segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

A doutrina de Sola Scriptura como a entenderam os Reformadores


Os apologistas católicos, por ignorância culposa ou dolosa, costumam caricaturar a doutrina de Sola Scriptura ao seu gosto. Eis aqui algumas amostras do que os Reformadores verdadeiramente afirmaram; podem ver-se muitas mais em Philip Schaff, The Creeds of Christendom. With a history and critical notes. Vol. 3: The Evangelical Protestant Creeds, 6th Ed. Grand Rapids: Baker Books, 1983 (original 1931).

Citação:

Cremos, confessamos e ensinamos que a única regra e norma, de acordo com a qual todos os dogmas e todos os doutores devem ser estimados e julgados, não é outra senão os escritos proféticos e apostólicos tanto do Antigo como do Novo Testamento...

Mas outros escritos, seja dos padres ou dos modernos, com qualquer que seja o nome que se apresentem, não devem ser de modo algum igualados às Sagradas Escrituras, mas devem ser estimados como inferiores a elas, de forma que não sejam recebidos de outro modo senão na categoria de testemunhas, para mostrar que doutrina se ensinou também depois do tempo dos Apóstolos, e em que partes do mundo a mais íntegra doutrina dos Profetas e Apóstolos foi preservada.

II. E na medida em que imediatamente depois do tempo dos Apóstolos, inclusive até enquanto eles ainda estavam vivos, surgiram falsos mestres e hereges, contra os quais na Igreja primitiva se compuseram símbolos, ou seja, confissões breves e explícitas, que continham o consentimento unânime da fé Católica Cristã, e a confissão da ortodoxa e verdadeira Igreja (como o são os Credos dos Apóstolos, Niceno e de Atanásio): publicamente professamos que os abraçamos, e rejeitamos todas as heresias e todos os dogmas que alguma vez se trouxeram à Igreja que sejam contrários às suas decisões.

Fórmula da Concórdia, 1576, 1584

A Sagrada Escritura contém todas as coisas necessárias para a salvação: assim que qualquer coisa que aí não se leia, nem possa provar-se por ela, não deve ser exigido a nenhum homem que seja crido como um artigo de fé, ou considerado um requisito ou necessidade para a salvação.

A Igreja tem poder para decretar ritos ou cerimónias, e autoridade nas controvérsias de fé; e não obstante não é lícito que a Igreja ordene alguma coisa que seja contrário à Palavra escrita de Deus, nem pode expor uma parte da Escritura de tal forma que seja contrária a outra. Portanto, ainda que a Igreja seja uma testemunha e uma guardadora da sagrada Escritura, ainda assim, do mesmo modo em que não deve decretar nada contra esta, também não deve fora dela impor nada para ser crido como necessário para a salvação.

Artigos VI e XX dos 39 Artigos Anglicanos

Os Reformadores cunharam o lema sola Scriptura, só a Escritura. Que significa isto? Não significa que não devamos usar nada mais do que a Bíblia – que não há lugar para dicionários de teologia e coisas semelhantes. Não significa que devamos aprender a doutrina cristã somente de maneira direta da Bíblia, o que tornaria redundantes os sermões e outros livros. Não significa sequer que não devamos reconhecer outra autoridade senão a Bíblia no nosso cristianismo. A tradição e a igreja inevitavelmente funcionam como autoridades em algum sentido. Porém, a Bíblia permanece como a autoridade decisiva e final, a norma pela qual todo o ensino da tradição e da igreja deve ser julgado.

New Dictionary of Theology, Ed. Sinclair B. Ferguson, David F. Wright, James I. Packer. Grand Rapids: Zondervan, 1988, p. 633.

Por herança e convicção eu mesmo sou um biblicista; teológica tanto como academicamente sou homo unius libri. Uma das funções de normas subordinadas reconhecidas, como a Confissão de Fé de Westminster e os Catecismos Maior e Menor na tradição presbiteriana, é a de fornecer orientações para a interpretação e aplicação da Escritura. Onde as normas subordinadas não são reconhecidas, não significa que não existam tais orientações: é muito provável que se estabeleçam orientações e mesmo cânones mais precisos, mas porque tomam a forma de tradição não escrita, a sua verdadeira natureza pode passar despercebida.

Sola Scriptura, na frase luterana, denota a Escritura como o principium cognoscendi, a fonte primária do conhecimento teológico. A apelação de Lutero só à Escritura como a norma pela qual os concílios, a lei canónica e todas as outras formas de tradição eclesiástica devem ser provadas foi determinado como resultado da sua confrontação com Johann Meier von Eck na disputa de Leipzig de 1519 e achou expressão histórica na Dieta de Worms dois anos mais tarde... "A marca distintiva da Reforma e dos seus discípulos", diz um teólogo luterano moderno, "é a partícula exclusiva, a palavra «sola» ... Concretamente expresso, a relação entre a comunidade e a Palavra de Deus não é reversível; não há um processo dialético pelo qual a comunidade criada pela Palavra se torne ao mesmo tempo uma autoridade disposta sobre a Palavra para interpretá-la, para administrá-la, para possuí-la... Pois a comunidade permanece como serva da Palavra." (E. Kasëmann, New Testament Questions for Today, ET, London, 1969, p.. 261s).

F.F. Bruce, Tradition Old and New. The Paternoster Press, 1970, p. 13-14.

3 comentários:

  1. Prezado blogueiro,

    Esta citação de Erasmo de Rotterdan sobre a sola scriptura é verdadeira?

    ”SE ESTE TEU PRINCÍPIO FOR ADMITIDO A CRISTANDADE SE CONVERTERÁ NUM AMONTOADO DE SEITAS.”

    O blog "Bíblia Católica News utiliza dezenas escritos para "refutar" o princípio da sola scriptura neste artigo:

    http://www.bibliacatolica.com.br/blog/protestantismo/a-patristica-refutando-a-sola-scriptura/

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  2. Como essa citação não traz qualquer referência, e eu não sou bruxo, é impossível confirmar se Erasmo disse ou não disse tal coisa. No entanto, cheira-me que há aí gato escondido com o rabo de fora.

    É curioso que se cite Erasmo quando alguns dos seus escritos criticando o monasticismo e a corrupção da Igreja são considerados como detonadores da reforma protestante. O grande erro de Erasmo foi pensar que podia reformar a Igreja de Roma a partir de dentro.

    O princípio da Sola Scriptura não é um conceito novo que surge no Século XVI. É uma noção que já vem de trás, do tempo dos pais da igreja com uma continuidade histórica bem definida, ao contrário da tradição oral como outra fonte da revelação. Os únicos que defendiam tal noção no passado eram as seitas gnósticas como se pode ver nos escritos, principalmente, de Ireneu e Tertuliano que as combateram.

    Como antídoto ao artigo do blog "Bíblia Católica News
    pode ver também as dezenas de escritos de pais da igreja a adotar o princípio da Sola Scriptura em:

    http://conhecereis-a-verdade.blogspot.pt/2010/03/autoridade-suprema-das-escrituras-nos.html

    http://www.christiantruth.com/scriptureandchurchfathers.html

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  3. Eu também penso que a citação está adulterada ou manipulada ou fora de contexto!

    Em suma,o princípio da sola scriptura não nega a tradição oral,mas toda e qualquer tradição que venha confrontar com as escrituras.

    Alguns blogueiros tentam ludibriar os incautos distorcendo o princípio da sola scriptura afirmando que o mesmo nega TODA e qualquer tradição oral!

    O autor do blog "Bíblia católica news" se presta a um papel desses!!! No mesmo artigo que ele afirma que os protestantes distorcem os escritos dos pais da Igreja sem a devida fonte;o blogueiro cita uma suposta citação fora de contexto sem comprovar a veracidade dos seus argumentos.

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