terça-feira, 7 de novembro de 2017

Fé na Bíblia ou fé cega no Magistério?


A Igreja Católica Romana está dividida entre o Magistério, constituído pelo clero, principalmente o Papa e os bispos em comunhão com ele, e os Leigos que são os crentes comuns. Os Leigos estão obrigados a acreditar no que o Magistério ensina, porque o Magistério é considerado a voz autorizada da verdade. Esta situação cria uma bizarria epistemológica na relação entre Leigos e Magistério, uma vez que o leigo vê os ensinos do Magistério como leis a ser obedecidas juridicamente.

Em questões do âmbito da «verdade» isto redunda no absurdo de para um leigo a verdade ser estabelecida «por decreto» do Magistério. Os Leigos estão como num estado niilista. A única forma de chegarem ao conhecimento de uma verdade de fé e moral é através do ensino do Magistério.

No caso particular da Bíblia é comum os leigos católicos, mais aqueles doutrinados pelos sites de apologética católica, dizerem que acreditam na Bíblia porque a “Igreja”, leia-se Magistério Romano, manda acreditar na Bíblia, ou que acreditam na inspiração da Bíblia porque o Magistério diz que os livros da Bíblia são inspirados, só e apenas por isto. Na cosmovisão de um leigo não há outra forma de dar crédito à Bíblia ou de saber que a Bíblia é inspirada por Deus a não ser «por decreto» do Magistério. Ou seja, a confiabilidade e a inspiração da Bíblia é estabelecida «por decreto», não interessa se o Magistério tem bons ou maus argumentos, aliás, está fora do alcance do leigo ajuizar se os argumentos do Magistério são bons ou maus.  

Por exemplo, este católico, com quem tive um breve diálogo, além de se ter suicidado epistemologicamente à segunda mensagem, nem sabe que o fundamento do seu Magistério para ensinar que os livros da Bíblia são sagrados e canónicos, é porque os considera inspirados por Deus. Para ele, os livros da Bíblia são sagrados e canónicos, porque simplesmente o Magistério diz que são. E, na verdade, para o leigo católico o fundamento que o Magistério possa ter para ensinar uma doutrina é irrelevante. O que conta é o «ditame» do Magistério. Não é por acaso que acreditam em coisas tão infundadas como a imaculada conceição, a transubstanciação, ou a infalibilidade papal.  

Estamos, portanto, perante uma situação epistemologicamente bizarra que conduz a uma equivocada visão do que é a Bíblia por parte do leigo.

A Bíblia não é um documento legal emitido por uma autoridade eclesiástica, que confere «por decreto» autoridade àqueles determinados livros que doutra forma não a teriam, e a que se tem que obedecer por força de lei.

A Bíblia são relatos históricos, ensinamentos e testemunhos de vários autores transmitidos ao longo de gerações que nós recebemos e aos quais podemos dar crédito ou não - sim, podemos, a razão e os sentidos ajudam-nos a discernir a verdade e a dar passos de fé plausíveis, o niilismo filosófico não é cristão. Uma vez dado crédito ao conteúdo da Bíblia, segue-se logicamente que temos de considerá-la como inspirada por Deus, porque ela mesma reclama ser de origem divina. A seguir, a experiência pessoal e o testemunho do Espírito Santo no crente também lhe confirmam a sua inspiração divina.

Na vida real podemos observar que quando uma pessoa recebe uma Bíblia, ela vai considerá-la autorizada ou não, na medida em que achar o seu conteúdo confiável, e segundo o que ela vai experimentar através dela na sua vida, e não porque um grupo qualquer no passado, que ela nem conhece, «decretou» que a Bíblia tem autoridade e é inspirada por Deus. Seria realmente absurdo que tal pessoa acreditasse que a Bíblia tem autoridade e é inspirada por Deus só e por este motivo. Implicaria acreditar que a verdade se estabelece «por decreto».

Portanto, para o crente na Bíblia, ela tem uma autoridade intrínseca que vem do seu autor e não depende de sanção humana em geral nem eclesiástica em particular.

Em suma, a autoridade da Bíblia é independente da autoridade da Igreja. Ser verdadeira é a única condição necessária e suficiente para a Bíblia ter autoridade. É a verdade que é autoritativa e obriga.

Os cristãos confessam a Bíblia, exercem fé nela e proclamam a sua verdade, não obedecem ex nihilo a um magistério eclesiástico autocrático.

31 comentários:

  1. Acredito que o argumento do magistério é auto-refutável em dois aspectos:

    (1) Como o católico falível pode conhecer que (a) há um magistério infalível e (b) qual dos candidatos é o verdadeiro magistério. Você bem argumentou sobre esse primeiro ponto no seu artigo, a qual concordo integralmente;

    (2) Além disso, os católicos precisam interpretar falivelmente as declarações do magistério. Eu tratei desse problema no meu último artigo:

    http://respostascristas.blogspot.com.br/2017/11/o-magisterio-da-igreja-romana-e.html

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  2. A epistemologia infalibilista eclesiástica é uma bomba atómica que destrói tudo à sua volta, porque o magistério infalível não é um dado a priori.

    Ele precisa ser validado a posteriori por humanos falíveis, logo o seu conhecimento nunca é infalível, e nunca se obtém conhecimento infalível através dele. Se só é válido conhecimento infalível segue-se que não podemos ter qualquer conhecimento válido. É o niilismo absoluto :)

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  3. O que é espantoso para mim é que mesmo católicos inteligentes e com algum treinamento filosófico usam esse tipo de argumento. A única explicação que encontro é que esse pessoal é mais antiprotestante do que católico. Eles estão dispostos a "refutar" o protestantismo, ainda que refutem por tabela o catolicismo.

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    1. Um fenómeno semelhante é a diminuição do valor da Bíblia, da sua suficiência e o aumento do valor da "Igreja", para as pessoas dependerem cada vez mais da "Igreja".

      Como se a "Igreja" fosse uma verdade a priori, que subsistisse por si mesma, e não dependesse da Bíblia.

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  4. Conhece aquela história do rei que vai nu mas toda a gente vê e admira o seu traje esplêndido? Eu acho que esta história é uma metáfora do catolicismo.

    Também é certo que muita gente que se confessa católica não o faz porque acredita na doutrina católica como ela é na sua totalidade. Nem sequer a conhece.

    Nos países maioritariamente católicos, muitos é por conveniência profissional, ser católico dá um estatuto que juntamente com as universidades católicas permite, por exemplo, a professores, filósofos, e teólogos ter uma carreira que doutra forma não teriam.

    Outros é por causa da ideologia política e social associada ao catolicismo. Não precisam de acreditar na infalibilidade papal ou no purgatório. Desde que não ponham em causa a instituição está tudo bem.

    Dificilmente uma pessoa instruída é católica porque acredita piamente em toda a doutrina do catolicismo. Acho que nem o papa leva a sério tudo o que o catolicismo prega.

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  5. Claro que a metáfora do rei que vai nu não se aplica apenas ao catolicismo.

    Há muitas denominações evangélicas, a começar por algumas que descendem historicamente da reforma protestante, onde o rei além de ir nu não tem "género" definido. Onde antes de tudo, estão os interesses da instituição eclesiástica, o seu estatuto social, as suas receitas financeiras, onde habitam profissionais da religião que fazem de tudo para manter o emprego e a carreira, denominações cheias de doutores e mercenários que vivem da religião, que estão prontos a vender a verdade do Evangelho por um prato de lentilhas.

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  6. Mas os cristãos primitivos não acreditavam que a eucaristia era literalmente o corpo e sangue de Jesus,eles e não eram acusados de canibalismo pelos outros,e a imagem na catacumba do cálice,do pão e do peixe que era símbolo de Jesus,o que você acha?

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    1. Se os cristãos primitivos acreditassem que a eucaristia era literalmente o corpo e sangue de Jesus então seriam acusados com razão de canibalismo. Mas quem entendia erradamente que a eucaristia era literalmente o corpo e sangue de Jesus eram os pagãos e por isso acusavam os cristãos de canibalismo injustamente.

      Quanto à imagem na catacumba acho que quem a desenhou tinha jeito para as artes gráficas.

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  7. O que você acha também sobre a a igreja ter construído a civilização ocidental?

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    1. O que seria a civilização ocidental? Se incluir nela a Grécia Antiga e o Império Romano então as origens da civilização ocidental remontam a uma época que é anterior ao surgimento do próprio cristianismo.

      Por outro lado, a questão não é digna de alguém civilizado porque é ridícula. Uma civilização não é construída por uma única entidade. A construção de uma civilização é um longo processo histórico com múltiplos fatores envolvidos e muitas influências. Quando muito a igreja faria parte dessa "civilização ocidental".

      A única coisa que a igreja construiu foi uma estrutura de poder com o aparelho estatal do império e das nações, que no Ocidente chegou a tal ponto que lhe permitiu fundar um estado independente próprio - ou seja canabalizou o próprio estado.

      Provavelmente você ia preferir viver na Grécia antiga ou no Império Romano do que na Europa Ocidental dos séculos V ao XVI.

      O mundo hoje no Ocidente não seria muito diferente se a Igreja não tivesse adquirido o poder que adquiriu. A "cristandade" sim, mas o mundo não.

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    2. A propósito de civilização

      https://criticanarede.com/lds_roma2.html

      A assimilação do cristianismo por parte do Império Romano, ao contrário do que se possa pensar, não elevou os padrões éticos do Estado e dos seus líderes. Pelo contrário, coincidiu com uma degenerescência dos mesmos.

      Esta ideia de que a nossa doutrina ou "cosmovisão" religiosa constrói civilizações fantásticas é totalmente estranha à letra e ao espírito do cristianismo conforme revelado no NT.

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  8. Vc leu o livro "como a igreja católica construiu a civilização ocidental"?

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    1. Não. Pelo título vê-se logo que é uma peça de propaganda romanista para manipular as pessoas ideologicamente com fins mais terrenos e carnais do que celestiais e espirituais.

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    2. Acho melhor lê o livro primeiro antes, analizar os argumentos,ele refuta os mitos sobre a idade média e etc.

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    3. Há livros que basta analisar a capa para se perceber todo o conteúdo. O único mito que existe é que há mitos sobre a idade média.

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    4. Há cara,fala sério,isso e desculpa por não poder conseguir refutar os argumentos do autor.

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  9. O que você acha do argumento de que a igreja católica nos deu a bíblia?

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    1. A mim ninguém me deu a bíblia, tive que a comprar.

      Há uns anos os Gideões internacionais deram-me uma, mas era só o NT e os salmos e provérbios.

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    1. Concordo mas Deus não disse quais livros eram autenticos durou algum tempo para a igreja discernir e definir o canô,Deus é o autor mas ele usou a sua igreja que é guiada pelo Espírito santo.

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    2. A ação de discernir não é compatível simultaneamente com a ação de definir. Ou é uma coisa ou é outra.

      O que a Igreja universal fez e faz continuamente é discernir ou reconhecer o cânon dos livros inspirados.

      Mas a Igreja universal é constituída por várias igrejas locais e pode acontecer que o discernimento de uma igreja local não coincida exatamente com o dessa mesma igreja ou de outra igreja em períodos temporais diferentes.

      Por exemplo, a Igreja de Roma num determinado período não reconhecia a carta aos hebreus no cânon e hoje reconhece.

      Embora a tendência é para que haja um consenso alargado sobre o cânon entre as igrejas locais.

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    3. Como a verdade no catolicismo se estabelece por decreto, há leigos católicos que quando falam com alguém que está fora do paradigma acham que essa pessoa não pode saber nada senão obedecendo aos decretos da instituição romana. Não compreendem que a verdade pode ser alcançada de outra forma.

      Tu não podes saber o cânon!!!, foi a minha igreja que o decretou!!!, tens que obedecer a ela!!!

      Faz lembrar a expressão de Galileu depois de ter sido obrigado a negar que a terra se movia em volta do sol, porque estava decretado que a terra era imóvel.

      Eppur si muove...

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    4. http://logosapologetica.com/entender-caso-galileu/#axzz59rjLJD5j

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    5. http://www.veritatis.com.br/refutacao-ao-artigo-a-igreja-catolica-definiu-o-canon/

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    6. Espero que tenha lido o artigo.

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    7. É claro que a evidência que Galileu tinha de que a terra girava em torno do sol era muito mais fraca que a evidência de que a terra era imóvel. Nem sequer uma foto de satélite tinha. As equações matemáticas e as observações telescópicas da Igreja refutavam completamente Galileu. Aliás, as leis físicas e a matemática do universo no tempo de Galileu não eram como as de hoje. No tempo de Galileu 1+1 era igual a 3. Até que houve um acidente cósmico que mudou a matemática e as leis da física universal e finalmente todos puderam perceber que a terra se movia.

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    8. Esse artigo do site Veritatis Splendor é cómico. O autor põe-se a tentar refutar o que está escrito na New Catholic Encyclopedia pensando que é um texto de Webster.

      Diz que mente e equivoca-se com uma constância de assustar, mas o conteúdo é da New Catholic Encyclopedia :-)))

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    9. FILOSOFIA DA CIÊNCIA

      Ah e tal, mas a teoria de Galileu não estava provada - no sentido de indiscutível, infalível. Óbvio que não. Nenhuma teoria cientifica pode ser provada com essa qualidade. As teorias científicas podem ser falsificadas mas nunca provadas. Não há nenhuma afirmação cientifica sobre a realidade que seja infalível.

      Ah e tal mas a evidência não falsificava o geocentrismo. A evidência hoje também não falsifica a teoria de que a gravidade é uma força produzida por uma civilização alienígena de outro universo que comanda o nosso universo.

      A questão não é qual teoria está provada e qual é compatível com a evidência mas qual a mais plausível segundo a evidência disponível num dado momento.

      O heliocentrismo não estava provado nem falsificado e o geocentrismo também não estava provado nem falsificado. Mas o heliocentrismo no tempo de Galileu era a teoria mais plausível segundo a evidência disponível, e a atitude mais racional e sensata é seguir o caminho mais plausível e não decretar uma "verdade" como imutável. É assim que funciona a ciência.

      Entretanto, o geocentrismo nos séculos seguintes foi falsificado com novos dados e o heliocentrismo manteve-se como a teoria mais plausível. Mas também como no tempo de Galileu hoje não está provado no sentido de ser uma afirmação infalível sobre a realidade, nem é que não hajam outras teorias não falsificadas pela evidência. Simplesmente é a teoria mais plausível.

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    10. É por isso que sem fé não se pode fazer ciência :)

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