quinta-feira, 16 de junho de 2011

A proibição da leitura da Bíblia na igreja de Roma

 
Durante os primeiros mil anos da Igreja, não houve restrições à leitura dos Livros Sagrados; pelo contrário, podem-se encontrar muitas recomendações a lê-los. Foi um bispo de Roma, Gregório VII, quem teve o duvidoso privilégio de ter estabelecido em 1080 a primeira proibição: O duque da Boémia tinha-lhe solicitado permissão para publicar as Escrituras em eslavo para serem usadas nos serviços. O papa proibiu que se fizesse tal coisa. Em finais do século seguinte, Inocêncio III escreveu ao bispo de Metz que a prática da leitura da Bíblia era perigosa para os simples e incultos (noção oposta ao que ensina a Bíblia). Seguiram-se proibições locais dos Sínodos de Tolosa (1229), Tarragona (1233) e Oxford (1408) contra a tradução de Wycliffe, de quem se disse no Concílio de Constança “aquele pestilento miserável de maldita heresia que inventou uma nova tradução das Escrituras na sua língua materna”.
A partir da época da Reforma as proibições emanam de Roma. Pio IV, no Index Librorum Prohibitorum de 1559, indica na Regra IV que somente se pode autorizar a leitura da Bíblia aos leigos educados que possam beneficiar com isso, para o que era necessário uma permissão escrita.
Não há dúvida que alentar a leitura da Bíblia por parte dos leigos não foi a atitude da Igreja de Roma até ao século XX.
A 8 de setembro de 1713, na Constituição Dogmática Unigenitus, o papa Clemente XI condenou como erradas uma série de proposições de Pascásio Quesnel, entre elas as seguintes:
70. É útil e necessário em todo tempo, em todo lugar e para todo tipo de pessoas estudar e conhecer o espírito, a piedade e os mistérios da Sagrada Escritura.
71. A leitura da Sagrada Escritura é para todos.
81. A obscuridade santa da Palavra de Deus não é razão para os leigos se escusarem da sua leitura.
82. O dia do Senhor deve ser santificado pelos cristãos com leituras piedosas e, sobretudo, das Sagradas Escrituras. É condenável desejar impedir um cristão de tal leitura.
83. É uma ilusão convencer-se de que o conhecimento dos mistérios da religião não deve ser comunicado às mulheres pela leitura dos Livros Sagrados...
84. Arrebatar das mãos dos cristãos o Novo Testamento ou mantê-lo fechado, tirando-lhes o modo de entendê-lo, é fechar-lhes a boca de Cristo. 
85. Interditar aos cristãos a leitura da Sagrada Escritura, especialmente do Evangelho, é proibir o uso da luz aos filhos da luz, e fazer com que sofram certo tipo de excomunhão.
86. Arrebatar ao povo simples este consolo de unir a sua voz à voz de toda a Igreja, é costume contrário à prática apostólica e à intenção de Deus.
(Denzinger #1429-1434, 1436).
"Porque deverias ter tido diante dos olhos o que constantemente avisaram também os nossos predecessores, a saber: que se os sagrados Livros forem permitidos correntemente e em língua vulgar e sem discernimento, disso resultará mais dano que utilidade. Ora, a Igreja Romana que somente admite a edição Vulgata, por prescrição bem notória do Concílio Tridentino (ver 785 s), rejeita as versões das outras línguas e somente permite aquelas que são publicadas com anotações oportunamente tomadas dos escritos dos Padres e doutores católicos, a fim de que tão grande tesouro não esteja aberto às corruptelas das novidades e para que a Igreja, difundida por todo o orbe, seja de uma só língua e das mesmas palavras (Gen 11,1)."
(Pio VII, carta Magno et acerbo, 3 de setembro de 1816; Denzinger # 1603)
"A iniquidade dos nossos inimigos chega a tanto que ... procuram revirar em prejuízo da religião as Sagradas Letras, que nos foram divinamente dadas para edificação da própria religião. Não se vos oculta, Veneráveis Irmãos, que certa Sociedade vulgarmente chamada bíblica percorre audazmente todo o orbe e, desprezadas as tradições dos santos Padres, contra o conhecidíssimo decreto do Concílio Tridentino [v. 786], juntando para isso as suas forças e todos os meios, tenta que os Sagrados Livros se vertam, ou melhor, se pervertam nas línguas vulgares de todas as nações."
(Leão XII, Encíclica Ubi primum de 5 de maio de 1824).
"Nas regras que foram aprovadas pelos Padres designados pelo Concílio Tridentino, aprovadas por Pio IV e antepostas ao Índice dos livros proibidos, lê-se por sanção geral que não se deve permitir a leitura da Bíblia publicada em língua vulgar a não ser àqueles que se julgue poderem tirar proveito dela para aumento da fé e da piedade. A esta mesma regra,..., foi acrescentada finalmente por autoridade de Bento XIV a declaração de que fosse tida no futuro como permitida a leitura daquelas versões vulgares que tenham sido aprovadas pela Sé Apostólica ou publicadas com notas tomadas dos Padres da Igreja ou de varões doutos e católicos ... Todas as referidas Sociedades Bíblicas, já há muito tempo reprovadas por nossos antecessores, as condenamos novamente por autoridade apostólica..."
(Pio IX, Encíclica Inter praecipuas, 16 de maio de 1844; negrito acrescentado)
A primeira versão em espanhol, realizada a partir dos manuscritos gregos e hebraicos publicou-se um século depois da última encíclica citada.
Somente a partir do Concílio Vaticano II a Igreja de Roma alentou seriamente a leitura das Escrituras, exortação que a maioria dos católicos ainda não leva a sério.
Por vezes, ainda hoje se ouve alguns católicos argumentar que a difusão das Escrituras a partir da Reforma protestante teve efeitos indesejáveis e que seria melhor o acesso a elas ser restrito. Este argumento esquece várias coisas.
Em primeiro lugar, que uma razão poderosa dos efeitos tanto desejáveis como indesejáveis da difusão da Bíblia foi o facto das diferenças abismais entre as doutrinas e práticas da Igreja de Roma e as que são ensinadas nas Escrituras. Por sua vez isso se deveu ao afastamento progressivo da Bíblia por parte dos clérigos; primeiro porque se deu importância exagerada aos ensinamentos dos escolásticos, de modo que a doutrina aprendia-se deles da sua síntese aristotélica-escritural e não da pura fonte da revelação (como aprendiam o que havia sido dito pelos Padres das Sentenças de Pedro Lombardo). Todos os clamores de reforma anteriores ao século XVI insistem na ignorância dos clérigos. E segundo, porque os bispos e cardeais eram em muitos casos não só ignorantes, mas desinteressados no estudo e na exposição bíblica séria. Eram príncipes seculares interessados em manter os seus feudos. Como é bem sabido, os bispos de Roma, em particular os que houve no tempo da Reforma, eram o paradigma do que acabo de dizer. Mas já antes se evidenciava claramente isto; por exemplo, Bonifácio VIII era um muito bom jurista mas um péssimo exegeta da Escritura.
Em outras palavras, a Igreja se havia afastado tanto das Escrituras que podia ser nefasto para a sua própria subsistência que o povo soubesse o que na verdade esta dizia.
Em segundo lugar, é preciso ter em conta que a liberdade sempre envolve risco. Adão foi criado livre, e já se sabe o que aconteceu. No entanto, isso não significa que a liberdade não seja um bem desejável para a condição humana. Obviamente, a Igreja de Roma optou por coartar a liberdade do povo em vez de educá-lo, seja por não poder ou não querer fazê-lo. As consequências de séculos da adoção consistente desta política tornaram-se manifestas logo que as pessoas tiveram acesso às Escrituras na sua própria língua. Mas o papado somente colhia o que tinha semeado por quase cinco séculos.

2 comentários:

  1. Caramba, que desonestidade! Não existe nenhuma constituição apostólica com esse nome na Igreja Católica. É preciso inventar mentiras para tentar fazer suas portas prevalecerem contra Ela.

    ResponderEliminar

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...