sábado, 1 de outubro de 2011

Tertuliano contra a virgindade in partu e post partum de Maria


Em Sobre a monogamia, 8, Tertuliano, primeiro fala da dignidade de Zacarias e de João, que baptizou Cristo e depois continua:

Pois quem era mais digno de realizar o rito iniciático sobre o corpo do Senhor, do que carne semelhante em tipo àquela que concebeu e deu à luz esse [corpo]? E na verdade era uma virgem, prestes a casar-se uma vez por todas depois do seu parto, que deu à luz Cristo, para que cada título de santidade pudesse cumprir-se na parentela de Cristo, por meio de uma mãe que era tanto virgem, como esposa de um só marido. 

O tratado de Tertuliano Sobre a Monogamia opõe-se tanto aos que proíbem casar como aos que promovem a poligamia. Tertuliano defende a monogamia; é disso que se trata a obra. Tendo discutido os ensinos heréticos e a situação do Antigo Testamento, avança sobre os exemplos do Evangelho, entre os quais destaca a monogamia de Maria. A seguir apresenta os ensinos do Senhor e os de Paulo. O texto respeitante a Maria diz-nos que ela foi tanto uma virgem (ao conceber Jesus) como a esposa de um só marido (depois de dar à luz Jesus). A inferência óbvia é que se refere ao texto evangélico de Mateus 1:25, "e não a conheceu até que ela deu à luz um filho; e pôs-lhe o nome de Jesus". Em outras palavras, o matrimónio não se consumou até depois do parto.

Este sentido é o único compatível com o facto de Tertuliano ter insistido repetidamente que Jesus tinha irmãos.

«Quem é minha mãe e meus irmãos? ... Ele estava justamente indignado de que pessoas tão próximas d`Ele «permanecessem fora», enquanto uns estranhos estivessem dentro aferrando-se às Suas palavras. Isto é particularmente assim dado que sua mãe e seus irmãos desejavam apartá-lo da obra solene que tinha entre mãos. Mais que negá-los, Ele os desautorizou. Portanto, à pergunta prévia, «Quem é minha mãe, e quem são meus irmãos?» acrescentou a resposta: «Ninguém senão os que ouvem as minhas palavras e as praticam». Deste modo transferiu os nomes das relações consanguíneas a outros que considerava mais estreitamente relacionados com Ele por causa da fé deles... Não é surpreendente que preferisse gente de fé aos seus próprios parentes, que não possuíam tal fé.

(Contra Marcião IV, 19).

Ver também

Sobre a Carne de Cristo 7
Sobre o Véu das Virgens 6
Sobre o pudor 6

Pode ler-se online em 

http://www.ccel.org/fathers2/

Além disso, Tertuliano defende tenazmente a noção de um parto normal do Senhor, em particular nos escritos contra Marcião e outros gnósticos. Por exemplo:

Vem, então, reúne as tuas cavilações contra as mais sagradas e reverendas obras da natureza ... destrói a origem da carne e da vida; chama ao ventre um esgoto do ilustre animal ... espraia-te nas impuras e vergonhosas torturas do parto ... Mas no entanto, depois de teres rebaixado todas estas coisas até à infâmia, que possas afirmar que são indignas de Deus, o nascimento não será pior para ele [Jesus] do que a morte, a infância do que a cruz, o castigo do que a natureza, a condenação do que a carne. Se Cristo realmente sofreu tudo isto, nascer era uma coisa menor para ele... Portanto, se ele deve ser considerado na carne, porque nasceu; e nascido, porque Ele está na carne, e porque não é um fantasma – segue-se que Ele deve ser reconhecido como o verdadeiro Cristo do Criador, que foi anunciado pelos profetas do Criador como prestes a vir na carne, e pelo processo do nascimento humano.

Contra Marcião 3:11

Ver também 4:21

Em Sobre a carne de Cristo, e contra o ensino dos hereges do seu tempo, diz Tertuliano:

Ela que pariu, pariu; e embora fosse uma virgem quando concebeu, era uma esposa (nupsit) quando deu à luz a seu filho. Ora, como uma esposa, ela estava debaixo da lei da "abertura do ventre", pelo que era completamente irrelevante se o nascimento do varão foi por causa da cooperação do marido ou não; foi o mesmo sexo [o varão] que abriu o seu ventre. Na verdade, seu é o ventre por causa do qual está escrito de outros também: "Todo varão que abra o ventre será chamado santo para o Senhor". Pois, quem é realmente santo senão o Filho de Deus? Quem abriu propriamente o ventre senão Aquele que abriu um que estava fechado? Mas é o matrimónio que abre o ventre em todos os casos. O ventre da virgem, portanto, foi especialmente aberto, porque estava especialmente fechado. Na verdade, ela devia ser chamada não (simplesmente) uma virgem, mas uma virgem tornando-se uma mãe num pulo, por assim dizer, antes de ser uma esposa. E que mais deve dizer-se sobre este ponto? Já que foi neste sentido que o apóstolo declarou que o Filho de Deus nasceu, não de uma virgem, mas "de uma mulher", ele em tal afirmação reconheceu a condição do "ventre aberto" que tem lugar no matrimónio.

De carne Christi, 23

O mariólogo, Philip J. Donnelly, S.I., observa que embora Tertuliano defenda a concepção virginal, "é incansável em defender que o nascimento de Cristo foi inteiramente normal e em descrever Maria como mãe de vários filhos depois do nascimento de Cristo".

(Mariología, Ed. J.E. Carol. Trad. Cast. Madrid: BAC, 1964, p. 657).

Portanto, Tertuliano não sustentou o que a Igreja Católica ensina hoje dogmaticamente sobre a virgindade perpétua de Maria. Ensinou explicitamente contra a virgindade de Maria depois do parto e, à semelhança de Orígenes, não sustentou a virgindade durante o parto. Esta era no seu tempo uma doutrina própria dos hereges....


3 comentários:

  1. Pode citar alguma referência de algum outro pai da igreja contra a virgindade post partum de Maria?
    Alguma referência de Hegesipo, Ireneu, Eusébio, que mostram serem contra essa doutrina? Muito obrigado!

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  2. Pode encontrar as referências de Hegésipo, Josefo, além dos autores dos evangelhos e Paulo contra a virgindade post partum de Maria nesta página:

    http://conhecereis-a-verdade.blogspot.pt/2009/11/os-irmaos-de-jesus.html

    De Ireneu já coloquei noutro post, e transcrevo agora para aqui:

    IRENEU DE LYON E A VIRGINDADE PERPÉTUA DE MARIA

    O mariólogo J.B. Carol afirma:

    «Mas a penetração maravilhosa de Santo Ireneu na concepção virginal de Cristo levou-o a esclarecimentos adicionais relativos à virgindade de Nossa Senhora? Infelizmente, não, pelo menos de acordo com aqueles escritos autênticos dele que chegaram até nós, na maior parte apenas em traduções; não há nada nestas passagens traduzidas que mostre que Ireneu sustentava a permanência da virgindade de Maria, isto é, depois da Anunciação, no nascimento de Cristo, e posteriormente até ao fim da sua vida na terra.»

    (J.B. Carol, Mariology, Volume 2, Bruce, 1957)

    Acresce que há textos de Ireneu negando a virgindade perpétua de Maria.

    Em “Contra as Heresias, 3:21:10”, Ireneu refere-se a Maria dando à luz Jesus quando ela era «ainda uma virgem». A implicação é que ela não permaneceu uma virgem. Ireneu compara Maria sendo uma virgem no tempo do nascimento de Jesus à terra sendo "ainda virgem" antes de ter sido cultivada pelo homem. A terra posteriormente deixou de ser virgem, de acordo com Ireneu, quando foi cultivada. A implicação é que Maria também deixou de ser uma virgem.

    Em outro lugar, Ireneu escreve:

    «Para este efeito testificam, dizendo, que antes de José se ajuntar com Maria, quando ela portanto mantinha-se em virgindade, “achou-se ter concebido do Espírito Santo”» (Contra as Heresias, 3:21:4)

    Ireneu parece associar "se ajuntar" com relações sexuais. A implicação é que José e Maria tiveram relações conjugais normais depois de Jesus ter nascido.

    Veja este site http://peacebyjesus.witnesstoday.org/Ancients_on_Mary.html

    Não é de se esperar muitas declarações explícitas "contra" uma doutrina que não existia na época, pelo menos nos círculos ortodoxos. O que se pode fazer é detetar declarações incompatíveis com tal doutrina ou que sugerem que não era por então crida. Mas a importância destas declarações é relativa. Primariamente o ónus da prova cabe a quem afirma que a doutrina foi sempre crida e é de origem apostólica. Esses é que têm que apresentar testemunhos da virgindade perpétua, coisa que não conseguem fazer com autores anteriores a meados do século IV.

    Se não tívéssemos nenhumas declarações dos padres "contra" a virgindade perpétua isso não significa que a doutrina fosse crida na sua época. Invocar o silêncio dos padres é utilizar o chamado argumento do silêncio, que na ausência de outra evidência positiva seria bastante fraco.

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  3. O historiador judeu Flávio Josefo se refere a Tiago como se segue, a respeito da morte do procurador Festo na Judeia e a sua substituição por Albino no ano 62:

    "Sendo Anã [o sumo sacerdote] deste carácter, aproveitando-se da oportunidade, pois Festo havia falecido e Albino ainda estava em viagem, reuniu o sinédrio. Chamou a juízo o irmão de Jesus que se chamou Cristo; seu nome era Tiago, e com ele fez comparecer a vários outros. Os acusou de ser infractores da lei e os condenou a ser apedrejados."

    (Flávio Josefo, Antiguidades dos judeus, XX, 9: 1)

    "Ao apelar Paulo ao César e ser enviado por Festo à cidade de Roma, os judeus, frustrada a esperança que os induziu a conspirar contra ele, voltaram-se contra Tiago, o irmão do Senhor, a quem os apóstolos tinham confiado o trono episcopal de Jerusalém ...
    O modo como ocorreu a morte de Tiago já foi esclarecido pelas palavras citadas de Clemente ... Mas quem narra com maior exactidão tudo o que a ele se refere é Hegésipo, que pertence à primeira geração sucessora dos apóstolos e que, no livro V de suas Memórias, diz assim:
    «Sucessor na direcção da Igreja é, junto com os apóstolos, Tiago, o irmão do Senhor. Todos dão-lhe o sobrenome de 'Justo', desde os tempos do Senhor até os nossos, pois eram muitos os que se chamavam Tiago...»."

    Eusébio de Cesareia em Historia Eclesiástica II, 23: 1,3-4

    Eusébio também obteve de Hegésipo a seguinte referência aos descendentes de Judas, o meio-irmão de Jesus:

    "O próprio Domiciano deu ordem de executar os membros da família de David, e uma antiga tradição diz que alguns hereges acusaram os descendentes de Judas –que era irmão do Salvador segundo a carne (adelfon kata sarka tou sôtêros) - , com o pretexto de que eram da família de David e parentes (sungeneian) do próprio Cristo. Isto é o que declara Hegésipo quando diz textualmente:
    «Da família do Senhor viviam ainda os netos de Judas, chamado seu irmão segundo a carne, aos quais delataram por serem da família de David... O evocatus conduziu-os à presença do césar Domiciano, porque este, assim como Herodes, temia a vinda de Cristo. E perguntou-lhes se descendiam de David; eles o admitiram...»."

    Ibid, III, 19-20

    Irá o magistério da Igreja católica também colocar o "sabor semítico" em todas estas obras e autores que se referem aos "irmãos de Jesus"?

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