IRREDUZÍVEL COMPLEXIDADE DA VIDA
Num artigo publicado na revista Science
há mais de quatro décadas, Michael Polanyi chamava a atenção sobre a semelhança formal entre a
complexidade das máquinas feitas pelo homem e os processos vitais. Em ambos os casos,
existe uma diversidade de partes que interagem entre si.
"A estrutura das máquinas e o seu funcionamento é assim formado pelo
homem, embora os seus materiais e as forças que as operam obedeçam às leis da
natureza inanimada. Ao construir uma máquina e fornecê-la com energia,
aproveitamos as leis da natureza que trabalham no seu material e na energia que
a impulsiona e as fazemos servir o nosso propósito... Assim, a máquina em
conjunto funciona sob o controle de dois princípios diferentes. O superior é o
princípio do desenho da máquina, e este aproveita o inferior, que consiste nos
processos físico-químicos nos quais se baseia a máquina".
(Polanyi, M. Life´s irreducible structure. Science 160: 1308-1312, 1968;
página 1308).
São precisamente os limites
que a máquina impõe à forma em que nela podem operar as leis naturais o que a
torna útil. Igualmente, as leis naturais não suspendem as suas operações nos
sistemas biológicos, mas existe neles um princípio superior de organização que
aproveita estas leis. Assim, a existência dos ácidos nucleicos sem dúvida
obedece a leis químicas, mas neles encontra-se um vasto conteúdo de informação cuidadosamente
especificada que não poderia existir só pela operação das leis
químicas.
"Suponha-se que a estrutura real de uma molécula de DNA fora devida ao
facto das ligações entre as suas bases serem muito mais fortes do que seriam
para qualquer outra distribuição de bases; então tal molécula de DNA não teria
conteúdo informativo ... Podemos notar que tal é realmente o caso de uma
molécula comum. Uma vez que a sua estrutura ordenada é devida a um máximo de
estabilidade, correspondente a um mínimo de energia potencial, o seu
ordenamento carece da capacidade de funcionar como um código... À luz da atual
teoria da evolução, a estrutura codificada do DNA deve ser assumida como tendo
surgido por uma sequência de variações ao azar estabelecida por seleção
natural. Mas este aspecto evolutivo é irrelevante aqui; qualquer que seja a
origem de uma configuração de DNA, ela pode funcionar como código somente se a sua ordem não for devida às forças
da energia potencial... Vimos que a fisiologia interpreta o
organismo como uma complexa rede de mecanismos, e que um organismo é - como uma
máquina - um sistema sob controle dual. A sua estrutura é a de uma condição de
contorno que aproveita as substâncias físico-químicas do organismo, ao serviço
das funções fisiológicas ... E posso acrescentar que o DNA é tal tipo de
sistema, já que todo o sistema que traz informação está debaixo de controle
dual, pois qualquer sistema deste tipo restringe e ordena, ao serviço do
transporte da sua informação, recursos extensos de particulares que de outro
modo seriam abandonados ao azar, e portanto age como uma condição de
contorno"
(Polanyi, l.c., página 1309).
Precisamente, a investigação bioquímica encontrou, repetidamente, sistemas cuja
complexidade intrínseca e interdependência entre as suas partes desafia todo o
intento de imaginá-los como o produto de uma evolução gradual a partir de sistemas
mais simples.
A força deste argumento foi percebida por George C. Williams, um dos
originadores da teoria de seleção de genes popularizada por Richard Dawkins no
seu livro O gene egoísta. Não
obstante, Williams posteriormente declarou:
"Os biólogos evolucionistas não se deram conta de que trabalham com dois
domínios mais ou menos incomensuráveis: o da informação e o da matéria ...
Estes dois domínios nunca de forma alguma podem ser reunidos pelo que habitualmente
se designa por ‘reducionismo’ ... O gene é um bloco de informação, não um objeto.
O padrão de pares de bases numa molécula de DNA especifica o gene. Mas a
molécula de DNA é o meio, não a mensagem. Manter esta distinção entre o meio e
a mensagem é absolutamente indispensável para pensar com clareza acerca da
evolucão... Em biologia, quando você fala de coisas como genes, genótipos e
grupos de genes, está a falar acerca de informação, não de uma realidade física
objetiva".
(Entrevista em John
Brockman, Ed. The Third Culture: Beyond the Scientific Revolution. Simon & Schuster, New York, 1995, p. 42-43).
Quatro exemplos de sistemas
complexos
Poderia abundar-se em exemplos, mas nos limitaremos a citar alguns dos mais
óbvios. A propósito do desenvolvimento de órgãos complexos, menciono a
extraordinária complexidade da fotossensibilidade,
ou propriedade de certas células de responder à luz. Tal processo envolve uma
cadeia de reações catalizadas enzimaticamente, variações em concentrações de intermediários,
mudanças de permeabilidade iónica nas membranas, libertação de mensageiros
químicos e processos de recuperação.
Um segundo exemplo o constitui o mecanismo de transporte intracelular de proteínas. Quando uma
proteína é produzida, tem de ser colocada no sítio correto da célula. Este direcionamento
exige um complexo sistema de membranas, passos intermédios, enzimas e cofatores,
a maioria dos quais são imprescindíveis, de modo que o processo falha se faltar
ou estiver alterado um deles.
Outro exemplo o constitui o mecanismo de hemostasia, ou detenção da hemorragia
de uma ferida, através da coagulação
do sangue. Trata-se de uma cascata de reações que envolvem
precursores de enzimas, enzimas e cofatores. A falta ou alteração de um só
deles ocasiona, por exemplo, a hemofilia. Outros defeitos podem ocasionar o
transtorno oposto, uma excessiva coagulabilidade do sangue, de graves
consequências. Em consequência, a coagulação deve ser precisamente regulada
tanto para que o sangue coagule quando isso é favorável ao organismo, como para
que não coagule quando isso é prejudicial.
Um quarto exemplo o constitui o sistema
imunitário, com a sua capacidade de produzir anticorpos contra
substâncias estranhas (antígenos) com a consequente destruição, através de
outra cascata enzimática chamada complemento, das células estranhas ao
organismo. De novo, é essencial que o organismo possua mecanismos de defesa
contra as infeções, mas ao mesmo tempo é vital que tais mecanismos não reajam
contra as próprias células do hóspede.
Estes últimos dois sistemas, da coagulação e do complemento caracterizam-se
portanto, além da sua complexidade, pela necessidade
de uma rigorosa regulação que impeça a sua ativação em
condições inapropriadas. Tanto a ativação do mecanismo da coagulação como a de
mecanismos imunológicos são imprescindíveis para conservar a vida, mas podem
pô-la em perigo se não forem cuidadosamente regulados.
Chamativamente, não existem explicações adequadas, no quadro neodarwinista,
sobre a aparição destes sistemas; a sua existência não pode negar-se, mas o
modo em que vieram à existência não está de todo claro. Como sublinha
Michael Behe:
"A impotência da teoria darwinista para dar conta das bases moleculares da
vida é evidente não só das análises deste livro, mas também da ausência
completa, na literatura científica profissional, de quaisquer modelos detalhados pelos quais
poderão ter-se produzido sistemas bioquímicos complexos...
Perante a enorme complexidade que a moderna bioquímica descobriu na célula, a
comunidade científica está paralisada. Ninguém na Universidade de Harvard,
ninguém nos Institutos Nacionais de Saúde, nenhum membro da Academia de
Ciências, nenhum ganhador do prémio Nobel - ninguém em absoluto consegue dar um
relato detalhado de como o cílio [complexo órgão motor], ou a visão, ou a
coagulação do sangue, ou qualquer processo bioquímico complexo pode ter-se
desenvolvido ao modo darwiniano. Mas estamos aqui. As plantas e os animais
estão aqui. Os sistemas complexos estão aqui. Todas estas coisas chegaram aqui
de alguma maneira; se não ao modo darwiniano, como?" (Behe MJ. Darwin's Black Box. The
biochemical challenge to evolution New York, The Free Press, 1996; página 187).
Desenho sem desenhador?
O argumento do desenho, de longa data, foi apresentado nos tempos modernos por
William Paley na sua Teologia Natural e foi ridicularizado por décadas
pelos partidários do dogma evolutivo. Talvez a mais conhecida tentativa seja a
de Richard Dawkins no seu O relojoeiro cego. Este cientista britânico
explica que pode considerar-se um ateu intelectualmente satisfeito graças a
Darwin e define a biologia como o estudo de coisas complicadas que dão a
impressão, ou melhor criam a ilusão, de terem sido criadas com um propósito.
"O problema do biólogo é o problema da complexidade. O biólogo tenta
explicar o funcionamento, e o início da existência, de coisas complexas em
termos de coisas mais simples...
A seleção natural é o relojoeiro cego, cego porque não pode ver o que há por
diante, não planeja as consequências, não tem propósito em vista. No entanto,
os resultados vivos da seleção natural nos impressionam avassaladoramente com a
aparência de desenho e planificação"
(Richard Dawkins, The Blind Watchmaker, 3rd Ed. W.W. Norton, New York,
1996, página 15,21)
Paley defendia a noção de desenho com base na presumida perfeição da criação, e os seus
adversários foram capazes de assinalar muitas imperfeições, verdadeiras ou
supostas. No entanto, a noção
de desenho não traz implícita a ideia de perfeição. Podemos
perceber desenho quando num sistema ou objeto se deteta uma disposição
deliberada, significativa e inteligente das suas partes. Uma tosca ferramenta
neolítica é considerada prova de desenho inteligente em arqueologia. Além disso,
deve sublinhar-se que a ideia
de desenho inteligente não contradiz de modo algum a operação das leis naturais,
nem nos diz nada diretamente sobre a identidade do desenhador.
A deteção de desenho inteligente é usada
continuamente pelos arqueólogos para a deteção de restos de atividade
humana. Mais ainda, se projetos como o da "deteção de inteligência
extraterrestre" (SETI) detetasse uma
mensagem (informação) proveniente do espaço exterior, por mais
simples que esta fosse, isso seria considerado evidência em favor da existência de inteligência
extraterrestre. De igual modo, é difícil evitar a conclusão de que a deteção de
desenho inteligente nos sistemas biológicos implica que, conforme a nossa
experiência, a ideia
de um desenhador está longe de ser absurda, ainda que não soubéssemos
nada acerca da sua identidade. De facto, fora da biologia tal como esta é
entendida pelos neodarwinistas, a existência de um verdadeiro desenho não
explicável pela simples operação de forças físicas é considerada evidência irrefutável da
existência de um desenhador inteligente.
É a seleção natural um
fracasso?
A crítica anterior sobre a validade da seleção natural como mecanismo da
evolução não implica de modo algum negar a realidade da seleção natural; mas
salienta que é altamente
improvável que tal mecanismo possa ser responsável pela
diversidade de espécies.
A seleção natural parece ser um importante mecanismo na microevolução. Um exemplo
famoso é o das populações da chamada borboleta do abedul (Biston betularia).
Este inseto é normalmente de cor clara, embora ocasionalmente surgem, por
mutação, exemplares escuros. Antigamente tais exemplares escuros eram
eliminados rapidamente pelos predadores, pois a sua cor os tornava muito
visíveis sobre o tronco das árvores. Quando a revolução industrial em
Inglaterra fez que as árvores se escurecessem pela fuligem, a população de Biston
tornou-se predominantemente escura. Em tempos recentes, as medidas ecológicas
clarificaram os troncos, e os insetos claros voltaram a predominar.
É importante observar 1) que havia borboletas claras e escuras durante todo o período, e até hoje e 2)
que o predomínio de uns exemplares ou outros não envolve o surgimento de uma nova espécie.
Apesar disso, muitos pensam que estes mecanismos seletivos são similares aos envolvidos
na especiação. No entanto, o que é
verdade numa escala não necessariamente o é em outra. Por
exemplo, a temperaturas de muitos milhares de graus, como as existentes no
interior das estrelas, produzem-se reações termonucleares. Os fenómenos de
combustão também elevam a temperatura. No entanto, não se podem produzir reações
termonucleares com um fogareiro ou um forno de padaria. A escala é muito diferente. O
facto da seleção natural modificar o equilíbrio de populações, por exemplo, de
bactérias resistentes a um antibiótico, não implica que possa transformar umas
espécies em outras, nem que seja o mecanismo responsável pela fantástica
diversidade dos seres vivos.
De facto, ainda que não o digam nos seus tratamentos do tema dirigidos à
opinião pública, a comunidade científica evolucionista está dolorosamente
consciente destes problemas.
"Passou aproximadamente meio século desde que foi formulada a síntese
neodarwiniana. Realizou-se muita investigação dentro do paradigma que ela
define. No entanto, os êxitos da teoria limitam-se às minúcias da evolução, como
mudanças adaptativas na cor das borboletas; ao passo que tem notavelmente pouco
que dizer sobre as perguntas que nos interessam mais, como por exemplo, de como
chegou a haver borboletas em primeiro lugar" (Ho, M.W.; Saunders, P.
Beyond Neo-Darwinism - An epigenetic approach to evolution. Journal of
Theoretical Biology 78: 589, 1979).
Os artrópodes, invertebrados de patas articuladas que incluem crustáceos, quelicerados,
miriápodes e insetos, constituem mais de metade de todas as espécies
conhecidas. No entanto,
"...para lá desta rudimentar taxonomia, há pouco acordo sobre como se
relacionam os artrópodes, existentes e extintos ... Permanece a pergunta evolucionista
central: Como, em termos tanto de padrão como de processo, veio à existência a
incomparável diversidade e persistência dos artrópodes? ... Os estudos de
morfologia e embriologia comparativa somente polarizaram ainda mais o
debate... por agora, os dados moleculares são muito escassos, e a
diversificação demasiado rápida e antiga para permitir a reconstrução de
filogenias não ambíguas... Mesmo se a filogenia historicamente correta pudesse
ser decifrada..., só teríamos a metade de uma resposta à pergunta evolucionista
central. Permaneceria o desafio de reconciliar o padrão filogenético com o
processo evolutivo".
(Grosberg, R.K.: Out on a limb: Arthropod origins. Science 250: 632-633, 1990; ver também
Lemarchand, F. Les premiers insectes. La Recherche
296: 85, Mar. 1997).